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Caracterização experimental da argamassa da alvenaria de adobe à compressão

Capítulo 4 Caracterização experimental dos materiais da campanha experimental dos ensaios de

4.5 Caracterização experimental da argamassa da alvenaria de adobe à compressão

4.5.1 Generalidades

Uma alvenaria de adobe pode ser realizada com ou sem a utilização de uma argamassa para preenchimento das juntas. No caso de não ser utilizada uma argamassa, a ligação

entre os vários adobes pode ser conseguida através da submersão destes em água, durante um curto período de tempo, de forma a tornar as faces de contacto macias, o que permite que quando os adobes são aplicados na alvenaria, essas superfícies ganhem ligação (Minke, 2003). Porém, este processo exige um controlo muito apertado das dimensões dos adobes e uma mão-de-obra mais especializada, devido à falta da tolerância permitida pelas juntas (Minke, 2003), e portanto este processo antigamente, provavelmente, não era sequer utilizado, pois, como já referido, o controlo de qualidade do fabrico de adobes era praticamente inexistente. Devido a esta mesma razão, as construções em alvenaria de adobe antigas foram normalmente construídas com juntas argamassadas, usualmente com recurso a uma argamassa de terra, muitas vezes também utilizada na realização do reboco de protecção, da alvenaria de adobe, contra a água.

Tipicamente, a argamassa utilizada nas juntas da alvenaria de adobe é um assunto praticamente marginalizado nos estudos de caracterização desta tipologia construtiva, que já por si são raros, e portanto a bibliografia sobre este assunto em específico é escassa ou inexistente. Este aspecto introduz uma dificuldade extra na definição da composição de uma argamassa adequada e representativa das argamassas antigas, normalmente utilizadas nestas estruturas. De facto, o desenvolvimento de estudos sobre argamassas em estruturas de terra tem sido realizado intensivamente no contexto de rebocos para protecção e não no contexto de argamassas para a realização das alvenarias. Contudo, o conhecimento das composições das argamassas utilizadas para a construção de alvenaria de adobe tem sido transmitido ao longo das várias gerações de artesãos, o que o torna num conhecimento empírico. É um conhecimento com tendência a desaparecer com o desaparecimento desta solução construtiva, nomeadamente no contexto da alvenaria de adobe na da região de Aveiro, uma vez que actualmente são raros os artesãos que trabalham neste tipo de construção. Apesar desta situação cada vez mais crítica, a definição da argamassa utilizada no estudo da fluência em alvenaria de adobe baseou-se nesse conhecimento adquirido.

Assim, decidiu-se utilizar, neste estudo em particular, uma argamassa à base de terra e de cal. Em termos de composição, em volume aparente, optou-se por um traço 1:1:2 para cal hidratada, terra e areia, respectivamente. A cal utilizada foi a mesma usada na argamassa para a construção dos prismas de alvenaria de tijolo cerâmico, bem como a areia. Relativamente à terra, foi utilizada uma terra da zona de Aveiro com alguma argila. A quantidade de água adicionada foi função da trabalhabilidade, ou seja,

adicionou-se água à mistura até obter-se uma trabalhabilidade aceitável, de acordo com o procedimento que antigamente era adoptado em obra.

Esta argamassa ao ser constituída por cal hidratada, endurece essencialmente por carbonatação, contudo reacções de hidratação entre a cal e os minerais da argila presente na terra, ricos em sílica e alumína, podem ocorrer, isto é, a argamassa terá um endurecimento hidráulico, mas de longe não tão significativo como o que ocorreria numa argamassa pozolânica. O facto de a argamassa apresentar um endurecimento por carbonatação irá ter influência nos ensaios de fluência, tendo em atenção o referido na secção 4.3. Porém, no caso da alvenaria de adobe apenas foram realizados ensaios de fluência acelerada, com uma duração de cerca de uma semana, e portanto o ganho de resistência durante esse período não será significativo.

A retracção da argamassa é devida a fenómenos semelhantes aos referidos para a argamassa da alvenaria de tijolo cerâmico (secção 4.3) e para os adobes (secção 4.4), sendo que, tipicamente, as argamassas de cal e terra apresentam uma retracção superior à das argamassas de cal convencionais (Schofield, 2002). A retracção da argamassa durante os ensaios de fluência poderá não ser relevante, uma vez que o período entre a construção dos prismas e a data de início dos ensaios de fluência foi considerável e o período de duração dos ensaios também não é significativo.

Neste trabalho experimental apenas foi avaliada a resistência à compressão desta argamassa, contudo em futuros trabalhos deverão ser avaliados, também, os movimentos diferidos associados aos movimentos de humidade no interior da argamassa (retracção), de forma a completar o presente estudo.

4.5.2 Descrição dos provetes e procedimento dos ensaios de compressão uniaxial

Durante a construção dos prismas de alvenaria de adobe foram recolhidas amostras da argamassa da única amassadura realizada com recurso a uma betoneira. Estas amostras foram moldadas em moldes cúbicos de dimensões 50x50x50 mm3, segundo um procedimento semelhante ao adoptado para os outros ensaios de argamassas.

Também neste caso, os provetes de argamassas foram sempre mantidos juntos aos prismas de alvenaria construídos, de forma a apresentarem as mesmas condições de cura e secagem. A cura dos provetes teve de ser realizada sob as condições ambiente do laboratório, devido à impossibilidade de os colocar no interior da câmara climática, uma vez que os prismas de alvenaria de tijolo cerâmico estavam lá armazenados. A

introdução de destes provetes, com uma grande quantidade de humidade, conduziria a flutuações da humidade relativa na câmara, prejudiciais para a estabilidade da humidade pretendida para os provetes de alvenaria de tijolo cerâmico. Também conduziria a uma secagem muito rápida da argamassa, pois a humidade relativa da câmara estava programada para um valor muito baixo (57.5%), o que provocaria grande fendilhação nos provetes.

Assim, de forma a garantir um elevado nível de humidade na cura dos provetes, sob as condições ambiente do laboratório, estes foram cobertos com panos, constantemente mantidos húmidos, os quais foram retirados ao fim de três semanas. Após seis semanas da realização dos provetes, estes foram introduzidos no interior da câmara climática com uma temperatura e humidade relativa programadas para 20ºC e 57.5%, respectivamente.

Os cubos de argamassa foram desmoldados ao fim de duas semanas, pelo facto de apresentarem um aspecto muito mole e serem facilmente penetrados com a unha, mesmo após desmoldagem, demonstrando o seu lento endurecimento. De facto, mesmo ao fim de um mês, estes ainda apresentavam esse aspecto, pelo que não foram realizados ensaios para diferentes idades para avaliação da evolução da resistência à compressão. Optou-se por realizar os ensaios de compressão uniaxial apenas para a mesma idade dos ensaios monotónicos dos prismas de alvenaria de adobe, ou seja, os provetes foram ensaiados com uma idade de 100 dias.

Também neste caso os ensaios de compressão uniaxial foram realizados no mesmo pórtico da campanha experimental das paredes de alvenaria de três panos onde foram ensaiados os provetes de argamassa, bem como o esquema de ensaio (ver secção 3.3.2). Os ensaios foram realizados em controlo de deslocamento, através de um deslocamento axial aplicado monotonicamente, com uma velocidade de 2 Pm/s, controlada por um LVDT que media o deslocamento axial do actuador.

4.5.3 Resultados

Na Tabela 4.4 é apresentada a resistência à compressão de cada um dos nove provetes de argamassa ensaiados (fc,a,m), bem como o respectivo valor médio e coeficiente de

variação.

O valor médio da resistência à compressão obtido é de cerca de 1.0 N/mm2, e portanto é um valor bastante baixo, o que é uma característica típica destas argamassas.

Comparativamente aos adobes, a resistência da argamassa é cerca de 10% inferior, sendo portanto uma diferença praticamente mínima. Em termos de variabilidade de resultados, repara-se que o valor do coeficiente de variação é baixo, pelo que a variabilidade dos resultados obtidos também o é. Também neste caso, o mecanismo associado ao colapso dos provetes foi em tudo semelhante ao observado para a argamassa da campanha experimental das paredes de três panos (ver secção 3.3.3).

Tabela 4.4 – Resultados dos ensaios de compressão uniaxial dos provetes de argamassa de terra Provete fc,am (N/mm2) CMC1 0.95 CMC2 0.92 CMC3 1.04 CMC4 1.07 CMC5 1.03 CMC6 1.06 CMC7 1.07 CMC8 1.08 CMC9 1.00 Média 1.02 CV (%) 5.6

Relativamente aos movimentos diferidos da argamassa, resta ainda avaliar a retracção da argamassa ao longo do tempo, bem como a influência da interacção entre a argamassa das juntas e os adobes, que deverá ser realizada em trabalhos futuros, nos quais também deverá ser caracterizada a evolução temporal da resistência à compressão desta argamassa.

4.6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

No presente Capítulo foram apresentados os resultados dos ensaios de compressão uniaxial realizados em provetes de tijolo cerâmico e adobe, bem como os resultados dos ensaios de compressão uniaxial realizados nas argamassas das respectivas alvenarias.

Os ensaios de compressão uniaxial realizados nos provetes de tijolo cerâmico mostraram alguma dispersão nos resultados para ambas as direcções ensaiadas, nomeadamente ao nível do módulo de elasticidade segundo a direcção vertical, apresentando um valor elevadíssimo do coeficiente de variação, que provavelmente estará associada ao processo de fabrico destes e ao número reduzido de provetes ensaiados. Por seu lado, as curvas de comportamento de cada um dos provetes, em ambas as direcções, demonstraram o comportamento quasi-frágil deste material,

evidenciando, também, a variabilidade que existe em termos de deformabilidade segundo a direcção vertical. Ainda nestes ensaios verificou-se que, tanto a resistência à compressão, como o módulo de elasticidade, segundo a direcção horizontal, foram significativamente superiores aos obtidos segundo a direcção vertical, contrariando alguns estudos experimentais em tijolos fabricados segundo processos modernos (Almeida, 2002; Oliveira, 2003 e Vermeltfoot, 2005). Verificou-se ainda, que o esquema adoptado para o ensaio dos tijolos segundo a direcção vertical, permite que haja continuidade entre os três prismas que constituem cada provete, verificada através da continuidade das fendas presentes no padrão de fendilhação na rotura, que atravessam todos os prismas do provete.

Dos ensaios de compressão uniaxial da argamassa utilizada na construção dos prismas de alvenaria de tijolo cerâmico, conclui-se que o processo de aceleração de cura e a composição da argamassa adoptados, permitiu logo aos 28 dias de idade obter uma resistência à compressão praticamente coincidente com a resistência aos 180 dias de idade. Notou-se, também, um ligeiro decréscimo do valor da resistência à compressão dos 90 para os 180 dias, que poderá estar relacionada com a variabilidade encontrada nos resultado e/ou com a composição do ligante da argamassa ser constituída em grande percentagem por metacaulino, à semelhança a do comportamento observado no estudo de composição da campanha experimental das paredes de alvenaria de três panos.

Os ensaios de compressão uniaxial dos provetes de adobe permitiram verificar que este apresenta uma resistência à compressão e um módulo de elasticidade muito baixos, quando comparado com outros materiais utilizados como unidades de alvenaria. Porém, a resistência à compressão encontra-se dentro do intervalo de valores típicos da zona de Aveiro. Os resultados obtidos evidenciam bastante variabilidade, sobretudo em relação ao módulo de elasticidade, que provavelmente será devida ao processo de fabrico, nomeadamente a falta de controlo de qualidade dos materiais e a falta de compactação dos adobes quando estes são moldados.

Os resultados dos ensaios da argamassa à base de terra e cal, utilizada na alvenaria de adobe, mostram que a resistência à compressão desta é bastante baixa e portanto, será representativa das argamassas antigas típicas da alvenaria de adobe. A variabilidade da resistência à compressão deste material não se mostrou muito significativa.

Também nesta campanha experimental se notou, claramente, a variabilidade associada ao estudo experimental de materiais produzidos manualmente e sem o

controlo de qualidade existente actualmente na produção dos materiais de construção modernos.

Finalmente, em futuros trabalhos deverá ser realizada uma posterior caracterização experimental, visando avaliar a influência das deformações diferidas de cada material no comportamento global da alvenaria.___________________.___________________