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Ensaios de fluência em alvenaria de tijolo cerâmico e alvenaria de adobe

ENSAIOS DE FLUÊNCIA EM ALVENARIA DE TIJOLO

CERÂMICO E ALVENARIA DE ADOBE

6.1 INTRODUÇÃO

Os efeitos diferidos no contexto das construções históricas, mais propriamente no contexto das construções em alvenaria antiga, são fenómenos que têm sido pouco ou nada estudados, sendo, geralmente, aspectos ignorados e desprezados no diagnóstico de problemas estruturais de tais construções. Isto ocorre essencialmente devido à falta de conhecimento do fenómeno e pela aparente invisibilidade com que se manifesta. Porém, colapsos de estruturas antigas, de elevado valor patrimonial e histórico, ocorridos recentemente, nomeadamente o colapso da Torre Cívica de Pavia em Itália em 1989 (Valluzzi et al, 2005; Ferretti et al, 2006a; Ignoul et al, 2006), o colapso da torre sineira de St. Madalena em Goch na Alemanha em 1993 (Pina-Henriques, 2005) e o colapso da nave central e parte da cúpula da catedral de Noto em Itália em 1996 (Binda et al, 2001), pelas suas consequências dramáticas, despertaram a atenção da comunidade científica para este problema.

De facto, um dos aspectos que despertou a maior atenção e preocupação foi a circunstância dos colapsos, que foram repentinos e sem que estas construções aparentemente apresentassem sinais de ruína eminente, tornando urgente o seu estudo por se desconhecerem as causas de tais incidentes. Assim, após o colapso da torre Cívica de Pavia, foi iniciada, pelo Politécnico de Milão, uma extensa campanha experimental, que incluiu ensaios mecânicos e físico/químicos, realizados em blocos de alvenaria recolhidos das ruínas dessas construções. Estes ensaios permitiram identificar o dano provocado pelos efeitos diferidos como principal causa do colapso, principalmente pela fluência, devido às grandes cargas verticais aplicadas nas paredes da torre (Pina-Henriques, 2005), decorrentes das diversas fases construtivas que foram ao longo dos séculos elevando a sua altura e, consequente, a carga a nível das fundações. Para além disto, este dano foi, ao longo de todo o seu período de vida, sendo

agravado pelas diversas acções que foram actuando na torre, como os vários sismos sofridos, acção do vento e vibrações provocadas pelo tocar dos sinos.

A fluência é um comportamento evidenciado por todos os materiais, consistindo na sua deformação diferida quando sujeitos a cargas de compressão ou tracção constantes, podendo ser várias vezes superior à deformação elástica desses materiais (Van Zijl, 2000). Em materiais cimentícios, este é um fenómeno que depende de factores externos como o nível de tensão instalado e das condições de humidade e temperatura, e de factores internos como a micro-estrutura porosa que influência os movimentos de humidade no interior do material.

O fenómeno de fluência desenvolve-se em três fases. Na primeira fase, os materiais apresentam uma taxa de fluência (velocidade de deformação diferida) decrescente, seguindo-se uma segunda fase em que a taxa de fluência é constante, e finalmente uma terceira fase em que a taxa de fluência é rapidamente crescente, levando à rotura do material. A duração e o desenvolvimento de cada uma das fases dependem do nível de tensão instalado, sobretudo a última fase que apenas se desenvolverá para níveis de tensão bastante elevados. A segunda e terceira fases da fluência caracterizam-se pela formação de uma micro-fendilhação bastante difusa, que origina posteriormente macro- fendas. A formação de micro-fendas é contínua ao longo destas fases e portanto, originam dano nos elementos resistentes que consequentemente reduz a sua resistência.

No caso da alvenaria, considera-se que a fluência possa ter relevância para elementos sujeitos a um estado de compressão a partir de 40% a 50% da tensão resistente à compressão (Pina-Henriques, 2005; Ferretti et al, 2006). Para níveis de tensão inferiores, normalmente, apenas surge a primeira fase da fluência.

As deformações diferidas dos materiais cimentícios também dependem da humidade do ambiente e da humidade contida no material. De facto, os materiais cimentícios após a sua elaboração e sem um nível de tensão instalado tendem a perder água para o ambiente exterior, originando uma diminuição de volume ao que normalmente se designa de retracção por secagem. Por sua vez, os mecanismos de retracção estão interligados com os da fluência, pelo que esta também depende da humidade e da sua redistribuição no interior dos materiais cimentícios, quando estes materiais são sujeitos a um nível de tensão constante (Van Zijl, 2000). Por exemplo, um provete isolado do ambiente exterior e que se apresenta em equilíbrio higrotérmico não apresenta retracção (retracção por secagem), pois não perde humidade para o exterior. Contudo, sob a acção de uma carga constante apresenta fluência, devido à redistribuição

forçada da humidade através da micro-estrutura porosa dos materiais cimentíceos, provocando uma reestruturação da ligação entre partículas (Van Zijl, 2000). Esta deformação diferida sem retracção num ambiente com temperatura e humidade constante, e na ausência de fendilhação (níveis baixos da tensão de compressão), designa-se de fluência básica (Bazănt, 1988 e Neville, 1991).

Caso este provete não seja isolado do ambiente exterior, durante a aplicação da carga constante, leva a que seja observado um incremento de deformação (para além da deformação por retracção de secagem) designado de efeito de Pickett ou fluência de secagem (Pickett, 1942).

O problema da fluência em betão, para níveis de tensão baixos (40 a 50% da resistência à compressão instantânea) e portanto, no seu intervalo de comportamento linear, tem sido bastante debatido e estudado. Contudo, para níveis de tensão elevados este fenómeno não tem sido praticamente debatido nem estudado, muito menos na alvenaria, uma vez que o dimensionamento de estruturas sempre se baseou no seu comportamento linear (Pina-Henriques, 2005), bem como a previsão das deformações por fluência, que se baseou na proporcionalidade entre a deformação por fluência e a tensão (fluência linear), permitindo a aplicação de princípios como o da superposição (Boltzmann, 1876). As estruturas de alvenaria antigas com problemas de fluência encontram-se normalmente sujeitas a níveis de tensão elevados, no limite da segurança, pelo que as deformações por fluência serão não lineares, existindo assim uma falta de conhecimento necessário para a análise destas estruturas.

Os edifícios antigos cujo colapso foi atribuído a problemas de fluência, referidos anteriormente, eram construídos, essencialmente, em alvenaria de tijolo cerâmico. Contudo, o problema da fluência também poderá atingir outros tipos de alvenarias, como por exemplo a alvenaria de adobe. Por exemplo, na região de Aveiro muitas das construções antigas de adobe são edifícios rurais e de pequeno porte, para os quais não existe grande risco associado ao estado de tensão vertical (rotura por compressão), não sendo os efeitos diferidos nas paredes de alvenaria relevantes para o respectivo estado de compressão, pois estes edifícios são constituídos geralmente por um único piso não estando sujeitos a grandes tensões de compressão (Oliveira et al., 2007). No entanto, no meio urbano da região existem muitos edifícios em alvenaria de adobe de maior porte, com um importante valor histórico, arquitectónico e patrimonial associados, e que interessa estudar para garantir a sua preservação, como são exemplo alguns edifícios de estilo Art Nouveaux, igrejas, instalações industriais, entre outros (ver Figura 6.1).

Nestes casos, o valor médio da tensão vertical de compressão instalada poderá atingir

valores significativos (0.3 a 0.5 N/mm2, cerca de 40% a 60% do valor da resistência

média à compressão da alvenaria), sobretudo ao nível dos pisos térreos e das fundações, que em alguns casos também são de alvenaria de adobe, podendo assim ocorrer dano devido aos fenómenos de fluência.

Tipicamente, no caso de alvenaria moderna são realizados ensaios de fluência normalizados, que podem ter a duração de um ano, aplicando-se diferentes níveis de tensão de compressão constantes em diferentes provetes, e seguidamente registando-se a deformação em determinados instantes temporais (por exemplo, a recomendação LUMB4 da RILEM 1994). Este procedimento permite obter uma família de curvas de fluência da alvenaria, correspondendo cada provete a uma curva. Contudo, para alvenaria antiga sujeita a elevados níveis de tensão, este procedimento é incómodo, devido à longa duração dos ensaios, à grande dificuldade em obter-se provetes de alvenaria antiga e à grande variabilidade tradicionalmente encontrada.

Quando se ensaia provetes de alvenaria antiga até à ruptura, pretende-se retirar o máximo de informação possível de um único provete, devido à sua raridade. Este princípio também é aplicável aos ensaios de fluência, pelo que em alguns trabalhos experimentais tem-se recorrido a ensaios onde são aplicados vários níveis de tensão com uma determinada duração (Pina-Henriques, 2005).

Por outro lado, a longa duração dos ensaios de fluência e custo associado, tem levado à realização de ensaios de fluência com períodos de duração claramente inferiores, podendo a sua duração total ser de apenas alguns dias, denominados ensaios de fluência acelerados (“short-term creep tests”). Este tipo de ensaio permite uma grande economia de tempo, contudo não conseguem substituir os ensaios de fluência a longo prazo (“long-termcreep tests”) na caracterização completa do comportamento visco-elástico da alvenaria antiga.

Assim, com o corrente Capítulo pretende-se contribuir para a caracterização do comportamento diferido de estruturas de alvenaria de tijolo cerâmico e de alvenaria adobe sob tensões de compressão elevadas. Serão apresentados e discutidos os resultados de uma campanha experimental que incluiu a realização de ensaios de compressão uniaxial, de fluência acelerada ou pseudo-fluência e de fluência a longo prazo em provetes de alvenaria de tijolo cerâmico e de provetes de alvenaria de adobe.

Figura 6.1 – Alguns exemplos de construções de adobe no distrito de Aveiro.

6.2 PROVETES

A obtenção de provetes de alvenaria de paredes de edifícios antigos para ensaios mecânicos de carácter destrutivo é uma tarefa que se revela quase impossível, e raros são os casos em que trabalhos experimentais tenham conseguido realizar ensaios em provetes efectivamente antigos. Para contornar este problema, é usual a construção de provetes novos, utilizando materiais tradicionais, ou utilizando materiais recuperados de estruturas antigas. Contudo, a maturação da argamassa é uma questão essencial, que tem influência no comportamento visco-elástico da alvenaria (Pina-Henriques, 2005), pois uma argamassa com alguns dias de idade terá um comportamento diferente de uma outra com centenas de anos, influenciada pelos processos físicos e químicos que ocorrem de forma lenta ao longo do tempo, como a hidratação do ligante e a carbonatação, que alteram a sua micro-estrutura.

Assim, para a presente campanha experimental foram construídos provetes novos de alvenaria de tijolo cerâmico, com tijolos fabricados segundo processos tradicionais e com uma argamassa com composição representativa das argamassas antigas (ver Capítulo 4). No caso dos ensaios realizados em provetes de alvenaria de adobe, estes foram construídos com adobes recolhidos de uma habitação demolida da região de

Aveiro e com uma argamassa, também, representativa das argamassas antigas, tipicamente utilizadas nesta tipologia construtiva da região (ver Capítulo 4).

Os provetes de alvenaria de tijolo cerâmico foram construídos em forma de prismas

com dimensões médias de 200x200x400 mm3. As dimensões dos provetes foram

limitadas, essencialmente, pelas dimensões dos bastidores disponíveis para a realização dos ensaios de fluência, tendo sido necessário proceder ao corte dos tijolos, de forma a apresentarem dimensões que permitissem a construção dos prismas com as dimensões desejadas. Os prismas eram constituídos por seis fiadas de dois tijolos, por sete juntas horizontais de argamassa e por uma junta vertical em cada uma das faces, que apenas surgia em fiadas alternadas (ver Figura 6.2a). A espessura das juntas era variável, devido à irregularidade geométrica dos tijolos, variando entre 10 e 15 mm.

Os provetes de alvenaria de adobe foram, também construídos com a forma de

prismas e com dimensões médias de 200x200x400 mm3. Também neste caso, os adobes

tiveram de ser cortados para se ajustarem às dimensões desejadas para os prismas. Os prismas foram construídos com três fiadas constituídas por um único adobe, e por quatro juntas horizontais de argamassa (ver Figura 6.2b). A espessura das juntas, também variável, variava entre 15 a 20 mm.

De forma a minimizar a influência da maturação da argamassa nos resultados dos ensaios de fluência realizados nos prismas de alvenaria de tijolo cerâmico, os provetes foram sujeitos a condições de cura aceleradas. Ao fim de serem construídos foram colocados no interior de uma câmara climática regulada para mater um ambiente com uma temperatura de 25ºC e uma humidade relativa de 100%. Estas condições foram mantidas nos provetes durante um mês, ao final do qual as condições no interior da câmara climática foram reguladas para uma temperatura de 20ºC e uma humidade relativa de 57.5%.

Em relação aos prismas de alvenaria de adobe, não foi possível submete-los às mesmas condições de cura acelerada a que os provetes de alvenaria de tijolo cerâmico foram submetidos, uma vez que estes foram construídos uns meses após a construção dos segundos, a sua colocação no interior da câmara climática poderia perturbar a cura dos restantes provetes. Então, após a construção dos prismas de alvenaria de adobe foi colocado um pano húmido sobre estes, de forma a minimizar a possível fendilhação por retracção de secagem. Estes panos eram mantidos constantemente húmidos e foram retirados ao fim de três semanas, permanecendo os provetes sob as condições de temperatura e agora de humidade do laboratório. Ao fim de seis semanas após a