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3. Resultados e discussão

3.4 Caraterização funcional das N-fenilbenzamidas

A AOX é um alvo almejado para o desenvolvimento de novos agentes antiparasitários e antifúngicos, com claro potencial de aplicação na saúde humana e na indústria alimentícia. Vários parasitas humanos possuem genes que codificam a AOX e em alguns deles a AOX é essencial para seu mecanismo de sobrevivência, tornando-os sensíveis aos inibidores desta enzima (YABU et al., 2003; ROBERTS et al., 2004; WILLIAMS et al. 2010). Similarmente a AOX é essencial para alguns fitopatógenos, conferindo-lhes resistência aos mecanismos de defesa naturais das plantas, assim como a alguns agroquímicos utilizados nas lavouras (THOMAZELLA et al. 2012; AFFOURTIT, 2000; XU et al. 2013; OLAYA et al. 1998). Portanto o desenvolvimento de uma nova classe de inibidores da AOX, ativos contra fitopatógenos é de extrema importância.

Para o desenvolvimento de um modelo de triagem e caracterização da biblioteca de derivados da N-fenilbenzamida foi selecionada a levedura Pichia pastoris. Esta levedura possui AOX funcional (ppAOD), que é capaz de manter seu consumo de O2 e crescimento na presença de azoxistrobina (AZO), inibidor da via principal de respiração. A absorção de oxigênio pelas células de P. pastoris pela é desviada da via sensível a cianeto (via principal) para a insensível a cianeto (AOX), após o tratamento com azoxistrobina (AZO). Em seguida os inibidores conhecidos da AOX, ácido salicilidroxâmico (SHAM) e o galato de n-propila, são administrados à cultura da levedura. Desta forma, através da concentração de inibidor requerida para a inibição da via alternativa, é possível realizar a avaliação da atividade biológica dos mesmos (Figura 18).

A levedura cresce na presença de azoxistrobina (AZO), entretanto em uma taxa reduzida de crescimento, a combinação de AZO e ácido salicilidroxâmico (SHAM) inibe totalmente o crescimento de P. pastoris, o tratamento somente com o SHAM não altera sua taxa de crescimento de forma considerável. A melhor medida da taxa de crescimento da

levedura foi obtida com a derivada das curvas de crescimento em meio de cultura líquido usando medidas quantitativas de crescimento.

Figura 18: (A) Contribuição relativa da respiração sensível e insensível a cianeto no consumo de oxigênio em P. pastoris após o tratamento com Azoxistrobina. As barras representam a taxa de consumo residual de oxigênio (Média ± desvio padrão; n=3). Antes da adição dos compostos indicados anteriormente (grupo não tratado) e depois (grupo AZO-tratado) de 4h do tratamento com 5mg/L de AZO. A respiração alternativa é induzida pela AZO. KCN: 2.5 mM. SHAM (ácido salicil hidroxâmico) e PG (galato de n-propila): inibidores da AOX em 5 mM e 1 mM respectivamente. (B) Ensaios de crescimento de P. pastoris em meio de cultura sólido. As células de P. pastoris foram pré-cultivadas, diluídas e transferidas para o meio YPG com a presença de 5 mg/L de AZO, 5 mM de SHAM ou ambos. A densidade de células são indicas acima. As placas de cultura foram observadas até o aparecimento de colônias visíveis e como é mostrado a respiração alternativa mantem o crescimento da levedura com AZO, entretanto em uma taxa menor. Somente a combinação de AZO e SHAM inibiu completamente o crescimento celular. (C) Experimentos de crescimento em meio de cultura liquido nas mesmas condições descritas em (B). A densidade de célula foi monitorada por espectrofotometria. (D) Taxas máximas de crescimento (µMax) determinada a partir de (C) (BARSOTTINI et al., 2018).

Para realização da triagem e caracterização da biblioteca de derivados da

N-fenilbenzamida foram planejados dois experimentos: a medida da taxa crescimento e a

medida da taxa de consumo de oxigênio. A medida da taxa de crescimento é realizada ao longo de três dias desde a administração do composto a ser caracterizado. A taxa de consumo de oxigênio é realizada logo após a administração do composto e tem duração média de três

minutos, neste experimento é utilizado um eletrodo do tipo Clark que mede a concentração de oxigênio em solução.

Os experimentos foram planejados de forma a identificar possíveis atividades tóxicas da biblioteca de compostos sintetizada. Primeiramente, estabeleceu-se como controle positivo as medidas de crescimento e consumo de oxigênio na presença, apenas, do derivado da

N-fenilbenzamida. Este procedimento tem como objetivo identificar atividade biológica

secundária, como inibição dos complexos enzimáticos da via principal e atividade citotóxica.

A P. pastoris foi utilizada como um filtro inicial e funcional para a biblioteca de N- fenilbenzamidas. Em geral, os compostos testados apresentam efeito mínimo sobre a respiração sensível a cianeto (cadeia principal), apresentando uma média de 8 ± 9% para os ensaios de consumo de oxigênio e 13 ± 18% para a taxa de crescimento. A respiração via AOX foi inibida com uma média de 48 ± 28% e o crescimento médio mantido pela PpAOD na presença dos compostos 7J foi de 70,02 ± 29% (Figura 19).

Houve uma diferença marcante na atividade biológica de alguns compostos da biblioteca de N-fenilbenzamidas, quando se compara os resultados de crescimento e respiração na presença do composto (controle positivo) e na ausência do mesmo (controle negativo). Esta aparente discrepância indica que esses compostos possuem 1) efeitos tóxicos/inespecíficos, identificados somente em ensaios de crescimento, podendo possuir outros alvos além da cadeia principal de respiração, ou 2) o ambiente celular influencia fortemente no efeito biológico dos compostos.

Devido a longa duração dos ensaios de crescimento é provável a influência de um possível metabolismo de xenobióticos, como biotransformação pelo citocromo P450 oxidase, ou que este composta seja transportado ativamente para o exterior da célula (efluxo de drogas).

Dos 117 compostos estudados, 90 inibiram a Oxidase Alternativa, entretanto 50 destes também interferiram na cadeia principal de respiração, ou nas condições de crescimento de controle positivo. Por outro lado 24 compostos mostraram-se inibidores específicos da via de respiração alternativa e reduziram o crescimento de P. pastoris somente quando combinadas com AZO. A 7J-41 foi a molécula mais potente e seletiva para PpAOD, enquanto que a 7J-78 não obteve efeito apreciável. Logo estas moléculas foram selecionadas para uma caracterização mais detalhada.

Figura 19: Caracterização funcional dos NPDs em P. pastoris. (A) Medida da taxa de consumo de oxigênio e (B) Medida da taxa de crescimento mantida pela respiração principal (azul, tratado com DMSO) e a respiração alternativa (tratada com AZO, laranja). Os símbolos são a média acompanhados dos seus respectivos desvios padrões (3 < n < 6) para a taxa residual de respiração (A) ou para a capacidade de crescimento de P. pastoris (B) após a adição de cada derivado de N-fenilbenzamidas (BARSOTTINI et al., 2018).

A molécula 7J-41foi caracterizada e comparada com o SHAM. Ambos os compostos possuem valores de IC50 similares para a respiração alternativa de P. Pastoris (208,9 µM e 261,8 µM, respectivamente). Entretanto a molécula 7J-41 possui maior capacidade de inibir o crescimento que o SHAM. A molécula 7J-41 apresentou valor de IC50 para crescimento de 40,7 µM enquanto que o SHAM apresentou IC50 de 367,6 µM (Figura 19b) em ensaios para

P. pastoris. Quando testado contra AOX recombinante do fungo fitopatogênico M. perniciosa

(rMpÁOX) eles apresentaram grande diferença na capacidade de inibição, o fungo é quase insensível ao SHAM, mesmo a uma concentração de 1 mM (Figura 20c).

Figura 20: Ensaios de dose vs resposta com SHAM e a 7J-41. (A) O consumo de oxigênio do conjunto de células de P. pastoris após a adição de SHAM ou da 7J-41 com variação das concentrações, antes (NT) ou após (AZO) a indução da via alternativa de respiração. (B) Crescimento relativo da P. pastoris em meio de cultura líquido, as medidas foram realizadas após 72h de crescimento e normalizadas pela condição controle (tratadas com DMSO). (C) Taxa de consumo de oxigênio para a cultura de células E. coli transformadas com vetor de expressão (pET) pET28a vazio ou o pET28a-rMpAOX para a expressão da AOX. Apesar de SHAM e 7J-41 exibirem perfis de atividade similares em P. pastoris, há uma clara diferença na potência (IC50) na rMpAOX. Os símbolos representam a média e ± o desvio padrão para as medidas em triplicatas(BARSOTTINI et al., 2018).

A atividade antifúngica in vitro da molécula 7J-41 foi testada contra os fitopatógenos de interesse agroeconômico M. perniciosa e S. sclerotiarum. Ambos são resistentes a fungicidas da classe das estobirulinas devido à presença da enzima Oxidase Alternativa em sua cadeia de respiração. A combinação do fungicida AZO e o composto 7J-41 reduziu o crescimento fúngico quando se comparado com a aplicação somente da AZO. Além disso 125 µM 7J-41 foi suficiente para inibir a germinação do esporo de M. perniciosa, enquanto que a molécula 7J-48 não influenciou neste processo. De acordo com ensaios de dose resposta com a rMpAOX o SHAM também foi efetivo na prevenção da germinação dos esporos de M.

Figura 21: Experimentos de germinação de esporos de M. perniciosa. Os esporos foram germinados na presença do inibidor da AOX 7J-41 e do derivado inativo 7J-48 como controle. Após 21 dias o micélio totalmente desenvolvido foi observado, para cada condição de tratamento com a 7J-48. Entretanto a 7J-41 exibiu atividade inibitória na germinação dos esporos a partir da concentração de 62,5 µM. As setas indicam os esporos não germinados e as setas brancas os micélios parcialmente desenvolvidos (BARSOTTINI et al., 2018).

A atividade antifúngica da molécula 7J-41 foi analisada in planta. Com a aplicação do composto sozinho preveniu a aparição dos sintomas da doença em tomateiros usados como plantas modelos (Figura 22). Foram avaliados o peso, morfologia do meristema e diâmetro do caule como indicadores do desenvolvimento da doença.

Como descrito para outros fungos (ROGOV et al., 2014), o tratamento de P. pastoris com um inibidor da via principal de respiração induz a respiração alternativa, que mantém a respiração e o crescimento celular em um processo mais lento. Este fato foi explorado para caracterizar funcionalmente a biblioteca de compostos sintetizados, detectar efeitos fora do alvo molecular e avaliar a sua atividade antifúngica. Neste ponto a molécula 7J-41 mostrou-se ser mais potente que o SHAM contra a rMpAOX e consideravelmente mais efetiva na prevenção da germinação dos esporos do fungo M. perniciosa e na retardação do desenvolvimento do micélio de M. perniciosa, S. clerotiorume e V. prina. A aplicação do composto 7J-41 preveniu a aparição dos sintomas da doença em plantas infectadas com M.

perniciosa, que é altamente dependente da AOX durante a colonização do hospedeiro em sua

fase biotrófica (THOMAZELLA et al., 2012). Além disso, a experimentação validou o modelo estrutural da PpAOD, permitindo a análise das interações proteína-ligante e estudos da relação estrutura atividade.

Figura 22: Tratamento do tomateiro, sistema biologico de teste in planta, em a) a morfologia da planta inoculada e não inoculada com os esporos do Moniliophtora perniciosa. Em b) a morfologia da planta inoculada sem e com a aplicação da 7J-45. Em c) morfologia dos ramos da planta para cada um dos testes biológicos. Em d) o diâmetro da raiz em função dos dias, um importante fator da doença (BARSOTTINI et al., 2018).

Interessantemente, a molécula 7J-41 e o SHAM preveniram a germinação dos esporos de M. perniciosa. Estes dados estão de acordo com os estudos em leveduras mostrando que esta função mitocondrial possui um papel importante na virulência fúngica e resistência/susceptibilidade a agentes antifúngicos (SHINGU-VAZQUEZ & TRAVEN, 2011).

Durante a infecção é de conhecimento que animais e plantas geram ROS, como parte de seu sistema de defesa contra patógenos. Por sua vez, estas espécies ROS são responsáveis pela indução da atividade da AOX no patógeno. Além disso, estes resultados indicam que a AOX participa amplamente no processo de resistência aos mecanismos de estresse oxidatívo, o que expande os cenários nos quais os inibidores da AOX podem ser eficazmente aplicados como método de controle contra fungos.

3.5 Modelagem estrutural da PpAOX, Docagem e Determinação da Relação

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