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4. A GNR NAS MISSÕES DE PAZ

4.2. O emprego da GNR nas missões internacionais

4.2.2. Enquadramento legal das missões

Desde as suas origens, em 10 de Dezembro de 1801, com a denominação de Guarda

Real de Polícia até ao presente, a Guarda Nacional Republicana é considerada um

corpo militar, sendo, por isso, integrada nas forças militares, mas desempenhando sempre funções de segurança interna.

Como se referiu, parece contraditório defender-se que a Lei de Defesa Nacional atribui exclusivamente às Forças Armadas a execução da componente militar da defesa nacional, afastando quaisquer outras forças, mesmo militares, de nela participar. De facto, o n.º 1 do artigo 48.º da LDN65, sob a epígrafe “Forças de segurança”,

esclarece que “as forças de segurança colaboram em matéria de defesa nacional nos termos da Constituição e da lei.” Assim, poderá inferir-se que será em sede das respectivas Leis Orgânicas que estará enquadrada aquela colaboração, obviamente distinta em função da natureza, fins e áreas de intervenção de cada uma das forças. Também no artigo 24.º, n.º1, alínea e), do mesmo diploma é referido que uma das incumbências das Forças Armadas é “cooperar com as forças e serviços de segurança tendo em vista o cumprimento conjugado das respectivas missões no combate a agressões ou ameaças transnacionais.” Este aspecto constitui, pois, uma das principais formas de aproveitamento da polivalência da GNR enquanto Força de Segurança e corpo militar.

64 In discurso proferido na residência oficial do PM, em 5/12/12, aquando da cerimónia de recepção aos militares da GNR regressados de Timor-Leste.

É certamente por isso que está legalmente previsto que a Guarda Nacional Republicana pode participar em operações internacionais de gestão civil de crises, de paz e humanitárias, pois a sua intervenção em missões desta natureza encontra-se enquadrada pela actual Lei Orgânica da GNR66, que, no artigo 1.º, n.º 2, refere que a

Guarda tem por missão, entre outras, “colaborar na execução da política de defesa nacional, nos termos da Constituição e da lei.”

Mais adiante, no artigo 3.º, n.º 1, alínea o), este diploma consagra que uma das atribuições da Guarda é

participar, nos termos da lei e dos compromissos decorrentes de acordos, designadamente em operações internacionais de gestão civil de crises, de paz e humanitárias, no âmbito policial e de protecção civil, bem como em missões de cooperação policial internacional e no âmbito da União Europeia e na representação do País em organismos e instituições internacionais.

Acresce referir a alínea i) do n.º 2 do mesmo artigo 3.º da Lei Orgânica, a qual estabelece que a Guarda Nacional Republicana tem por atribuição “cumprir, no âmbito da execução da política de defesa nacional e em cooperação com as Forças Armadas, as missões militares que lhe forem cometidas.”

Esta previsão, conjugada com o estipulado na já anteriormente citada alínea b), do n.º 1, do artigo 24.º da LDN, que refere incumbir às Forças Armadas “participar nas missões militares internacionais necessárias para assegurar os compromissos internacionais do Estado, incluindo missões humanitárias e de paz”, permite encontrar outra base legal de suporte à participação da Guarda em missões internacionais.

Também o artigo 16.º da Lei Orgânica da GNR prevê que “os militares da Guarda podem ser nomeados em comissão de serviço para organismos internacionais ou países estrangeiros, em função dos interesses nacionais e dos compromissos assumidos no âmbito da cooperação internacional, nos termos legalmente estabelecidos.”

66 Lei n.º 63/2007, de 6 de Novembro.

Por outro lado, o artigo 4.º, n.º 2, da Lei de Segurança Interna67 vem enquadrar o

envio de militares da Guarda para o exterior em missões de paz, ao referir que “no quadro dos compromissos internacionais e das normas aplicáveis do direito internacional, as forças e serviços de segurança interna podem actuar fora do espaço referido no número anterior [todo o espaço sujeito a poderes de jurisdição do Estado

português], em cooperação com organismos e serviços de Estados estrangeiros ou

com organizações internacionais de que Portugal faça parte.”

Assim, e atendendo a que um dos aspectos fulcrais da execução da política de defesa nacional é a projecção de forças, e como a GNR participa, como se provou, na execução dessa política, pode concluir-se que a Guarda tem legitimidade para enviar forças para o exterior do território nacional.

Apesar deste enquadramento legal, para a saída de elementos das forças e serviços de segurança para a primeira missão em Timor-Leste houve que legitimar a situação e sujeitá-los a um regime idêntico ao dos militares das Forças Armadas, o que aconteceu com a aprovação do Decreto-Lei n.º 17/2000, de 29 de Fevereiro. Para isso, este diploma determina, logo no n.º 1, do artigo 1.º, que "é aplicável aos elementos dos serviços e forças de segurança dependentes do Ministério da Administração Interna envolvidos em missões humanitárias e de paz fora do território nacional, no quadro dos compromissos assumidos por Portugal, o Decreto-Lei nº 233/96, de 7 de Dezembro68, com as devidas adaptações.”

Já ao nível do direito internacional e dos documentos de enquadramento e suporte, com o desenvolvimento dos conceitos e disposições apresentado nos dois capítulos anteriores, considera-se que as intervenções da Guarda Nacional Republicana foram devidamente sustentadas. Efectivamente, as suas participações, com forças constituídas ou observadores de polícia, foram acomodadas e legitimadas pela Carta das Nações Unidas e por Resoluções do seu Conselho de Segurança, bem como por

67 Lei 53/2008, de 29 de Agosto.

68 Define o estatuto dos militares das Forças Armadas envolvidos em missões humanitárias e de paz fora do território nacional.

decisões de outras organizações internacionais legítimas, assim como pela elaboração dos habitais documentos formais (MoU, SOFA, ROE, etc.).

Da análise de todos os diplomas e documentos referidos, pode concluir-se que as missões de paz têm a necessária cobertura legal. Apenas para as de “imposição da paz” poderia haver dúvidas, se se considerasse constituírem uma ingerência nos assuntos internos de Estados soberanos. Todavia, as Nações Unidas reconhecem actualmente que os direitos do homem (e das minorias) são um valor superior ao da própria soberania do Estado. Assim, sempre que estes direitos sejam desrespeitados de forma sistemática, ostensiva e em grande escala, o princípio da não ingerência dá lugar ao dever de assistência ou de intervenção, consubstanciado no chamado “direito de proteger.”

Finalmente, e tendo por referência o estabelecido no artigo 8.º da Constituição (integração do direito internacional no ordenamento jurídico interno), todas as missões de paz enquadradas por organizações internacionais de que Portugal faça parte ficam legitimadas ao abrigo do enquadramento jurídico português.