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CAPÍTULO III. APRESENTAÇÃO DO ESTUDO, ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DOS

3.3. CARACTERIZAÇÃO DO CONTEXTO ESCOLAR

3.3.3 Caracterização dos participantes

Passemos, então, a traçar o perfil (socio) linguístico de cada sujeito. Como se disse anteriormente, os depoimentos foram extraídos de conversas formais e informais ao longo do tempo que decorreu a investigação na escola.

0Cl -Tem onze anos, vive com a mãe que é funcionária pública, com os avós e

uma irmã de cinco anos. Mora numa zona residencial, conhecida por prédio (ASA) e pertence a uma família da classe média cabo-verdiana.

Gosta da LP, língua que é utilizada na escola. Em casa, fala o Crioulo, mas os avós insistem para que ela fale o Português para poder praticar a LP. Lê livros de histórias, de aventuras e manuais escolares para exercitar a LP. Gosta de escrever, faz resumos e composições das histórias que lê. Também vê desenhos animados para ouvir o Português. Questionada se sabe o que é uma língua oficial, responde que é o Português. Conclui que muitas crianças têm vontade de falar o Português mas não sabem.

0Cd-Tem doze anos, mora na zona do Quelém com a mãe que é doméstica e

quatro irmãs. Para ela, a língua oficial é aquela que se fala na escola. Utiliza-a em contexto escolar e ainda quando brinca com as irmãs, “a fingirem de professores e pessoas importantes”. Gosta de ler-pena os livros serem só em Português. Prefere a Língua Crioula e se fosse a Senhora Ministra de Educação oficializava o CCV, pois é a língua que falam em casa. Ninguém em casa se preocupa em falar o Português. Não vê a televisão porque não têm este aparelho em casa e os livros que lê são apenas os manuais escolares. Não gosta de escrever, só faz os trabalhos de casa porque o professor os solicita.

0Kv – Tem doze anos, mora com a mãe que trabalha numa loja de artigos

desportivos. Ela não completou o ensino secundário. O pai concluiu o ensino primário e é emigrante nos Estados Unidos.

À noite, vê televisão para ouvir Português. A mãe insiste que à noite devem apenas falar o Português para exercitar a LP. Fala esta língua na explicação (estudo orientado), na escola e na catequese. Em casa, não tem com quem dialogar em Português, pois os primos e a avó só falam o Crioulo.

Gosta mais de escrever do que ler e, por isso, faz muitas composições, mas lê livros de quadradinhos e manuais escolares. Acha importante aprender a LP porque“os livros estão escritos em português e se tiver que ir a Portugal não terá

problemas”.

0Mc- Tem doze anos de idade, vive numa família constituída por oito elementos.

Mora na zona de Tira Chapéu com a tia e seis primas. A tia é lojista. Não sabe ler nem escrever. A Márcia, de manhã, faz tarefas domésticas e à tarde vai à escola. Quando pode, lê livros de histórias infantis e quadradinhos. À noite, vê televisão mas não consegue ouvir, por haver muito barulho em casa. Utiliza o Português apenas na escola, em casa nem pensar. Gosta da LP, mas não sabe se a oficializaria, se fosse Ministra de Educação, pois a maioria das pessoas prefere falar o Crioulo.

0Pl- Reside na zona do Brasil, tem doze anos, vive com a mãe que é doméstica,

o pai pescador e três irmãos mais velhos. Vê televisão à noite, mas para divertir não para escutar a LP. Convive com esta língua apenas na escola.Os pais são analfabetos. Não tem o hábito de ler porque não têm livros em casa. Os manuais escolares são cedidos pelo professor por empréstimo. Escreve muito pouco, só os trabalhos de casa e actividades de escrita da escola. Para ele, é indiferente a LP ou o CCV ser oficial. Não pretende continuar os estudos após a conclusão do sexto ano e, portanto, não precisa/diz “não precisar do Português”.

0Sd-Tem onze anos, vive com os pais e três irmãos na zona da Achada Quelém.

Gosta de ler e, à noite, vê televisão para ouvir o Português. Sabe que a língua oficial é aquela que se fala na escola. Acha a LP interessante e importante, mas prefere falar o Crioulo, pois “não tem que pensar se está certo ou errado”. Se tivesse que escolher a língua de ensino optaria pelo Crioulo, assim não teria que

estudar a gramática e ter muito cuidado quando fala. Utiliza o Português na escola e quando escreve (trabalhos de casa). Às vezes fala em Português com a mãe para ela ver que anda a aprender na escola. Os pais pedem-lhe para ver desenhos animados e telejornal, a fim de ouvir o Português.

Estes depoimentos foram obtidos através das conversas tidas com os alunos desde do nosso primeiro encontro. Ao longo das conversas fomos fazendo perguntas e registando por escrito as respostas.

Como referimos anteriormente, estas informações dos alunos foram obtidas através de conversais formais/informais tidas com os mesmos durante o tempo da nossa investigação e estadia na Escola Nova Assembleia. Segundo Moore (2001:85) : “le contexte conversationel joue un rôle important dans la mise en mots des représentations”. Neste caso o nosso objectivo era saber as atitudes/ representações que eles têm da LP. No início mostraram certo embaraço em expressar na L2, entretanto ao longo das sessões foram se “abrindo” e expressando sem hesitação ou receio.

Do grupo (6), três alunos sabem da importância da LP e da sua função enquanto Língua Oficial. Foi interessante, notar que uma aluna reconhece que o Português é LO, mas “se tivesse que escolher a língua de ensino optaria pelo Crioulo, assim não teria que estudar a gramática e ter muito cuidado quando fala”. Aqui confirma- se o que Ançã (1999), refere-se no tocante à LM ” auto-designação/pertença, a

língua pela qual o falante manifesta um sentimento de posse mais marcado do que em relação a outras línguas: primazia, a primeira língua compreendida e aprendida e por último, domínio, ou seja, a língua que se domina melhor”.

Apenas dois alunos reconhecem que é importante ler para poder praticar a LP, isto também porque a mãe/avós preocupam-se neste sentido. Um deles acha importante a LP porque é a lingua da escrita e da comunicação com o exterior (Portugal).

Três deles não atribuem importância nenhuma à LP e atribuem o facto: - “ de não pretender continuar os estudos” (1);

- “ (…) o Português é língua da escola e de “pessoas importantes” (1); - “ (...) a maioria das pessoas fala o Crioulo”.

É nossa percepção que estas atitudes em relação à L2 se relaciona muito com a condição económica da criança/aluno .

Por outro lado, estas informações são de extrema importância pois permitem ao professor adequar as metodologias de ensino às situações específicas de aprendizagem com que se depara diariamente. Por exemplo, qual será a estratégia a adoptar com um aluno que não tem manuais escolares,cujos pais são analfabetos entre outras condições desfavoráveis auscultadas nos depoimentos. Um outro aspecto a evidenciar é que a atitude em relação às línguas evita a formação de esteriótipos que na maioria das vezes estão na base dos problemas de insucesso escolar e integração escolar.