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INVESTIGAÇÃO E TRATAMENTOS DE DADOS

6. Caracterização sociográfica dos doentes entrevistados

A seleção dos participantes para a realização da entrevista em profundidade foi definida intencionalmente de forma a ser representativa da população em estudo. Do ponto de vista sociográfico, a seleção da amostra, procurou diversificar as características das pessoas entrevistadas em função do sexo, da idade, dos níveis de escolaridade, estado civil, condição perante o trabalho e tipo de agregado familiar. As condições diferenciadas em termos de situação de doença e tempo de doença foram também acauteladas.

Entrevistamos um total de 30 utentes da consulta específica de HTA (Quadro 4), que acederam responder à entrevista em profundidade. Os participantes no estudo são sete mulheres e 23 homens com idades compreendidas entre os 41 anos (um homem) e os 82 (uma mulher). A maioria dos entrevistados tem entre 60-69 anos (16 pessoas), sete pessoas têm menos de 59 anos e sete pessoas têm mais de 70 anos.

QUADRO 4

Distribuição por sexo e grupo etário

Grupos etários Homens Mulheres Total

41 – 49 3 1 4 50 – 59 3 0 3 60 – 69 12 4 16 70 – 79 5 1 6 80 - 82 0 1 1 Total 23 7 30

Foi mais difícil conseguir a presença das mulheres nas entrevistas, sobretudo na faixa etária dos 50 aos 60 anos, mostrando-se estas bastante indisponíveis alegando trabalho doméstico e a necessidade de tomarem conta de netos ou prestarem assistência a outros familiares.

QUADRO 5

Distribuição por nível de habilitações

Escolaridade concluída Total

1º Ciclo EB 17

3º Ciclo EB 4

Ensino Secundário/Curso Profissional 6

Ensino Superior 3

Total 30

Em termos de habilitações académicas (Quadro 5), mais de metade dos entrevistados tem apenas o 1º ciclo do Ensino Básico. De entre estes, algumas pessoas revelam enormes dificuldades em termos de leitura e escrita, o que foi notório quando entregamos a folha informativa e consentimento informando, limitando-se estas pessoas a ser capazes de escrever o seu nome. Todos os que referiram ter realizado o 3º ciclo do Ensino Básico, fizeram-no já em adultos no programa Novas Oportunidades.45 Três entrevistados têm curso superior.

Relativamente à condição perante o trabalho (Quadro 6), apenas seis dos inquiridos estão em situação de emprego. Entre estes, as áreas profissionais são a construção civil, o pequeno comércio e serviços. Duas pessoas, um homem e uma mulher com idades entre os 41 e 50 anos, encontravam-se desempregadas por extinção dos seus postos de trabalho, em ambos os casos ligados a indústrias locais. A maioria dos entrevistados encontra-se em situação de reforma, que foi requerida em grande parte das situações, por acumulação de anos de serviço ou por razões de saúde.

Nenhuma das mulheres entrevistadas estava empregada e todas foram ou são cuidadoras informais de familiares doentes, pais, sogros, irmãs e filhos (duas mulheres têm filhos com doença mental grave). Para além disso, estas mulheres estão, em muitos casos, dedicadas a tratar dos netos e têm um trabalho de suporte na vida

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Programa Novas Oportunidades - Despacho nº 3447/2010 de 24 de Fevereiro. Vem fazer a certificação dos cursos de educação e formação de adultos criados em 2000.

familiar dos filhos muito importante, preparando refeições e ocupando-se das lides domésticas.

QUADRO 6

Distribuição pela condição perante o trabalho

Condição Total

Empregado/a 6

Desempregado/a 2

Pensionista por Invalidez 6

Reformado 16

Total 30

Relativamente ao estado civil e tipo de agregado familiar (Quadro 7), a quase totalidade dos entrevistados é casada, uma senhora é divorciada, há duas viúvas e um viúvo.

QUADRO 7

Distribuição por estado civil

Estado civil Total

Separado/a ou divorciado/a 1

Casado/a ou em união de facto 26

Viúvo/a 3

Total 30

A maioria destas pessoas reside com o cônjuge e com o cônjuge e filhos. Sendo poucas as situações de presença de filhos menores (apenas em três famílias), em vários casos temos a presença de filhos adultos, casados ou divorciados e por isso acrescenta-se a estes agregados a presença de netos pequenos. Apenas uma senhora reside sozinha (Quadro 8).

QUADRO 8

Distribuição por tipo de agregado familiar

Corresidência Total

Sozinho (casa própria) 1

Com cônjuge 12

Com cônjuge e filhos 14

Com filhos (casa dos filhos) 1

Com filhos (casa própria) 2

Total 30

No que diz respeito ao tempo como doente hipertenso e às várias situações na situação de doença, encontramos realidades diversas, tal como sucede no universo dos utentes da consulta HTA. O facto de a HTA ser uma doença crónica, das experiências dos hipertensos poderem ser distintas consoante acumulem outras patologias e tenham uma situação de HTA mais complicada, por acréscimo de morbilidades e o facto de a experiência de AVC ser relativamente comum entre estes doentes, foram razões que consideras importantes aquando da seleção dos entrevistados.

Na aplicação destes critérios o apoio dos clínicos foi fundamental. Pediu-se aos médicos de família que selecionassem proporcionalmente de entre os seus doentes, cumprindo com os critérios gerais relativos ao tempo de doença e condição para a entrevista, uma amostra por critério de temporalidade e situação de doença.

Quanto à situação na doença (Quadro 9), nada foi perguntado expressamente na entrevista a este respeito, sabendo a investigadora da situação do inquirido por indicação do médico expressa apenas em termos de “doente hipertenso sem complicações”; “doente hipertenso com complicações”. Para ao que a este trabalho respeita, por “doente hipertenso sem complicações” entendem-se as situações em que a pessoa hipertensa não possui outras patologias que possam interferir de forma direta com a pressão arterial. Por “doentes hipertensos com complicações” entendem- se aqueles que para além de serem hipertensos, têm outras patologias associadas, sejam do foro cardiovascular ou não, e que interferem com a sua condição clínica

tornando-a mais complexa. Encontramos muitas situações de múltiplas patologias, entre as quais salienta-se a diabetes e sequelas de acidentes vasculares.

As situações clínicas, experiências pessoais, as repercussões sentidas no seu corpo e na sua vida devidas à hipertensão, não são portanto homogéneas. A condição de utente de consulta de HTA, e consequente catalogação como “doente de risco cardiovascular” não anula as especificidades das diferentes condições dos hipertensos, podendo este facto ser ou não muito importante nas representações e vivências que se tem de HTA. Este é um dado sentido pelos próprios clínicos no seu contato com os doentes, sendo que, na opinião destes médicos, os hipertensos que já tiveram ocorrência de AVC têm uma apreensão das mensagens preventivas mais assertiva. Ter ou não ter a experiência de AVC pode ser uma condição de diferenciação importante para a forma como se pensa a doença e ao nível de todas as experiências e mesmo da própria história de vida. Teríamos então que assegurar esta diferenciação desde logo na amostra.

Obtivemos uma amostra equilibrada no que respeita à situação na doença, embora com um número acrescido de doentes hipertensos com complicações (17 doentes), relativamente aos que não as têm (13 doentes).

QUADRO 9

Distribuição por situação na doença

Ocorrência Total

HTA sem complicações 13

HTA com complicações 17

Total 30

Quanto à temporalidade com que se lida com a doença (Quadro 10), utilizou-se na caracterização o tempo com HTA mencionado pelo doente. A maioria das pessoas revelou muita dificuldade em indicar quando foi o momento em que tiveram conhecimento de que eram hipertensos, ou seja, em que lhes foi revelado um diagnóstico médico de HTA. Mas há quem refira um número exato de anos, ou mesmo a data completa deste “descobrir” da HTA. Esses casos coincidem com a situação de

ocorrência de AVC. O momento do AVC e o tomar consciência da HTA tornam-se assim simultâneos.

QUADRO 10

Distribuição por tempo de doença

Ocorrência Total 1 - 2 anos 1 3 - 5 anos 7 6 - 9 anos 5 10 - 14 anos 6 ≥ 15 anos 11 Total 30

Apenas oito dos entrevistados revelam ser hipertensos há menos de cinco anos. Muitas pessoas têm HTA há mais de 10 anos, o que torna previsível uma grande familiaridade com a doença e medicação.

Caracterização da amostra da entrevista pós consulta HTA

A amostragem para as entrevistas pós-consulta apenas obedeceu ao critério da oportunidade. Dirigíamo-nos a quem tivesse terminado de realizar consulta específica de HTA, informávamos das nossas intenções e do teor e objetivos do estudo, entregando também a informação escrita e, uma vez sendo dado o consentimento e mostrando a pessoa possuir as competências básicas em termos de capacidades de verbalização e entendimento, realizava-se a entrevista.

Recolhemos 11 entrevistas. Neste grupo de entrevistados obtivemos um número muito idêntico de homens (cinco) e mulheres (seis). A faixa etária mais representada é a mesma do grupo anterior: cinco dos entrevistados têm entre 60 e 69 anos, a pessoa mais jovem tinha 39 anos e a mais idosa 77 anos. Só três doentes têm menos de 60 anos. Todos os entrevistados são casados e/ou em união de facto. Sete dos entrevistados são pessoas reformadas. Sendo todos casados e/ou em união de facto, todos residem em casa própria com os respetivos cônjuges. Em seis casos só o

casal constitui o agregado familiar verificando-se também aqui, tal como nas restantes entrevistas, uma presença grande da família alargada com os filhos e netos a residirem com os pais. A maioria dos entrevistados apresenta como habilitações académicas o 1º ciclo do Ensino Básico. Dois doentes mencionaram ter tido um AVC.

CAPÍTULO III

“SE EU FOSSE DOENTE…”: AS NARRATIVAS DAS PESSOAS COM

HIPERTENSÃO

1.

As histórias

No momento inicial do encontro com os entrevistados, foi-lhes solicitado que revelassem a sua história no que concerne à hipertensão. Fez-se um apelo à memória das pessoas para que reconstruissem a sua trajetória como hipertensos, desde que tiveram conhecimento da doença até ao momento presente como utentes da consulta especifica de HTA, dizendo os mecanismos que foram ativados, relatando os seus percursos como doentes hipertensos, ou seja, a sua trajetória de doença. O conceito sociológico de trajetória de doença refere-se não apenas ao curso da doença mas também a todo o trabalho com ela relacionado, envolvendo as relações com os sistemas médicos, a gestão da doença e a fé/confiança da pessoa. O conceito trajetória da doença coloca o foco de análise no contexto social e relacional dos sujeitos (Corbin & Strauss, 1986).

Pretendeu-se que as pessoas revivessem o momento em que a hipertensão lhes foi diagnosticada, que contassem como e quando tiveram conhecimento deste problema de saúde, o que foi feito e sentido. Este momento acarreta em si uma leitura, uma reformulação, por parte do entrevistado, em que, de modo reflexivo, é convidado a interpretar o vivido. À medida que o vão fazendo, e falando sobre o passado, as pessoas vão refletindo sobre a sua vida, hábitos, desgostos, manifestando

sentimentos vividos e revividos, e vão estabelecendo pontes entre o sucedido na vida e no corpo. A doença é lida como um ponto entre pontes, entre momentos, um antes e um depois. As pessoas contam uma história.

As crenças e as explicações ou interpretações sobre os significados da doença são revelados por estas histórias. Nelas há uma reparação das ruturas feitas entre corpo, identidade, self e o mundo, ligando e interpretando a doença nos diferentes momentos biográficos, religando presente e passado.

1.1. Do “mal-estar” à revelação médica da doença

O momento em que a tensão arterial se manifesta como “mal” não é claro para muitos. É difícil dizer quando começou a doença, há sinais. Para outros surge como uma revelação que ocorre num quadro de outra situação que envolveu avaliação médica. A doença “é dada” numa revelação médica, umas vezes de modo surpreendente, outras vezes confirmando ou atribuindo significado a um mal já percecionado, ainda que de forma difícil e indizível. A doença vai-se instalando como um mal indefinido. Apesar de a HTA ser uma situação crónica, as pessoas colocam a doença no passado. Algo que lhes aconteceu, que fez parte de um momento anterior, nalguns casos um momento muito marcante nas suas vidas, noutros casos sem relevo.

A maior parte dos inquiridos refere ter HTA há mais de 15 anos (cf. Quadro 10). Grande número de doentes diz não se recordar de quando tomou conhecimento de que era hipertenso. Contudo outros, pelo contrário, lembram com pormenor o momento em que lhes foi revelado por um médico ter HTA. Para alguns, havia a sensação de que alguma coisa não estava bem. Noutros casos, o diagnóstico de hipertensão constitui uma verdadeira surpresa.

Independentemente das histórias que os doentes têm sobre a sua doença e vida, em todas as narrativas, reviver ou pensar a doença é reviver experiências com médicos e ambientes hospitalares. Os sintomas são ténues e agora os doentes referem-se a eles mas para alguns a relutância de ir ao médico manteve-se até manifestações mais intensas.

Portanto aí há mais de 10 anos ou até há mais … que eu comecei a sentir isso na minha cabeça. Não era dor! Era aquela pressão, aquela impressão. Aquela coisa de ter a sensação que a cabeça tinha de alargar para lá caber lá tudo dentro e ela (a médica) mandou-me fazer um exame que não sei o nome, não me recordo. (Ana Isabel, 67 anos, 1º Ciclo)

Na altura tive uns sintomazitos quaisquer e achei por bem, porque eu, eu era pouco amigo de ir ao médico. Notava-me muito agitado. Muito agitado e achava que não andava bem. Não andava bem de saúde e desloquei-me aqui ao médico … E ele então nessa altura é que mandou fazer análises, mandou fazer eletrocardiogramas, mandou fazer várias coisas que ele achou por bem. (…) Pronto e depois acabou por tirar as, as conclusões dele que de facto havia, havia a hipertensão, havia a parte da, da diabetes também já a querer desenvolver-se e onde ele, pronto, me medicou e disse que era melhor começar a fazer uma prevenção. (João Carlos, 52 anos, 3º Ciclo)

Sinceramente não, não me recordo… A data ao certo não sei, porque eu sempre fui muito alérgica a médicos. Eu sempre tive uma grande alergia …. (Albertina, 48 anos, 1º Ciclo)

A HTA parece não ser uma “doença” que os entrevistados antevissem e que os levasse a procurar ajuda médica. Compreender o seu comportamento perante este “algo não está bem”, quando ainda que apenas isso tenha sido sentido, é começar a questionar o comportamento dos doentes.

Alguns estudos sobre o porquê da ida à consulta mostram que as pessoas procurarem ou não o médico não depende apenas da presença da doença mas da forma como a pessoa, e os outros, pensam e respondem aos sintomas. Mechanic listou 38 variáveis reconhecidas por influenciarem a ida à consulta (como referido em Scambler, 1993, p. 33). Das razões ou motivos apontados para que as pessoas procurem um médico destaca-se a visibilidade, reconhecimento ou saliência percetível de sinais e sintomas; o grau com que os sintomas são tomados como sérios, isto é, se a pessoas os considera no presente ou no futuro como perigosos ou com probabilidade de perigo; o grau com que os sintomas são disruptivos em termos de família, trabalho e outras atividades sociais; a frequência com que os sinais e sintomas aparecem,

persistem ou são recorrentes; a tolerância possuída por quem os sentem e os avalia; a informação disponível, conhecimento e conotações culturais e compreensão do avaliador; capacidade para a não negação dos sintomas; necessidades que competem com as respostas a dar à doença; interpretações que competem na interpretação dos sintomas, uma vez reconhecidos; recursos de tratamento disponíveis, proximidade física, custos psicológicos e monetários de tomada de ação (não apenas distancias físicas e custos de tempo, dinheiro e esforço, mas também custos de estigma, distanciamento social e sentimentos de humilhação).

Esta lista não só não é exaustiva como as variáveis interagem. Podemos encontrá-las nas circunstâncias que levaram os entrevistados a “descobrir” que tinham hipertensão ou mesmo aquando da ocorrência de um AVC. O pouco reconhecimento e saliência dos sintomas, o facto de os mesmos não serem impeditivos da execução das rotinas quotidianas e por não serem entendidos como perigosos, pode explicar porque é que, em muitas situações a descoberta da HTA ocorre como um acaso, ou algo que advém de outra situação, que envolveu exames, hospitalização, ou mesmo como um facto que se conhece após um AVC.

O contexto é este: isto há cerca de dez anos. Não é há cerca, é mesmo, fez em Novembro dez anos que eu fui operado ao coração e então aí, aí soube que era hipertenso. Porque, porque tive um enfarte (…), tive um enfarte e enjoos, mau estar, todos os sintomas (...) andava mal. Eu sentia-me mal, sentia-me muito mal disposto, dores nos braços. Pronto, eu vou à consulta, tenho consultas de cardiologia, tenho consultas aqui no centro e medem-me sempre a tensão. (…) E é esta a minha história da hipertensão, quer dizer eu nunca, nunca tive ideia que era hipertenso, porque não tive sintoma nenhum que relacionasse com a hipertensão. (…) Fiquei internado e daí já foi dois bypasses e saí de lá já operado. Esta é a minha história da hipertensão. Porquê? Pronto, a partir daí fui considerado um hipertenso, antes não e o que me admira é que antes não tenha sido, ANTES não me tenham tratado do colesterol, ANTES não me tenham feito algumas coisas que se calhar eram necessárias para evitar isto, mas pronto. (João Rodrigues, 66 anos, Ensino Superior)

A história da doença remeteu os entrevistados para histórias de passagem por instituições de saúde, nomeadamente o hospital e de experiências de sujeição a vários tipos de exames, que são recordados de forma muito viva.

Lá no hospital. Sei que entrei dentro de uma...de uma cabine, parecia uma cabine telefónica e soprei para dentro de uns tubos. Sentei-me num banquinho e à minha frente tinha uns tubos e eu fui soprando para esses tubos e... depois ela (a médica) disse-me: "oh Dona Ana, pronto já se descobriu..." e eu até disse assim "ah descobriu o problema da doença? (…) E ela disse-me "não, não! Descobri que a senhora é hipertensa" e eu vou assim "ai senhora doutora nem me fale nisso" "mas é olhe pronto vai tomar estes comprimidos e vai ter cuidado e pronto isto (...) a senhora está a começar a ser hipertensa, a ter hipertensão". Eu disse: "ai senhora doutora porquê? Ah vou deixar o tabaco" disse eu assim na brincadeira "Vou deixar o tabaco" e ela vai assim "pois é, mas olhe tem que deixar mesmo" eu disse "olhe senhora doutora nem nunca lhe peguei". (Ana Isabel, 67 anos, 1º Ciclo)

Há situações de acidentes de viação, de trabalho, consultas de rotina ou outras situações que levam as pessoas aos médicos e aí dá-se a “descoberta” da hipertensão, da diabetes, da doença.

Eu comecei a suspeitar só disso para aí há uns quatro anos….mas nunca liguei muito. (…..) Foi uma vez que fiz uma, uns testes para pedir o uso, para pedir um estado médico para renovar o uso e porte de arma e foi aí que me foi detetado uma coisa leve na altura. Mas agora mais a sério foi quando foi para renovar a carta de pesados que foi o delegado de saúde que disse que estava muito alta. Aí é que comecei mesmo, pronto, é que tive que intervir mesmo. (….) Até aí nunca tinha tido problema de maior. Nunca me senti mal. (Carlos, 45 anos, 3º Ciclo)

Há uma admiração, uma surpresa com um diagnóstico médico que é revelado. Uma diferença entre o sentir, “sentir-se mal”, e a revelação, o designar a doença e o, por consequência, ser designado hipertenso. O facto de a hipertensão ser uma “doença silenciosa”, assintomática ou cujos sintomas podem ser discretos ou atribuídos a causas diversas, mostra ser um dado relevante para a pouca atenção prestada aos sinais, mesmo quando eles estão presentes.

Embora muitos dos sintomas que as pessoas sentem possam ser reconhecidos como indicadores de um processo de doença, isso por si só não significa que o diagnóstico e o tratamento sejam procurados. O que se vai fazer, quando e se alguma ação para resolver o problema vai ser tomada, pode depender de outros fatores desencadeadores.

A maioria das pessoas tolera os seus sintomas durante muito tempo antes de se dirigir ao médico, podendo ser a presença de outros fatores a impulsionar a decisão de ir a uma consulta médica. Zola (apud como referido em Scambler, 1993, p. 40) identificou cinco tipos de “desencadeadores” da decisão de recorrer ao médico: uma situação de crise pessoal (por exemplo, o falecimento de um familiar); a interferência percebida nas relações sociais e pessoais; o sancionamento ou pressão dos outros para ir ao médico; interferência percebida nas atividades profissionais e físicas; o estabelecimento de um prazo de observação da sintomatologia (se sentir isto até domingo na segunda feira vou ao médico). A decisão de procurar ajuda médica é muito formada nas circunstâncias pessoais e sociais dos sujeitos. Zola também observou que quando os médicos prestam pouca ou insuficiente atenção a este acontecimento específico que levou o individuo à consulta ou que o individuo usou como desculpa para pedir ajuda, existe uma grande possibilidade que o doente quebre o tratamento (Ibidem).

Tem sido também muito sublinhada a importância dos fatores culturais na forma como os sintomas são interpretados e na ação subsequente dos indivíduos. Tende-se a assumir que esta variação resulta de processos de socialização diferentes, e

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