• Nenhum resultado encontrado

Caracterização das existenciais formadas com o verbo ser: Presença de um constituinte com caráter avaliativo (marca

Elisângela Gonçalves da Silva

CARACTERIZAÇÃO DAS EXISTENCIAIS COM SER: PRESENÇA DE UM CONSTITUINTE COM MARCA INTENSIFICADORA DE GRAU

2. Caracterização das existenciais formadas com o verbo ser: Presença de um constituinte com caráter avaliativo (marca

intensificadora de grau) no DP da coda existencial

Conforme temos ressaltado ao longo deste trabalho, há uma característica que distingue as sentenças existenciais com ser das que ocorrem com os outros verbos existenciais: naquelas, costuma ocorrer

CARACTERIZAÇÃO DAS EXISTENCIAIS COM SER: PRESENÇA DE UM CONSTITUINTE COM MARCA INTENSIFICADORA DE GRAU

um constituinte com marca de grau, podendo ser, conforme já demonstrado neste trabalho, quantificadores, pronomes demonstrativos, numerais, advérbios que expressem avaliação, e o próprio nome, com uma entonação enfática. Essa hipótese é evidenciada por meio dos dados analisados, cujos resultados apontados na Tabela 1 a seguir nos mostram que o verbo ser-existencial acontece somente em sentenças que contam com a presença de tal constituinte. Nessa Tabela, também podemos verificar quais são os elementos mais requisitados para a “ativação” de uma sentença existencial com o verbo ser, isto é, aqueles sobre os quais recai a intensificação. Em primeiro

lugar, com 44,3% das construções, encontram-se os quantificadores, como muito(a/s), tanto(a/s), quanto(a/s), conforme exemplos em (26) abaixo; em seguida, encontram-se os nomes, com 25,5% das ocorrências com ser-existencial, como podemos observar na sentença em (27) e os advérbios que totalizam 11,3% das mesmas (cf. (28)). Também exemplificamos os casos com numerais, com 10,4% (cf. (29)). Os pronomes indefinidos/demonstrativos (cf. (30)) e adjetivos (cf. (31)) possuem valores percentuais de 4,7% e 3,7%, respectivamente. O que chama atenção na Tabela 1 é o fato de não haver sentenças em que ser aconteça sem que ocorra na sentença um constituinte de grau.

(26) a. [...] na periferia, é muita violência. (m3sV)

b. [oh] veja como está subindo pelas minhas pernas [oh] piolho de galinha [oh] mas era tanto que se notava uma mancha preta subindo nas pernas... (m2P)

c. Nós temos o chefe dos departamentos e vários departamentos não eu não sei quantos são no Hospital das Clínicas... (f2S)

(27) Ah, aí você me apertou, porque essa parte de estrutura de universidade... Lá são departamentos, né? (f2S)

(28) Na de lá já era menos (confusão), porque praticamente a gente saltava quase que sozinho. (m1S)

Elisângela Gonçalves da Silva

(29) E as lagoas; quer dizer, são três ou quatro lagoas; só conheci a Lagoa do Bonfim; agora, tem mais umas duas ou três que não houve tempo de eu conhecer.

(30) a. Os meninos de hoje não tem essa vontade, não sabe o que é fabricar, fazer uma pipa fazer, um carrinho de rolimã [...] hoje é tudo, é computador, internet, e dentro de shopping, sabe. (m2mC)

b. [...] não tinha segurança nenhuma e não era essa onda de violência. (f1fV)

(31) [...] ali é pura natureza, né? (m2S)

Presença/ausência de

constituinte intensificador Ocorrências ( %)

Ausência 0 0 Adjetivo 4 3,7 Advérbio 12 11,3 Nome 27 25,5 Numeral 11 10,4 Pronome demonstrativo 5 4,7 Quantificador 47 44,4 TOTAL 106 100

Tabela 1 – Construções existenciais com o verbo Ser, de acordo com o constituinte intensificador

Essa restrição não é verificada para os verbos haver e ter, entretanto, visto que o primeiro apresenta 25,8% de ocorrências com intensificação sobre o DP da coda existencial (cf. (32a)) contra 74,2% de ocorrências sem marca de intensificação (cf. (32b)), e o segundo apresenta, respectivamente, 30,3% de sentenças com intensificação (cf. (33a)) para 69,7% sem intensificação (cf. (33b)).

(32) a. [...] porque há muita invasão de domicílio muita invasão. (m3sV)

CARACTERIZAÇÃO DAS EXISTENCIAIS COM SER: PRESENÇA DE UM CONSTITUINTE COM MARCA INTENSIFICADORA DE GRAU

(33) a. [...] e hoje diz ela que na parte do ventre só tem uma ligeira mancha vermelha... (m2sP)

b. Tinha o Cine Carlos Gomes na avenida Campos Sales. (m3sC)

Outro fator que analisamos na realização das construções existenciais com ser foi o Tempo Verbal, o que nos apontou um fator interessante: a correlação entre as existenciais com ser e as Small

Clauses Livres, (SCLs), construções que apresentam um caráter

avaliativo, similarmente às Small Clauses opinativas (KATO, 2007) – aquelas cujo predicado traz a expressão de um juízo de valor acerca de algo –, exemplificadas em (34):

(34) a. Inteligentes esses meninos! (p. 88) b. Um grande artista esse seu filho! (p. 91) c. Muito bonita a sua casa! (p. 86)

d. Muito competente esse seu secretário! (p. 86) e. Um artista o seu filho! (p. 86)

Conforme Sibaldo (2009, p.69), apesar de nas SCLs “não haver a presença de tempo morfologicamente, o tempo entendido subjacentemente é o tempo presente”. Para ele, a despeito de não apresentarem morfologia de tempo na superfície, as SCLs do Português Brasileiro “podem ser parafraseadas com a cópula no tempo presente”, conforme é demonstrado nas construções abaixo:

(35) a. Lindo o dia!

“OK O dia está lindo!.”

“* O dia estava lindo!.” “* O dia estará lindo!.” b. Bonita a sua roupa!

“OK A sua roupa está bonita!.”

“*A sua roupa estava bonita!.”

“*A sua roupa estará bonita!.” (SIBALDO, 2009, p.69-70) Sibaldo ressalta que, apesar da ausência de morfologia, o tempo subtendido nas SCLs é o presente, o que pode ser indicado pelo uso de

Elisângela Gonçalves da Silva

um advérbio/locução adverbial de tempo, conforme podemos observar nas sentenças seguintes.

(36) Lindo o dia hoje!

“OK O dia está lindo hoje!”

“*O dia estava lindo hoje!” “*O dia estará lindo hoje!”

Todavia, é possível que o tempo interpretado em algumas SCLs seja o pretérito.

(37) Bonita a sua roupa ontem!

“*A sua roupa está bonita ontem!” “OK A sua roupa estava bonita ontem!”

“*A sua roupa estará bonita ontem!”

Nas existenciais com ser, o verbo também se encontra primordialmente no tempo presente, embora possa acontecer no pretérito, como nos mostram as sentenças a seguir:

(38) a. Aqui interior, é mais sempre sossego, né; aqui já é muito muito agitação. (m2mC)

b. […] e na época em que […] poderia existir sim, mas era poca divulgação. (m2mC)

Todavia, ser praticamente não é empregado no tempo futuro (verificamos apenas duas ocorrências em uma mesma sentença proferida por um falante apresentada em (39) abaixo), o que pode ser determinado pela impossibilidade de se avaliar uma situação que ainda está por vir. Na verdade, como podemos observar na Tabela 2 abaixo, os três verbos são empregados sobretudo no presente.

(39) […] porque vai ser ou um shopping ou um não sei o que vai ser lá. (f3sC)

Tempo Verbal Ocorrências ( %)

CARACTERIZAÇÃO DAS EXISTENCIAIS COM SER: PRESENÇA DE UM CONSTITUINTE COM MARCA INTENSIFICADORA DE GRAU

Pretérito 35 33

Futuro 2 1,9

TOTAL 106 100

Tabela 2 – Construções existenciais com o verbo Ser, de acordo com o tempo verbal

Ainda, consideramos na análise dos dados o traço semântico do Tema (argumento interno), se [animado], [inanimado material], [abstrato], [evento]. Assim como o verbo ter, o verbo ser “transita” bem entre todos os argumentos, como é mostrado na Tabela 3, enquanto

haver, ao contrário, ocorre primordialmente com argumentos com

traços [abstrato] (53%), que corresponde a mais da metade das sentenças, e [evento] – 20,3%, conforme já notado por Callou & Avelar, (2002). Esses traços juntos representam a grande maioria de ocorrências com esse verbo (73,3%).

(40) a. Evito o bastante de sair, somente quando é necessidade. (f2sV)

b. [oh] o aluno fazia todos os exames finais de maneira que era esse conjunto [...] de modo que era a frequência [oh]

eram os trabalhos apresentados [...] o resultado de tudo

isso dava a nota que o aluno conseguiu obter para passar. (f3sP)

c. [...] pois e tem fotografias do Barão Geraldo de Rezende com Bento Quirino... (m3sC)

d. Mas tem um problema com relação aqui a Bahia, que é de topografia.

(41) a. Dificuldades ah não sei; eu não penso … eu não acho que há dificuldade. (m2mC)

b. Bom, há aquelas reuniões informais e ao acaso. (f1sS)

VERBO SER HAVER TER TOTAL

Traço semântico do

Tema

Elisângela Gonçalves da Silva [animado] 12 11,3 26 12,0 227 29,0 265 [inanimado material] 41 38,7 31 14,3 266 34,0 338 [abstrato] 33 31,1 116 53,4 180 23,0 328 [evento] 20 18,9 44 20,3 109 14,0 172 TOTAL 106 217 782 1105

Tabela 3 – Construções existenciais com os verbos Ser, Haver e Ter, de acordo com o traço semântico do Tema

Conclusão

Acreditamos que, por meio da análise aqui apresentada, fica claro que o verbo ser-existencial não acontece em toda sentença existencial, como o faz ter-existencial, verbo que, ao longo do tempo, tem ocupado o espaço do verbo haver na expressão de existência no Português Brasileiro. Isso porque, na verdade, a intenção do falante não é a de somente informar algo sobre a proposição proferida, mas apresentar a sua avaliação em face da proposição por ele enunciada. Por isso, o verbo ter, não o verbo ser, é utilizado numa sentença como “Tem um celular sobre a mesa. Não é meu.”, em que se percebe claramente a intenção do falante de informar a seu ouvinte a existência de algo. Referências bibliográficas

CALLOU, D.; AVELAR, J. O. de. (2002). “Sobre TER e HAVER em Construções Existenciais: Variação e Mudança no Português do Brasil”. In: Gragoatá, v. 9, p. 85-100.

DUARTE, I. (2003). “A família das construções inacusativas”. In: MATEUS, M. H. M. et al. Gramática da Língua Portuguesa. 6. ed. Lisboa: Caminho, p. 506-548.

GONÇALVES, E. (2012). Ser ou não Ser, eis a questão: Construções “Existenciais” com o verbo Ser no Português Brasileiro Contemporâneo. Tese. Doutorado em Linguística. Campinas:

CARACTERIZAÇÃO DAS EXISTENCIAIS COM SER: PRESENÇA DE UM CONSTITUINTE COM MARCA INTENSIFICADORA DE GRAU

______. A “reinserção” de ser entre os verbos existenciais no

Português Brasileiro Contemporâneo. No prelo.

KATO. M. A. (1990) 2007. “Free and dependent small clauses in Brazilian Portuguese”. In: DELTA, 23 (Especial): Homenagem a Lucia Lobato, p. 85-111.

MATTOS E SILVA, R. V. (1994a). “Para uma caracterização do período arcaico do português”. In: DELTA, v. 10. 247-276.

_______. (1994b). O Português Arcaico: Morfologia e Sintaxe. São Paulo: Contexto.

_______. (1995). “TER ou HAVER em estruturas de posse: variação e mudança no português arcaico”. In: PEREIRA, C. C.; PEREIRA, P. R. D. (Org.). Miscelânea de estudos linguísticos, filológicos e literários in

memorian de Celso Cunha. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, p. 288-298.

______. (1996). “A variação haver/ter”. In: ______. (Org.). A Carta de

Caminha: testemunho linguístico de 1500. Salvador: EDUFBa/UEFS/CNPq, p. 181-194.

______. (1997). “Observações sobre a variação no uso dos verbos “ser”, “estar”, “haver”, “ter” no galego-português ducentista”. In: Estudos linguísticos e literários, 19, p. 253-285.

_______. (2002a). “A definição da oposição entre “ser” e “estar” em estruturas atributivas nos meados do século XVI”. In: _______.; MACHADO FILHO, A. V. L. (Org.). O português quinhentista:

estudos linguísticos. Salvador: EDUFBA, p. 103-117.

______. (2002b). “Vitórias de “ter” sobre “haver” nos meados do século XVI: usos e teoria em João de Barros”. In: ______.; MACHADO FILHO, A. V. L. (Org.). O português quinhentista:

estudos lingüísticos. Salvador: EDUFBA, p. 119-142.

SIBALDO, M. A. (2009). A sintaxe das Small Clauses Livres do

Português Brasileiro. Dissertação. Mestrado em Linguística. Maceió:

Universidade Federal de Alagoas.

Palavras-chave: construções existenciais, português brasileiro contemporâneo, sociolinguística variacionista.

Keywords: contemporary Brazilian Portuguese, existential constructions; variationist sociolinguistics.

Elisângela Gonçalves da Silva

Notas

1 Seguindo a metodologia variacionista, foi selecionado o mesmo número de

informantes de diferentes faixas etárias (de 15 a 25 anos, de 26 a 49 anos, de 50 anos em diante), níveis de escolarização (fundamental, médio e superior) e dos gêneros feminino e masculino.

2 Esses correspondem aos símbolos utilizados para a identificação dos informantes.

Neste caso específico, m equivale ao gênero Masculino; 1, à faixa etária 1 (15-25 anos); S, à cidade de Salvador.

3 Uma vez que não conta com um argumento externo a que possa atribuir papel

temático, o verbo inacusativo fica impossibilitado de atribuir o Caso acusativo a seu argumento interno, daí a nomenclatura inacusativo.

4 Alguns autores, como Belletti (1988), assumem que, nas existenciais, o argumento

interno recebe Caso partitivo, que consiste num Caso inerente; logo, devendo ser checado juntamente com o papel temático.

5 Freeze (1992) ressalta que o Tema indefinido com traço [+humano] gera uma

construção possessiva.

O AGENTE E O PACIENTE NA PERSPECTIVA