• Nenhum resultado encontrado

MORFOANATÔMICOS, HISTOQUÍMICOS E ULTRAESTRUTURAIS

TRANSIÇÃO DE CÉLULAS SOMÁTICAS PARA EMBRIOGÊNICAS E FORMAÇÃO DE EMBRIÕES SOMÁTICOS DE GUEROBA [Syagrus oleracea

4.3 Caracterização histoquímica mobilização de reservas

Quanto às reservas, gueroba acumula predominantemente proteínas e lipídeos (Figura 2), característica comum em outras palmeiras (DEMASON; THOMSON, 1981; DEMASON, 1985; DEMASON, 1988; PANZA; LÁINEZ; MALDONADO, 2004; MOURA; VENTRELLA; MOTOIKE, 2010; RIBEIRO; OLIVEIRA; GARCIA, 2012;

141 NAZÁRIO et al., 2013; OLIVEIRA et al., 2013; RODRIGUES; MENDONÇA; GENTIL, 2015), com destaque para o endosperma e o cotilédone como as duas regiões responsáveis pelo acúmulo dessas reservas (PANZA; LÁINEZ; MALDONADO, 2004). Conforme Copeland et al. (1999), uma parte significativa do conteúdo proteico de sementes é considerada metabolicamente inativa e subsidia o crescimento do embrião durante o processo germinativo como reserva alimentar, enquanto que a outra parcela, metabolicamente ativa, é formada por enzimas catalisadoras dos processos metabólicos de digestão, translocação e utilização de reservas. Essas proteínas de reserva são acumuladas em vacúolos de armazenamento de proteínas durante a fase de maturação e, nos estágios finais dessa fase, esses vacúolos são convertidos em corpos proteicos delimitados por uma membrana derivada da membrana vacuolar (HARA- NISHIMURA et al., 1987; STRZAŁKA et al., 1995). Já os lipídeos em sementes, também conhecidos como gotas lipídicas, corpos lipídicos ou oleossomos, armazenam triacilgliceróis (TAGs) que estão envolvidos no fornecimento de energia e, possivelmente, na sinalização durante o processo germinativo (LAIBACH et al., 2015).

A distribuição dos corpos lipídicos observada em gueroba predominantemente ao redor dos corpos proteicos e/ou de membranas plasmáticas (Figura 3A-E) é um padrão característico de outras palmeiras, como P. dactylifera (DEMASON; THOMSON, 1981; DEMASON, 1985; DEMASON, 1988) e de outras espécies pertencentes a diferentes famílias botânicas, como Olea europaea (ALCHÉ et al., 2006; ZIENKIEWICZ et al., 2011; ZIENKIEWICZ et al., 2014), Origanum majorana (WIŚNIEWSKA et al., 2006) e Picea abies (BORNMAN et al., 2003). Uma possível explicação para essa interação corpos proteicos-corpos lipídicos seria o armazenamento de enzimas lipases nas membranas dos corpos proteicos, ou seja, junção enzima- substrato (FERNANDEZ; STAEHELIN, 1987). Zienkiewicz et al. (2014) ratificam a hipótese acima e afirmam que os corpos proteicos estão diretamente envolvidos (espacial e funcionalmente) com a mobilização de corpos lipídicos durante o processo germinativo.

Grãos de amido em embriões zigóticos de palmeiras, geralmente, não são comuns, como relatado em A. aculeata (MOURA; VENTRELLA; MOTOIKE, 2010; RIBEIRO; OLIVEIRA; GARCIA, 2012), P. dactylifera (DEMASON; THOMSON, 1981) e Washingtonia filifera (DEMASON, 1988). Em S. oleracea, todavia, uma pequena concentração de grãos de amido foi visualizada nas proximidades do eixo embrionário (acima do promeristema radicular), na plúmula (Figura 2F) e na região

142 haustorial (Figura 2I) dos embriões zigóticos, provavelmente, funcionando como fonte adicional de carbono e energia (SMITH; DENYER, 2003) para o crescimento e desenvolvimento do embrião durante a germinação, similar ao observado em B. capitata por Oliveira et al. (2013).

As reservas supracitadas são essenciais aos diferentes eventos morfogênicos in

vitro, com diferentes relatos na literatura sobre a dinâmica da sua mobilização durante o

processo de embriogênese somática (BARCIELA; VIEITEZ, 1993; CANHOTO; MESQUITA; CRUZ, 1996; PINTO et al., 2010; ROCHA et al., 2012; SILVA et al., 2015; OLIVEIRA et al., 2017). Em gueroba, especificamente a partir do sétimo dia em meio de indução, verificou-se naqueles embriões zigóticos com células reativas o surgimento de grãos de amido em áreas não observadas imediatamente antes da inoculação, como em regiões protodérmicas, e incremento no número de grãos de amido em áreas onde eles já estavam presentes (na região imediatamente acima do promeristema radicular e plúmula) (Figura 5H). As análises com MET revelaram também, aos sete dias, tráfego de vesículas nas laterais dos amiloplastos, o que pode estar relacionado à construção/manutenção das membranas desses plastídeos (LINDQUIST; SOLYMOSI; ARONSSON, 2016). Esse incremento observado em áreas específicas, como plúmula e na região imediatamente acima do promeristema radicular, provavelmente está relacionado com os eventos iniciais da germinação, como mencionado por Oliveira et al. (2013) em B. capitata e por Silva et al. (2014) em M.

flexuosa. Porém, devido ao alto e contínuo suporte de auxina exógena no meio de

indução, a germinação foi bloqueada (ausência de desenvolvimento do eixo embrionário).

Com a evolução do cultivo, mais especificamente dos dias 14 a 30, notou-se surgimento de grãos de amido, sobretudo, em regiões em intensa divisão celular ou nas suas adjacências (Figuras 9C, 10M), como por exemplo, nas proximidades dos cordões procambiais. Como já mencionado, embriões zigóticos de S. oleracea não exibem esse composto em quantidades conspícuas como uma fonte principal de reserva, o que indica a ocorrência de síntese de novo, similar ao mencionado por Moura et al. (2008) em A.

aculeata, Rocha et al. (2012) em P. cincinnata e Rocha et al. (2016) em P. edulis.

Ressalta-se também que já a partir do vigésimo primeiro dia de cultivo, notou-se nítido acúmulo de grãos de amido na extremidade proximal da maioria dos embriões zigóticos (Figura 11L), região essa tomada por uma massa calogênica com textura mucilaginosa (aquosa, hidratada). Hipotetiza-se que essa massa calogênica seria uma capa radicular

143 (coifa) com desenvolvimento bloqueado dada às condições do cultivo in vitro, o que justificaria o acúmulo de grãos de amido nessa região (BARLOW, 2003).

Nesse experimento, os grãos de amido têm provido energia para o conjunto de divisões celulares e a sucessiva formação de células embriogênicas e proembriões. O conteúdo de amido diminuiu concomitantemente à diferenciação de áreas embriogênicas, o que realça a ideia de que as reservas polissacarídicas são fundamentais para os processos morfogênicos, assim como previamente salientado por Oliveira et al. (2017) em Brachypodium distachyon. Eventuais proembriões e embriões somáticos exibiram alguns poucos grãos de amido.

De maneira geral, diversos trabalhos têm associado o acúmulo de grãos de amido nas células adjacentes às células embriogênicas e/ou nas células embriogênicas com a capacidade de formar embriões somáticos (HALPERIN; JENSEN, 1967; LU; VASIL, 1985; PROFUMO; GASTALDO; RASCIO, 1987; PLATA; BALLESTER; VIEITEZ, 1991; BUFFARD-MOREL; VERDEIL; PANNETIER, 1992; BARCIELA; VIEITEZ, 1993; VIEITEZ, 1995; YEUNG, 1995; RODRIGUEZ; WETZSTEIN, 1998; SAMAJ et al., 1999; VERDEIL et al., 2001; MIKULA et al., 2004; SANÉ et al., 2006; MOTOIKE et al., 2007; PAN et al., 2011; STEINMACHER et al., 2011; YUSOFF et

al., 2012). Todavia, essa correlação não está totalmente elucidada (MOURA et al.,

2008; ROCHA et al., 2012; ROCHA et al., 2016; OLIVEIRA et al., 2017) e, segundo Schwendiman et al. (1988) e Steinmacher et al. (2011), não se trata de uma correlação sistemática. Portanto, acúmulo de grãos de amido não pode ser considerado um marcador histoquímico do processo de embriogênese somática (BARCIELA; VIEITEZ, 1993; CANHOTO; MESQUITA; CRUZ, 1996), embora atue nessa via morfogênica fornecendo energia para intensa atividade metabólica e mitótica (CANHOTO; MESQUITA; CRUZ, 1996), ou ainda, exercendo um possível papel regulatório (PUIGDERRAJOLS; MIR; MOLINAS, 2001). Mais atualmente, Navarro et al. (2017) apresentaram evidências de que a capacidade embriogênica possa estar relacionada com o potencial de assimilação de carboidratos. Dentro desse contexto, mais estudos são necessários para a completa elucidação do papel do amido na embriogênese somática.

Os grãos de amido observados nos estágios iniciais do processo embriogênico parecem substituir as reservas lipídicas e proteicas em células embriogênicas (Figura 6). A síntese de amido pode estar relacionada à mobilização/uso dos corpos lipídicos, já que incremento no conteúdo de amido foi detectado concomitantemente à redução dos compostos lipídicos já aos sete dias em meio de indução (Figura 6), assim como

144 relatado por Mansfield e Briarty (1996) durante o processo germinativo de A. thaliana e por Rocha et al. (2016) durante a embriogênese somática em P. cincinnata. A hidrólise dos triglicerídeos (TAGs) que são armazenados em corpos lipídicos gera ácidos graxos livres que são posteriormente oxidados para produzir acetil-CoA. A acetil-CoA é metabolizada via ciclo de glioxilato, o que resulta na produção de sacarose no citosol (BORNMAN et al., 2003), que pode ser armazenada posteriormente como amido. Salienta-se ainda que além de fonte de energia (SELDIMIROVA; KRUGLOVA, 2013; SELDIMIROVA et al., 2017), os lipídeos estão diretamente envolvidos com a formação de membranas, proporcionando características essenciais para a divisão celular e tráfego de membrana intracelular (VAN MEER; VOELKER; FEIGENSON, 2008), eventos importantes para embriogênese somática.

Profumo, Gastaldo e Rascio (1987) e Pinto et al. (2010), por outro lado, salientam a possibilidade da influência da sacarose presente no meio de cultura na produção de amido em sistemas in vitro. A sacarose pode ser absorvida via sistema simplástico e, então, consumida e/ou armazenada em vacúolos ou convertida em amido (ILIÉ-GRUBOR; ATTREE; FOWKE, 1998).

Quanto às reservas proteicas, a partir dos 14 dias em meio de indução observou- se um declínio no seu conteúdo (Figura 9D) que era inicialmente alto nos explantes imediatamente antes da inoculação (Figuras 2 e 3) e em algumas células embriogênicas observadas aos sete dias de cultivo, localizadas, principalmente, na região proximal dos embriões zigóticos (Figura 5K-M). Esse composto de reserva praticamente se esgota aos 30 dias de cultivo (Figura 11N), limitando-se a resquícios dentro de largos vacúolos, o que confirma sua degradação como fonte de energia para a formação dos embriões somáticos, sobretudo, daqueles embriões somáticos localizados mais próximos da região proximal (região mediana), local de maior concentração de proteínas nos estágios iniciais do cultivo. Inclusive, os embriões somáticos localizados preferencialmente mais próximos da região proximal (região mediana) foram os primeiros a apresentarem total independência do tecido materno, com protoderme totalmente fechada (Figura 11B, C).

O declínio das reservas proteicas observado nesse trabalho, assemelha-se ao relatado em outros sistemas embriogênicos (BARCIELA; VIEITEZ, 1993; ROCHA et

al., 2012; ROCHA et al., 2016; SILVA et al., 2015) e coincide com o padrão de

consumo proteico verificado durante o processo de germinação de diferentes espécies vegetais (ZIENKIEWICZ et al., 2011; OLIVEIRA et al., 2013).

145 Durante a germinação, o material armazenado dentro dos corpos proteicos é degradado por autólise, o que resulta em pequenos vacúolos que posteriormente se fundem e geram um vacúolo central (PERNOLLET, 1978). Rocha et al. (2012) sugerem que a degradação de corpos proteicos durante o processo de embriogênese somática em

P. cincinnata está relacionada à ação de endo e exopeptidases. Segundo Müntz et al.

(2001), proteínas e proteases são transportadas para o mesmo vacúolo de armazenamento de proteína, porém as proteases permanecem inativas em função da presença de fatores de inibição durante o desenvolvimento da semente. Posteriormente, essas proteases são ativadas, levando à degradação das proteínas dentro dos vacúolos.

De modo geral, não foram observados compostos de reservas nos embriões somáticos obtidos, exceto pela presença de alguns grãos de amido em uma das extremidades de embriões somáticos observados aos 60 dias (Figuras 12G, 13B, C), similar ao relatado por Berthouly e Michaux-Ferriere (1996) em Coffea canephora. A ausência de reservas em quantidades conspícuas nos embriões somáticos globulares está em concordância com Brisibe et al. (1993), o que seria, conforme esses autores, uma consequência do intenso metabolismo precedente à maturação dos embriões somáticos. Salienta-se, nesse contexto, que as análises por MET de embriões somáticos observados aos 60 dias evidenciaram intensa atividade metabólica (abundância de diferentes organelas) (Figura 13C-F), o que corrobora com Brisibe et al. (1993). Segundo Müntz (1987), a síntese e acúmulo de reservas como proteínas em tecidos de embriões zigóticos ocorre somente após as divisões mitóticas cessarem.