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1. Introdução

1.2. A carcinogénese

O ambiente em que vivemos está repleto de carcinogéneos, definidos como substâncias ou agentes que aumentam significativamente a incidência de tumores, independentemente da dose necessária, via de administração ou espécie exposta. Basicamente podem ser divididos em 1) químicos, 2) vírus oncogénicos e 3) radiação de alta frequência/energia.44

Os investigadores encaram o processo oncológico como uma sequência de diferentes etapas,37, 44, 45 com base nalguns factos que suportam esta teoria:37, 44

 A existência da fase de latência tumoral após exposição a carcinogéneos;

 A sequência aparente de eventos patológicos na evolução de diferentes tipos de tumores;

 A sua distribuição etária característica. Na sua grande maioria são as populações mais velhas as mais afetadas;

 A existência de um padrão familiar;

 A correlação entre lesões moleculares e genéticas e os diferentes eventos patológicos da oncogénese.

Quais os fatores que promovem a transformação maligna, aqueles que transitam e as suas causas, são parâmetros biológicos que estão incessantemente a ser estudados, mas que para os quais não existe resposta definitiva. Ainda estão igualmente por descobrir quais as alterações fenotípicas que transparecem a irreversibilidade de uma lesão maligna, em lesões anteriormente reversíveis, definidas como desordens potencialmente malignas.44

Os 4 estadios da carcinogénese: iniciação, latência, promoção e progressão interagem sequencialmente na formação de neoplasmas malignos. Neste processo contínuo, a iniciação ocorre quando um carcinogéneo interage com o DNA, provocando uma quebra da dupla cadeia e mais frequentemente a alteração de um nucleótido. Assim, e se o genoma for replicado antes das enzimas repararem o dano, a DNA polimerase criará um erro permanente e hereditário. No caso de alterações de um só nucleótido, também o seu par será complementariamente substituído na cadeia inicialmente não afetada. A grande maioria destas incorporações é neutra às células afetadas. Contudo, se a alteração ocorre, a título de exemplo, num codão responsável pela transcrição de proteínas reguladoras do crescimento, poderá

desencadear, sob certas circunstâncias, uma vantagem seletiva no tecido em que se encontra. Noutros casos, são os promotores as estruturas genómicas expostas aos carcinogéneos, conduzindo à formação de múltiplos tumores benignos ou lesões hiperplásicas, representando a segunda fase da carcinogénese - latência. O efeito promotor é reversível, e a sua desativação resulta no desaparecimento das células clonais em expansão ou dos nódulos hiperplásicos. Ainda assim, os promotores não são considerados genotóxicos, isto é, não são capazes de induzir alterações ou mutações hereditárias. São também fracos indutores de transformações malignas.44

Numa próxima fase, as células com vantagem seletiva intratumoral entram em proliferação. Neste estadio, composto igualmente por diferentes etapas, as células tumorais adquirem uma vantagem permanente face às células saudáveis ou aumentam a probabilidade de se tornarem anaplásicas. A anaplasia é definida como a alteração da forma, constituindo para alguns patologistas como o apanágio das características microscópicas de uma lesão maligna. É neste momento que se cria o ímpeto para que uma lesão benigna sofra malignização, iniciando a invasão dos tecidos adjacentes e por fim a metastização. Estas alterações advêm de:44

 Exposições repetidas ao mesmo ou a diferentes carcinogéneos;

 Às mutações espontâneas por erros naturais das enzimas reparadoras do DNA em replicação;

 Instabilidade genómica induzida por mutações adicionais.

Independentemente do(s) mecanismo(s), o resultado passa por uma alteração celular irreversível que permite a expressão do fenótipo neoplásico.44

Além disto, pela etiologia molecular existente nas lesões malignas, alguns genes reguladores estão normalmente envolvidos na grande maioria dos cancros:14, 44

I. Proto-oncogenes; quando mutados denominam-se oncogenes. Estão presentes em todas as células normais e regulam o crescimento. Comportam-se como dominantes, já que a mutação de um único alelo provoca transformações no comportamento celular.

II. Genes supressores de tumores. Encontram-se presentes em todas as células normais e são responsáveis por impedir o crescimento tecidular. São de carácter recessivo, pelo que é necessária a alteração das duas cópias alélicas.

III. Genes reguladores do ciclo celular. Estão presentes em todas as células normais e regulam o crescimento.

IV. Genes envolvidos na apoptose. Quando mutados contribuem para a imortalidade de células alteradas.

V. Genes envolvidos na reparação do DNA.

VI. Genes envolvidos na angiogénese. O processo é regulado por fatores estimuladores e inibidores em múltiplas etapas, como a degradação e remodelação da matriz extracelular, proliferação endotelial e migração celular.

O proteoma resultante da danificação destes mesmos genes, assim como de outras alterações genéticas e epigenéticas resultará em:45

1. Crescimento autónomo, independente de sinais externos necessários ao crescimento celular normal. Sabe-se no entanto que este crescimento não é efetivamente independente, dependendo em parte do ambiente microtumoral em que se insere.44

2. Insensibilidade a sinais inibidores do crescimento. 3. Inoperacionalidade apoptótica.

4. Replicação ilimitada ou senescência replicativa.37 5. Angiogénese sustentada.

6. Invasão e metastização – ainda que nem todos os tumores malignos metastizem, é certo que os tumores benignos não o fazem.

A instabilidade genética, característica de lesões malignas, permite a diversidade celular que facilita a aquisição de um fenótipo agressivo, ao mesmo tempo que os processos inflamatórios alimentam as suas diferentes capacidades patológicas.45

Além das habilidades já mencionadas, as células malignas são capazes de reprogramarem o seu metabolismo energético e de se evadirem ao sistema imune. A potencialidade destas lesões é exponencialmente aumentada sob ambientes propícios que podem ser sustentados por células do próprio tumor.45

Tendo em consideração a teoria aqui apresentada, um carcinogéneo “capaz” é um agente que através de exposições singulares ou múltiplas, provoca um insulto inicial, promove o crescimento seletivo das células alteradas, e dá origem a lesões que na fase proliferativa resultam em patologias malignas.45

Daqui podemos concluir que nem todos os carcinogéneos são necessariamente mutagénicos, podendo interferir em qualquer uma das fases de carcinogénese de uma desordem com potencial maligno. Podem assim, além de mutações pontuais, provocar alterações cromossómicas ou interagir com determinadas enzimas sob ativação metabólica. Não obstante, todos têm afinidade pelo DNA.44

Para que se manifeste um determinado fenótipo é necessária a presença de um determinado número de células dominantes. Ainda que dificilmente seja quantificável, a identificação da célula dominante responsável consistirá noutra ferramenta de diagnóstico. No caso de se identificar um biomarcador molecular específico de uma determinada célula tumoral, mais fácil será o seu diagnóstico, assim como a presunção do seu prognóstico. Contudo, não se conhecem as bases moleculares pelas quais determinadas células dominantes, sob um determinado número, manifestam o fenótipo da doença.44

A malignização das desordens potencialmente malignas consiste num processo translacional complexo, marcado pela presença de determinados fatores ambientais, que conduzirão à dominância de determinadas linhagens celulares. Assim mesmo, a seleção celular intratumoral tem um papel importante na progressão destas lesões. Será importante ter em conta, que o processo de carcinogénese é o resultado cumulativo da exposição a diferentes carcinogéneos, que resultam em múltiplas alterações genómicas e do comportamento celular. Na realidade, a acumulação de diferentes erros assume maior importância do que determinada sequência de alterações singulares. Além disso, não existe um padrão de evolução único, mas uma maior preponderância de determinados eventos genéticos e epigenéticos.44

O comportamento evolutivo das lesões tumorais está por isso em constante mudança, pelo que o diagnóstico histopatológico pontual nem sempre é fidedigno da gravidade da lesão.44

Os conceitos modernos da oncogénese oral, que evoluíram do trabalho de Slaughter, Southwick e Smejkal46 acerca da origem do OSCC, reforçam a existência de campos potencialmente neoplásicos molecularmente alterados (oral field cancerization), a partir dos quais se desenvolvem lesões múltiplas. A partir de uma ou mais células estaminais que adquirem alterações genéticas, forma-se um grupo de células filhas geneticamente alteradas. Como resultado da acumulação de anormalidades, as células estaminais negam o controlo do crescimento tumoral, adquirem vantagens de crescimento e desenvolvem clones que darão lugar a um ou mais campos por fim deslocados do epitélio normal.47

Em suma, o cancro resulta de aberrações no crescimento, diferenciação ou organização celular. As células malignas ao contrário das células estaminais indiferenciadas que de alguma forma lhe dão origem, não conservam a capacidade embriónica de renovação tecidual, conduzindo à falência orgânica e morte do paciente. A diferenciação celular nas lesões malignas não representa a progressão da lesão para estados indiferenciados, mas a diferenciação de células com comportamentos progressivamente malignos.44

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