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4. A GNR NAS MISSÕES DE PAZ

4.2. O emprego da GNR nas missões internacionais

4.2.1. Caracterização geral

O “desmoronar” da oposição Este-Oeste desenterrou conflitos na Europa que tinham estado adormecidos e controlados, mas não esquecidos. Com efeito, as guerras civis que eclodiram na antiga União Soviética e na ex-Jugoslávia provocaram uma enorme instabilidade e fizeram perigar a paz e a segurança mundiais, perante a inoperância da comunidade internacional. Por outro lado, África foi assolada por guerras civis extraordinariamente sangrentas, enquanto na Ásia se agravaram antigas tensões. Confrontado com esta realidade, Portugal disponibilizou para os diversos organismos internacionais as suas Forças Armadas e policiais a fim de tomarem parte em operações de paz, o que levou a Guarda a também nelas intervir. Contudo, e segundo BESSA (2011), a “internacionalização da GNR é um processo muito tardio se se tiver em conta a sua existência, mas apesar de recente, tem sido de relevo para a projecção das capacidades desta Força de Segurança e para a imagem e afirmação de Portugal no cenário europeu e mundial.”59

Com efeito, a primeira participação da Guarda em missões deste tipo verificou-se, como vimos, em 1995, através da disponibilização para a Roménia de um oficial para observador de polícia, sob a égide da União da Europa Ocidental(UEO).

58 BRANCO, Carlos – Guarda Nacional Republicana. Contradições e ambiguidades. Lisboa: Edições Sílabo, p. 144. 59 BESSA, Fernando – cit. 1, p. 81.

Conforme referiu em entrevista PINHEIRO60, o então Capitão que foi escolhido para

participar na DANUBE MISSION, tratou-se de uma missão de embargo à Sérvia, decorrendo ao longo do rio Danúbio, pelo que teve que desenvolver a sua actividade na Bulgária, na Hungria, na Roménia e na própria Sérvia.

As funções que desempenhou foram as de oficial de ligação entre a União Europeia, a UEO e o comando da Missão Policial de Embargo à Séria, sediado na cidade fronteiriça de Calafate, na Roménia. Assim, coube-lhe “a responsabilidades de assegurar a ligação institucional e funcional entre os diversos organismos e entidades internacionais com o comando policial envolvido na missão.”

Além disso, referiu que teve oportunidade de realizar outro tipo de tarefas, tais como operações de combate ao contrabando, no tráfego de cabotagem, o qual consistia, essencialmente, em fazer passar para a Sérvia combustível e munições por via marítima. Eram operações complicadas, especialmente à noite, devido às frequentes emboscadas dos contrabandistas, que, sem hesitar, disparavam indiscriminadamente sobre nós.

Adiantou, ainda, que, sendo a primeira missão da GNR, “a sua a preparação não foi a mais adequada, quer devido à deficiente informação sobre a missão ao nível ministerial, quer por via do desconhecimento existente sobre como prepará-la em termos logísticos, financeiros, técnicos, etc.” Tal situação, como observaremos adiante, foi completamente invertida nas intervenções que se seguiram, onde a informação sobre as missões e a preparação dos militares foi uma das principais preocupações.

A antecipação é, pois, um dos principais factores de sucesso das operações. Por isso, a grande vantagem da GNR nestas missões parece radicar na sua organização lhe permitir uma resposta pronta e eficaz, que é reforçada, segundo GRAÇA61,

pela permanente formação de todos os seus elementos e de acordo com a especificidade das carreiras. A formação assegura ainda, a uniformização e a normalização da doutrina militar com as Forças Armadas, sendo o garante da

60 PINHEIRO, Paulo, Coronel da GNR. 61 GRAÇA, Pedro – cit. 41, p. 65.

preparação permanente para missões internacionais, onde no fundo altera-se apenas o âmbito territorial de actuação, mantendo-se a comprehensive approach.62

A Guarda Nacional Republicana, constituindo-se como uma força com capacidade de desenvolver todas as actividades de polícia (desde as de simples polícia administrativa às de polícia judiciária), pode também realizar um leque muito alargado de outras tarefas. Com efeito, e como afirma GRAÇA63,

a GNR é uma Força especialmente apta a ser empenhada, em permanência, em todo o tipo de conflitualidade. Desde o tempo de paz, de normal funcionamento das instituições democráticas no cumprimento das funções de polícia, até às Operações de Imposição da Paz nos países qualificados de classe “C”, onde a sua formação militar é uma competência distintiva.

A intervenção de militares da Guarda em missões de paz foi-se intensificando, como melhor se descreverá no ponto 4.3., tendo assumido variadíssimas atribuições no âmbito de diferentes organizações, actuando isoladamente como observadores de polícia (com funções de monitorização, assessoria e formação) ou em unidades constituídas. São de referir igualmente as actividades no âmbito da formação, enquadradas nas missões de paz ou em simples acções de cooperação policial, sem esquecer a participação em operações internacionais de ajuda humanitária em situações de catástrofe.

A Guarda Nacional Republicana dispõe, pois, de características e potencialidades que a aproximam decisivamente das mudanças em curso. Como todas as Forças de Segurança de natureza militar, a possui elementos doutrinários, organizacionais e de actuação perfeitamente compatíveis e ajustados aos novos conceitos da moderna conflitualidade. É o caso de se encontrar organizada em pequenas unidades com liberdade de acção e de iniciativa, de ter militares altamente profissionalizados e treinados, de estar claramente enquadrada pela ética militar e pela Lei, de actuar com um controlo externo rigoroso, que normalmente não aceita "danos colaterais" ou o emprego desproporcionado da força.

62 Coordenação das dimensões política, diplomática, segurança, desenvolvimento, estado de direito, direitos humanos e ajuda humanitária para promover uma paz positiva e sustentada.

Também a nível político é reconhecida a qualidade da intervenção da GNR no exterior, como foi o caso do Primeiro-Ministro, Dr. Pedro Passos Coelho, ao afirmar que

para Portugal é uma mais-valia a existência da GNR com todas as especificidades de uma força policial de natureza militar. Não dispusesse o nosso país da GNR e as capacidades nacionais nesta vertente da acção política externa estariam seriamente diminuídas. Para todos aqueles que ainda não compreenderam a importância de uma “gendarmerie”, a participação da GNR em Timor constituirá resposta bastante.”64