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Preenchimentos e nivelamentos ao nível da camada de preparação

4. Intervenção de conservação e restauro

4.1. Proposta de tratamento

4.2.1. Desmontagem

4.2.2.9. Preenchimentos e nivelamentos ao nível da camada de preparação

Finda a limpeza da camada pictórica, foi efetuado o preenchimento das lacunas da camada de preparação.

A realização deste procedimento, com posterior reintegração cromática, visa a recuperação da unidade visual da pintura e, consequentemente, possibilita uma melhor compreensão da sua forma e motivos retratados. Para além de motivos estéticos, este tratamento confere uma maior resistência às obras, não só pela proteção que concede às áreas circundantes às lacunas – que sofreriam de um risco acrescido de destacamento causado pelo manuseamento das telas – como também a sua presença impede a acumulação de poeiras. As zonas de lacunas são locais propícios à acumulação de matéria orgânica que serve de alimento a microrganismos, evitando assim também o seu desenvolvimento e proliferação (Ortiz, 2012).

A escolha da pasta de preenchimento teve em conta uma série de pressupostos para evitar riscos desnecessários para as pinturas, nomeadamente, um bom manuseamento, aplicação fácil com boa adesão ao suporte, uma secagem controlada e reversibilidade, bem como estabilidade química e compatibilidade com os materiais constituintes da obra (Calvo, 2002;

61 Álcool, solvente do grupo II de acordo com o seu poder de penetração e retenção. O etanol permite uma

rápida evaporação para que a mistura de solventes não penetre nem atue durante um prolongado período de tempo.

62 Agente tensioativo, cuja função é a quebra da tensão superficial, aumentando a superfície de contacto.

Figura 108 - Aspiração da sujidade resultante da limpeza com recurso a bisturi

Figura 109 - Remoção das partículas resultantes do processo de limpeza, com recurso a solventes

Ortiz, 2012). Tendo em conta estes pressupostos, foi escolhido o modostuc63 ivory, cuja tonalidade confere uma base para posterior reintegração.

O modostuc foi aplicado com uma espátula (Figura 110), apenas nas áreas de lacuna, para garantir a sua máxima reversibilidade e não danificar a camada pictórica original.

Figura 110 - Preenchimento das lacunas ao nível da camada de preparação

O nivelamento das áreas preenchidas foi realizado com elevado rigor uma vez que qualquer imperfeição no preenchimento influencia negativamente a reintegração. As irregularidades na superfície são enaltecidas pela incidência da luz, levando a que a lacuna se destaque negativamente em relação à superfície pictórica, ainda que a cor seja a certa (Ortiz, 2012). Deste modo, para o nivelamento da pasta de preenchimento e remoção dos seus excedentes das periferias das lacunas foi utilizado um cotonete embebido em etanol64 (Figura 111).

Apesar de assim o processo se revelar mais falível, o controlo do procedimento é maior e não se expôs as obras a riscos desnecessários pela utilização de papéis abrasivos. Por outro lado, a camada de modostuc possuía uma espessura muito reduzida, com acabamento o mais próximo à superfície pictórica possível, sendo necessário pouco trabalho de nivelamento com o cotonete.

Em lacunas cujo preenchimento se revelou insuficiente após o nivelamento, foi adicionada mais pasta de preenchimento, repetindo-se todo o processo aqui descrito.

Por fim, por toda a superfície das pinturas, passou-se um pano de microfibras, com o intuito de remover as partículas depositadas resultantes do nivelamento da pasta de preenchimento (Figura 112).

63 Pasta de preenchimento sintética, comercialmente preparada, composta por polivinil de acetato como ligante

e gesso hidratado como carga (Jordà, 2014).

64 O modostuc pode ser removido com água, etanol ou acetona. Neste caso, foi escolhido o etanol pela sua

rápida evaporação e porque, após experimentação, este solvente reduzia o efeito pasmado resultante da difusão da pasta de preenchimento aquando da passagem do mesmo.

Figura 111 - Nivelamento dos preenchimentos Figura 112 - Passagem do pano de microfibras para remoção de depósitos do nivelamento

4.2.2.10. Engradamento

Uma grade tem como função assegurar uma tela e mantê-la em constante tensão, sendo este constituinte uma parte importante para a prevenção de possíveis danos estruturais no suporte de pinturas. Esta estrutura que acompanhava a bandeira processional até ao momento da intervenção já não cumpria essa função. As telas apresentavam enfolamentos que originaram rasgões de grande extensão causados pela falta de tensionamento. A sua reutilização levaria aos mesmos danos, ou até a mais acentuados. Por essa razão, as pinturas necessitavam de uma nova grade. A falta de condições da solução inicial, composta por um suporte rígido que não permitia os movimentos naturais da tela, bem como a obrigação da perfuração do suporte pictórico para a sua fixação, sustentaram a decisão de execução de uma nova estrutura (Nicolaus, 1999).

A grade foi executada de acordo com as dimensões das telas, possuindo 92 x 98 cm. A especificidade da peça revelou-se um desafio nesta intervenção, uma vez que ambas as telas necessitavam de utilizar a mesma grade para manter a leitura do conjunto e preservar a sua unidade, sem interferir demasiado ao nível estrutural. Assim sendo, a sua espessura é de 1,6 cm pois teve de ser a menor possível para ser incorporada novamente na moldura, mas a suficiente para conferir uma estrutura estável, capaz de assegurar a sustentabilidade das pinturas.

No seu interior, em cruz, encontram-se duas travessas com o objetivo de reforçar a estrutura, manter a esquadria e distribuir as tensões das obras (Figura 113). A sua espessura é inferior às traves da grade para evitar o seu contacto com as telas e, consequentemente, evitar possíveis vincos.

Para minimizar danos nas telas, a grade teria de ser rebaixada na espessura interna das traves e possuir as arestas internas boleadas de ambos os lados para evitar que as estas vincassem as pinturas com o passar do tempo (Calvo, 2002).

Uma vez que é um pedido incomum, a grade veio chanfrada e biselada apenas de um dos lados, visível na Figura 113, sendo necessário biselar as arestas internas das traves e a redução da espessura nessa mesma área no verso da grade. Este procedimento foi realizado com papéis abrasivos grosseiros (Figura 114).

Posto isto, procedeu-se à fase de engradamento. A primeira pintura a engradar foi a que representava São Miguel Arcanjo pois era a que possuía maiores problemas estruturais. Sendo a primeira a ser colocada, possibilitava um melhor tensionamento da mesma pois permitia bater as palmetas – o que se tornaria impossível após a inserção da segunda tela. Para a realização deste procedimento, colocou-se a tela centrada na grade, tensionando o melhor possível e segurando com firmeza para que esta não se deslocasse do enquadramento definido. Para fixar a tela, colocou-se um agrafo centrado em cada uma das laterais, na área das bandas de tensão (Figura 115). Os agrafos utilizados eram de aço inoxidável (Figura 116).

Figura 113 - Grade mandada executar, onde são visíveis as arestas biseladas

Figura 114 - Realização do arredondamento das arestas vivas da grade

Figura 115 - Colocação dos agrafos para fixação e tensionamento da tela de São Miguel Arcanjo

Figura 116 - Pormenor dos agrafos inoxidáveis colocados durante o processo de engradamento

A fim de distribuir as tensões de forma mais regular, optou-se por um sistema de engradamento em cruz, isto é, tensionar e agrafar a tela de maneira progressiva, a partir de metade de um dos lados, passando, de seguida, para a lateral oposta e perpendicular a este (Ortiz, 2012)65. Durante o processo, era importante manter sempre a mesma força ao tencionar a tela para evitar tensões desnecessárias.

Terminado o tensionamento e fixação da tela, voltou-se o verso da grade para cima, estando a pintura com a superfície pictórica para baixo, sobre uma folha de papel de seda para a sua proteção. Assim, inseriram-se as palmetas nas ranhuras (Figura 117), batendo-se com um martelo66 (Figura 118) para a grade estender e finalizar o tensionamento da tela, criando o efeito pele de tambor.

Por fim, removeram-se os excessos de tecido das bandas adicionadas para o tensionamento para que estas não perturbassem o engradamento da segunda tela (Figura 119).

65 Consultar Anexo 13 – Esquema de engradamento, página 158.

66 Importa referir que sobre o verso da tela, entre a tela e a grade, colocou-se um cartão, servindo este de

proteção do suporte em relação ao martelo.

Figura 117 - Pormenor da palmeta na grade Figura 118 - Extensão da grade com recurso à inserção das palmetas

Figura 119 - Corte dos excessos de tecido das bandas

Com a grade nesta posição, repetiu-se o processo aqui descrito para o engradamento da tela da Nossa Senhora do Rosário, tendo especial cuidado ao centrar a tela e ao tensionar progressivamente pois não se tinha acesso às palmetas. Aquando da colocação dos agrafos, tomou-se novamente um cuidado redobrado para que estes não ficassem sobre os colocados no primeiro engradamento e, assim, ficarem corretamente colocados. As figuras seguintes expõem as respetivas telas já engradadas.