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2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.4 Ambiente de Estudo: o sistema setorial sucroalcooleiro

2.4.2 Sistema setorial sucroalcooleiro a partir dos anos 90

O processo de desregulamentação da agroindústria canavieira iniciou-se em 1988 com o fim do monopólio do governo federal para as exportações e extinção das quotas de

comercialização interna de açúcar, prosseguindo com a extinção do I.A.A. em março de 1990 e a eliminação das quotas de produção em 1991. Entre 1997 e 1999 foram liberados os preços dos bens, iniciando pelo açúcar (exceto o cristal standard), do álcool anidro e finalmente da cana-de-açúcar, do açúcar cristal standard e do álcool hidratado no início de 1999 (STOREL JR, 2003).

A tônica de reestruturação do Estado, no período de Collor, tinha como intenção implantar uma política neoliberal, propondo uma maior racionalização da máquina estatal. Além disso, o que se observa no Brasil, a partir dos anos 90, é um Estado afetado por uma séria crise fiscal que forçou a contenção de crescimento do Proálcool. Concomitantemente, a venda de veículos a álcool começou a cair devido à falta de confiança na garantia do abastecimento de álcool, o aumento gradativo do preço do álcool hidratado em relação ao da gasolina e a diminuição do estímulo de menor Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI – e deveu-se também à própria agroindústria canavieira, capaz de redirecionar seu esforço para a produção do açúcar (SHIKIDA, 1998).

Shikida (1998, p. 137) aponta que a crise do Proálcool “contribuiu para avultar a diferenciação em termos produtivos existente na agroindústria canavieira do País, posto que algumas empresas menos preparadas em termos de capacitação tecnológica encerraram suas atividades e/ou foram incorporadas pelas mais dinâmicas do setor”.

Eid e Pinto (2000) explicam que a reestruturação da agroindústria canavieira está inserida em um processo mais amplo de intenso movimento de concentração e centralização de capitais, integrando-se à reestruturação da economia mundial. Essa nova dinâmica, que se inicia em meados dos anos 80, mostra que a produção nacional de cana-de-açúcar, álcool e açúcar vem aumentando, ano a ano, com menos trabalhadores empregados por empresa e menos usinas em operação. Alguns grupos econômicos vão se fortalecendo, ocupando o mercado de diversas usinas e destilarias que fecharam pelo país inteiro.

As conseqüências disso são a “implantação de novas tecnologias na agricultura canavieira, da automação microeletrônica na produção industrial, do controle informatizado e integrado da agricultura-indústria-administração no grupo econômico, da diversificação da produção e das atividades econômicas intra-setor e fora do setor, da diferenciação de produtos, do reaproveitamento dos resíduos industriais para os processos produtivos agrícola-industrial e

do refinamento das técnicas de gestão da força de trabalho, via implantação de programas de qualidade total aumentando significativamente a produtividade geral e, por outro lado, pela redução de empregos” (EID e PINTO, 2000, p.1).

Os ganhos de produtividade agrícola e agroindustrial foram obtidos a partir dos seguintes fatores, segundo Shikida (1998): “inovações biológicas, com novas variedades de cana oriundas de vários institutos de pesquisa; inovações físico-químicas, como a utilização de fertirrigação com o vinhoto e as novas técnicas de fermentação alcoólica; inovações mecânicas, uso de tratores e implementos agrícolas mais desenvolvidos; e inovações associadas às formas de organização do trabalho e métodos de produção, novas formas de gerenciamento global da produção agrícola e industrial, o reaproveitamento mais intensivo do bagaço da cana para a geração de energia, o corte da cana de sete ruas, dentre outros”. As grandes mudanças nesse ambiente se dão na produção agrícola, com a colheita mecânica, proporcionando às usinas e produtores cerca de 30% de economia em relação ao corte manual, além de gerar vantagens ambientais. A estimativa na segunda metade dos anos 90 era de que 45% da produção de cana no Brasil fosse mecanizável, e as usinas caminhavam rapidamente neste sentido (NEVES e WAACK, 1998).

Uma possibilidade de mudança é a alteração do processo de produção de álcool que poderia ser feito a partir dos resíduos da cana. Esse processo foi desenvolvido com a indústria de base do estado de São Paulo e instituições públicas, e é conhecido por DHR – Dedini Hidrólise Rápida2 (PORTAL ÚNICA, 2004).

Segundo a Única, desde 1979 o setor investe cerca de 40 milhões por ano em pesquisa e desenvolvimento, desde que a Copersucar criou a sua entidade de investigação e estudos, o CTC – Centro de Tecnologia Canavieira. O CTC tem desenvolvido novos tipos de cana, dentro do Programa de Melhoramento Genético de Cana-de-açúcar. Esses novos tipos de cana desenvolvidos estão sob a proteção de royalties sobre sua multiplicação e uso comercial – o que cria perspectivas concretas para a auto-sustentação do programa (COPERSUCAR, 2006). Além do CTC, universidades públicas e privadas têm trabalhado no desenvolvimento de matérias-primas e processos industriais. O setor sucroalcooleiro está inserido no Programa Genoma da Cana-de-Açúcar, o qual envolve mais de 150 pesquisadores de várias instituições

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A Dedini é reconhecida como uma das empresas de equipamentos mais desenvolvidas do setor e tem trabalhado com inovações relacionadas à co-geração de energia a partir de cana e biodiesel.

no mapeamento e caracterização dos genes da planta, criando as condições para o surgimento de espécies mais produtivas, adaptáveis a diversos tipos de solo e clima, resistentes a pragas e doenças (PORTAL ÚNICA, 2004).

Porém, o trabalho cientifico está concentrado nestas poucas instituições: o CTC, algumas universidades federais e empresas privadas como CanaVialis e Alellyx, mantidas pela Votorantim Novos Negócios (VNN). Esse é um ponto fraco da estrutura nacional, pois segundo Fernando Reinach, diretor da VNN, em entrevista à Revista Exame, “os Estados Unidos tendem a utilizar esta tecnologia para reduzir dramaticamente o custo de produção” (ONAGA e SALOMÃO, 2006). O país utiliza um programa de processamento de imagens de satélite para planejar ações estratégicas; monitorar a cultura da cana-de-açúcar e o uso da terra; identificar potenciais de expansão da lavoura; construir novas usinas e identificar variedades vegetais (PORTAL ÚNICA, 2004).

Em anos mais recentes, a ampliação do parque industrial e a construção de usinas de açúcar nas instalações onde funcionavam apenas destilarias de álcool representam uma postura estratégica de diversificação para encontrar alternativas capazes de proporcionar melhores margens e receitas. Os elementos-chave seriam os ganhos de economia de escala, mudanças tecnológicas e baixos custos de produção. O modus operandi focaliza a competitividade e impulsiona grandes empresas nacionais e do exterior a fecharem negócios (ALIMANDRO e PINAZZA, 2001).

Eid (1994, 1996) observou outras mudanças na base tecnológica do complexo, entre as quais o uso da tecnologia da informação, levando a uma sensível mudança na relação de trabalho entre os usineiros e os trabalhadores assalariados. A tecnologia tem servido de instrumento para aumentar o poder disciplinador sobre o trabalho, reduzir o poder relativo dos sindicatos de trabalhadores e intensificar o uso da força de trabalho dos seus trabalhadores assalariados, principalmente, mas não exclusivamente, seus trabalhadores temporários.

O sistema setorial sucroalcooleiro atual não abandonou o commodities, mas tem se empenhado em diversificar as atividades produtivas para melhorar os resultados (ALIMANDRO e PINAZZA, 2001). É dentro desse cenário que algumas empresas do setor criaram um paradigma próprio – o tecnológico – diferenciando-se das demais empresas por meio de um progresso técnico maior. Essas empresas usaram atividades de pesquisa

agronômica e industrial voltadas para o desenvolvimento setorial, enquanto as inovações tecnológicas criadas foram sendo implantadas por um processo de learning-by-doing. Isso resultou em rendimentos maiores na produção e redução de custos. Nessa fração das indústrias tem-se observado a introdução de novas tecnologias e inovações organizacionais para a exploração de novos subprodutos. Esses subprodutos apresentam relativa diferenciação na rentabilidade bruta (SHIKIDA, 1998).

Houve um renascimento do álcool no final dos anos 90, devido à nova alta dos preços do petróleo, relacionada à demonstração do mercado de que os preços do petróleo não ficariam abaixo dos 30 dólares por barril (A FORÇA DA CANA DE AÇÚCAR, 2006). Conforme será discutido adiante, o fortalecimento da produção do etanol se deu também pela produção dos carros flex-fuel.

O setor tem possibilidades de diversificação para a sucroquímica e alcoolquímica, mas tem problemas de acesso a tecnologias competitivas (microorganismos, operações de purificação e finalização de processos). Também tem dificuldade de penetração em mercados sofisticados como alimentos e farmacêuticos, geralmente dominados por grandes multinacionais. Vários grupos têm investido pesadamente na co-geração de energia via queima do bagaço de cana (NEVES e WAACK, 1998). Segundo entrevista realizada com profissional da linha de financiamento de co-energia do BNDES3 – Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social –, há uma política pública voltada para a co-geração, da qual o BNDES é o principal financiador. Essa política considera que o bagaço é um resíduo que traz problemas ambientais, mas dada a demanda energética gerada pelo crescimento do país, a intenção dessas políticas é fazer com que as usinas considerem a co-geração como parte da carteira de negócios da empresa, e não somente quando houver demanda da CPFL. Segundo o entrevistado, em 2006 as grandes usinas já estavam fazendo investimentos em equipamentos para a co-geração, e havia uma linha de financiamento no BNDES somente para os usineiros que tinham interesse em oferecer energia elétrica como mais um dos seus produtos.

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