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Caracterização iconográfica e estudo comparativo

3. Bandeira processional da Igreja Matriz de Pinheiro

3.4. Caracterização iconográfica e estudo comparativo

A pintura São Miguel Arcanjo representa o Santo, de pé e numa postura vitoriosa, na sua iconografia mais completa. São Miguel é venerado desde o início da história cristã como sendo o capitão das hostes celestes, protetor da comunidade cristã e, em particular, dos soldados (Attwater, 1985).

Para além de chefe da milícia celeste e combatente da fé, o Arcanjo ocupa também um dos papéis principais no julgamento das almas, intercedendo por elas no purgatório para a sua salvação. Deste modo, pesa as almas na sua balança que poderá pender para o lado do bem ou do mal.

Neste caso específico, e como é também comum nas representações do Arcanjo São Miguel, as duas bases iconográficas sobrepõem-se. Rico ao nível iconográfico, estão simultaneamente presentes os atributos de guerreiro, sendo este retratado com os seus trajes militares e atributos bélicos, bem como com os elementos caracterizadores do condutor dos mortos e pesador de almas através da sua balança. As duas facetas aparecem interligadas como forma de consciencialização dos crentes: em parte, para promover a mudança de atitude perante a morte e o Juízo Final e, por outro lado, como testemunho da importância da proteção militar, ideais que tiveram impacto na população durante a Idade Média (Centro Nacional de Cultura, [s.d.]; Réau, 1996).

Da sua faceta de protetor e guerreiro, São Miguel ostenta uma armadura em tons azuis com sandálias da mesma cor, para além de um elmo e um manto vermelho, vestes já comuns noutras representações. Na sua mão esquerda observa-se uma lança, arma que remete para um dos episódios mais conhecidos de São Miguel, em que ele vence o dragão15. Na sua mão

direita segura uma balança, com a qual pesa as almas, tornando-se umas das personagens principais no Juízo Final. Aos seus pés são visíveis, em expressões de súplica/dor, as almas que se encontram no purgatório à espera da sua salvação (Réau, 1996).

Na Figura 12 podem-se observar assinalados e destacados os atributos anteriormente referidos relativos ao Arcanjo São Miguel. A amarelo encontra-se a lança, a vermelho o elmo e a armadura e, por fim, as sandálias a verde. Estão apresentados também os pormenores da balança na sua mão direita e de algumas das almas no purgatório16.

Figura 12 - Atributos de São Miguel assinalados na pintura de São Miguel Arcanjo

16 As imagens em destaque apenas se puderam observar após a limpeza.

Figura 13 - Painel central do retábulo de São Miguel – Battle of

St Michael with the Devil. Gerard

David, c. 1510. Kunsthistorisches Museum, Viena [Web Gallery of Art]

Figura 14 - San Miguel

Arcángel. Juan de Valdés Leal,

1656. Museo del Prado [Museo del Prado]

Figura 15 - St. Michael the

Archangel conquering Satan, weighing souls in a scale. Maestro

Comparativamente com outras obras (Figura 13 a Figura 15), a composição revela-se mais simples, indo ao encontro da teoria anterior de se tratar de um pintor regional. No entanto, os atributos assinalados são comuns uma vez que todas representam São Miguel Arcanjo. Destaca-se a representação da lança com uma haste em cruz nas obras de Gerard David e do Maestro de Borbotó, segurada pelo Arcanjo na sua mão direita17. Apesar de o manto vermelho ser comum em todas as representações, apenas Juan de Valdés Leal traja São Miguel da armadura militar com o elmo e as sandálias tal como Arcanjo em estudo. Por fim, apenas na Figura 15 se vislumbra a balança, levada por São Miguel na sua mão esquerda, assemelhando-se à pintura pertencente à bandeira processional, aliando os dois episódios mais aclamados do mesmo pela representação dos atributos distintos: a arma e a balança. A pintura de Nossa Senhora do Rosário retrata a Virgem igualmente de pé, com o Menino ao colo, segurando-o com o seu braço esquerdo. Veste uma túnica vermelha com um manto azul, símbolos da sua ligação ao divino e ao amor de Deus.

Na composição da Figura 16, assinalados a amarelo, são visíveis dois rosários, um que pende da mão esquerda do Menino e o outro da mão direita da Virgem. Rodeando as figuras centrais, podem encontrar-se também, assinalados a azul, rostos de querubins alados, reforçando a ligação com o divino e a atmosfera celestial onde se encontram.

Figura 16 - Atributos de Nossa Senhora do Rosário e pormenores na sua composição

Trata-se de uma Nossa Senhora do Rosário e não de uma Nossa Senhora com o Menino, como originalmente veio nomeada, precisamente pela presença do rosário, atributo que

17 Talvez se esteja perante um desvio iconográfico, uma vez que na generalidade das representações de São

remete para o episódio em que a Virgem entrega um rosário a São Domingos. Pela fé depositada no rosário, ao qual ele designou como coroa de rosas de Nossa Senhora, São Domingos afastou-se da heresia. Em suma, o rosário revela-se num instrumento para contar: não dinheiro, mas sim as preces efetuadas18 (Réau, 1996).

Comparativamente com outras obras (Figura 17 aFigura 19) e, tal como no caso anterior, a qualidade é manifestamente inferior, visível essencialmente nos panejamentos e na perda de preciosismo e detalhe, porém o enquadramento é semelhante. A Virgem assume a figura central em todas as representações, trajando as mesmas vestes. O rosário, tal como a temática indica, encontra-se representado em todas as pinturas aqui apresentadas, constituindo-se nos elementos e atributos comuns em ambas.

Na Figura 18 estão também representados santos e frades dominicanos19, para além dos

querubins, entidades celestes também presentes na Figura 17 e na pintura da Nossa Senhora

do Rosário em estudo.

Relativamente à estética, a pintura em estudo assemelha-se mais à obra de Simone Cantarini, afastando-se da atmosfera tenebrosa das restantes, típica do barroco de influência espanhola, e aproximando-se da estética italiana, como é o caso da pintura Madonna del Rosario.

18 Um rosário é constituído por contas de dimensões diferentes, sendo que as maiores correspondem à oração

do Pai Nosso que inicia cada dezena e, as mais pequenas, dizem respeito à oração da Avé Maria, aglomeradas de dez em dez (Réau, 1996).

19 Alusivo ao episódio da atribuição do rosário a São Domingos. Os frades dominicanos são aqui identificados

pelo seu hábito, constituído por túnica, escapulário e capuz brancos, sendo, por vezes, acoplado com capa negra para saídas que cobria quase todo o hábito (Fernandes, 2014).

Figura 17 - Madonna del Rosario. Simone Cantarini, século XVII. Pinacoteca Tosio Martinengo, Bréscia [Regione Marche]

Figura 18 - Nossa Senhora do

Rosário rodeada de santos e anjos. Escola portuguesa, século

XVIII [Cabral Moncada Leilões]

Figura 19 - La Virgen del

Rosario. Bartolomé Esteban

Murillo, 1650-1655. Museo Nacional del Prado, Madrid [Museo Nacional del Prado]