• Nenhum resultado encontrado

1. Introdução

1.7. Tratamento da leucoplasia oral

As leucoplasias normalmente não estão associadas a morbilidade ou casos fatais por si mesmas. Sendo a maioria assintomáticas, o principal objetivo do tratamento será sempre prevenir a transformação maligna. Como consequência da incerteza na previsão de malignização, muitos indivíduos recebem tratamentos sobre lesões que nunca progrediriam para cancro. Por esta razão devem ser propostos tratamentos com mínima incidência e morbilidade. Este não é o caso de algumas intervenções correntes e frequentes, como o caso da administração de retinóides com elevado índice de toxicidade, apesar das taxas de

Existem no entanto vários tipos de intervenções:63 1. Ativas:

 Remoção cirúrgica da lesão, incluindo excisão cirúrgica, cirurgia a laser e crioterapia;  Tratamento médico tópico, incluindo agentes anti-inflamatórios, antifúngicos, carotenóides e retinóides, agentes citotóxicos, etc.;

 Tratamento médico sistémico.

2. Fim de hábitos predisponentes (e.g. tabaco, álcool, etc.) 3. Tratamentos alternativos, e.g. terapêutica fotodinâmica 4. Tratamento combinado

5. Controlo 6. Placebo

7. Sem tratamento

Na maioria dos centros médicos faz-se a exérese de lesões com displasia moderada a severa, na tentativa de diminuir o risco de malignização. O mesmo se aplica a lesões localizadas em locais de maior predisposição ou em pacientes com risco aumentado de malignização. Os estudos de follow-up pós-excisão das OPMDs referem no entanto que o risco de malignização não se altera significativamente. As recidivas acontecem em 10-20% e o desenvolvimento de cancro em 3-9% das áreas sujeitas a excisão.33 Considera-se aqui recidiva, quando independentemente do intervalo de tempo, a lesão reaparece no local da leucoplasia primária. Define-se como nova lesão leucoplásica quando esta ocorre em local distinto.32

A seleção da terapêutica na leucoplasia oral não é consensual. O julgamento clínico deve ter em conta a sintomatologia, fatores individuais (e.g. higiene oral) e risco de malignização, pela extensão da lesão e severidade displásica.32 Estudos anteriores sugerem que o desenvolvimento de cancro em lesões leucoplásicas está relacionado com o tamanho/extensão da lesão e a falta de tratamento. Apesar das diferentes terapias influenciaram a interpretação dos fatores de risco e expressão de possíveis biomarcadores, a sua recusa não é ética.33 Ainda que não exista evidência científica de que qualquer tratamento previna a possibilidade de malignização, todos são seguros, independentemente da presença/ausência de OED.32

Por outro lado, alguns autores defendem o simples controlo de populações de risco por exame físico, apesar da escassez de RCTs.68 A revisão sistemática da utilidade da

inspeção visual no diagnóstico de cancro oral demonstrou uma sensibilidade de 0,85 e uma especificidade de 0,97, pelo que os autores concluíram que pode ser comparado ao rastreio cervical e mamografia, que possuem sensibilidade e especificidade na ordem dos 0,80 e 0,90, respetivamente. Este exame é indolor e facilmente aceite por ser pouco invasivo. A real desvantagem de qualquer um destes rastreios é a possibilidade de aumentar falsos positivos e negativos.13 Numa revisão sistemática da literatura, Kujan et al.69 concluíram que não existe evidência suficiente que suporte ou refute a utilização de rastreios para cancro oral na população mundial.

Bremmer et al.26 tentaram desenvolver e avaliar um teste genético de rastreio não invasivo para as OPMDs, através da deteção de alterações genéticas. Foram recolhidas células através de citologia exfoliativa, de mucosa normal, displásica e com OSCC, identificadas previamente por análise microssatélite, com a intenção de selecionar um set de alterações que identificasse OPMDs. Aplicou-se uma nova ferramenta genética – MPLA (MultiPlex

Ligation-dependent probe Amplification) – para quantificar a instabilidade cromossómica, i.e.

o ganho e perda de alelos, através de PCR. Após análise de 120 amostras foi possível detetar grandes diferenças no número de alterações entre o tecido normal vs. displásico e displásico vs. tumoral (p<0,001). Houve correlação significativa entre o número de alterações detetadas pela MPLA e a análise prévia de perda alélica. A informação disponível permitiu a seleção de 42 sondas MPLA, com poder para otimizar a distinção entre tecido normal, displásico e maligno. Segundo os autores a técnica experimentada é sensível, eficaz, de alta performance e fácil de aplicar, permitindo a deteção de alterações genéticas em pequenas amostras de DNA (20-60ng) de lesões não invasivas. O MPLA parece ser promissor para rastreios populacionais.26

Num estudo levado a cabo na Índia (Bombaim), 42,5% das leucoplasias não tratadas desapareceram em 5 anos e 45,3% em 10 anos, particularmente nos pacientes que mascavam tabaco, enquanto 41,5% das lesões permaneceram inalteradas em 5 anos e 31,6% em 10 anos, na população fumadora. Em Gujarat, província indiana, 11% das leucoplasias, reexaminadas após 2 anos, aumentaram de tamanho, 31,6% diminuíram ou desapareceram e 57,3% permaneceram inalteradas. A redução de tamanho ou desaparecimento foi notada para 42% das leucoplasias em Kerala, 40% em Gujarat e 37% em leucoplasias não localizadas no palato em Andhra Pradesh. A regressão foi mais frequente em mascadores de tabaco e fumadores de cachimbo do que aqueles que fumavam cigarros. A duração média das leucoplasias em cada

região foi calculada dividindo a prevalência pelo rácio de incidência. Persistiram em média por 9 anos em Kerala e por 13 anos em Gujarat.35

Em 520 pacientes húngaros seguidos entre 1-25 anos, a tentativa de eliminação dos fatores etiológicos resultou em desaparecimento total das lesões em 176 pacientes (33,8%), melhoria em 131 pacientes (23,5%), sem alterações em 135 pacientes (26%) e aumento do tamanho em 47 pacientes (9%). Estas leucoplasias também alteraram o seu padrão clínico durante o follow-up: 19 leucoplasias (3,7%) progrediram e 47 leucoplasias (9%) regrediram para subtipos mais e menos agressivos, respetivamente. Lesões com áreas vermelhas aumentaram mais frequentemente em extensão, apesar de cada tipo clínico de leucoplasia apresentar a mesma tendência para reduzir em extensão. As lesões na língua e pavimento da boca parecem estar mais sujeitas a progressão (4 das 41 lesões progrediram e nenhuma regrediu), ao contrário das lesões na mucosa jugal ou comissuras (12 das 253 progrediram e 40 das 253 regrediram).35

Na realidade dos países desenvolvidos, em 214 dinamarqueses com leucoplasia seguidos por 1-10 anos, verificou-se a remissão total das lesões em 43 (20,1%) dos casos, diminuição do tamanho em 38 (17,8%) e apenas aumento do tamanho em 7 pacientes (3,3%). Em 257 pacientes californianos com leucoplasia seguidos por um follow-up médio de 7,2 anos, as lesões tornaram-se mais pequenas ou desapareceram em 49 pacientes (37%) dos 133 fumadores ainda ativos, em 22 pacientes (44%) dos 50 fumadores que cessaram o hábito após diagnóstico e em apenas 2 pacientes (3%) dos 74 não fumadores. Em 138 dinamarqueses com leucoplasia, todos diminuíram ou cessaram por completo o hábito tabágico após o diagnóstico, com uma redução do consumo de 50% ou abstinência por 3 meses, a que foi associada uma redução do tamanho ou desaparecimento de mais de metade das lesões (56%). Após um ano da eliminação do hábito tabágico, aproximadamente 80% das lesões reduziram em tamanho ou desapareceram.35

Numa análise retrospetiva de 175 OPMDs em 147 pacientes da Holanda monitorizados de forma passiva, 81% das 149 lesões homogéneas permaneceram inalteradas, 1% tornaram-se homogéneas, mas 15% das lesões desapareceram. Por outro lado, 10% das 21 lesões não homogéneas tratadas por cirurgia permaneceram inalteradas, 1% tornaram-se homogéneas e 20% desapareceram. Não foram observadas diferenças estatisticamente significativas entre uma abordagem conservadora, apenas de controlo e a abordagem cirúrgica.35

A excisão cirúrgica tradicional por bisturi pode ser em alguns casos a melhor opção. No entanto, em pacientes com lesões extensas a cirurgia pode ser difícil, dolorosa, provocar danos estéticos e funcionais graves, requerer anestesia geral e incluir complicações, como a formação de cicatrizes70 e a metastização.22 Estão disponíveis diferentes modalidades de tratamento como a criocirurgia, cirurgia a laser (e.g. evaporação), administração de retinoides tópicos ou sistémicos, bochechos com adenovírus atenuados e terapia fotodinâmica.32

A excisão a laser oferece algumas vantagens sobre a cirurgia tradicional, incluindo a boa visualização, controlo da hemostase, rapidez, baixa morbilidade, possibilidade de não coadaptar margens cirúrgicas e excelente cicatrização, com contração limitada da mucosa oral adjacente. Todavia, o follow-up a longo prazo não demonstra vantagens no que diz respeito à recidiva e transformação maligna. Os rácios de recidiva e transformação maligna para esta opção terapêutica variam entre 7-38% e 1-9%, respetivamente. A recidiva pode ser consequência da exérese incompleta ou da recolonização por células do epitélio adjacente aparentemente normal, de acordo com a cancerização de campo. A presença de células geneticamente alteradas nas margens cirúrgicas e no tecido normal adjacente a tumores, tem sido confirmada por análise molecular, que inclui técnicas de amplificação de DNA e hibridização in situ. Tem sido igualmente demonstrado que a mucosa clinica e histologicamente normal, apresenta turnover celular alterado após exames mais detalhados, aumentando a possibilidade de recidiva ou transformação maligna.70

As margens cirúrgicas de segurança não estão definidas, pelo que a maioria dos clínicos cumpre margens de poucos milímetros, o que poderá contribuir para a elevada recidiva 1,58-27%22 (até 30%) e desenvolvimento de novas lesões leucoplásicas. Não existe evidência que confirme o valor do follow-up alargado e os intervalos ótimos entre consultas após tratamento da leucoplasia, embora van der Waal32 recomende intervalos de 3 e 6 meses para leucoplasias displásicas e não displásicas, respetivamente.32

Através de uma revisão da Cochrane para as possíveis intervenções na abordagem da leucoplasia oral, Lodi et al.63 identificaram algumas limitações:

a) Nenhum dos RCTs compara os efeitos da excisão cirúrgica vs. placebo ou ausência de tratamento;

b) A comparação entre rácios de malignização resulta do follow-up de pacientes sujeitos ou não a tratamento cirúrgico;

c) Ainda que seja difícil confrontar resultados, pelas diferenças no diagnóstico e critérios de inclusão, intervalos de monitorização, características dos pacientes e técnicas cirúrgicas adotadas (bisturi, laser, crioterapia), estes demonstram dados muito variáveis e por vezes conflituosos nas suas conclusões;

d) Faltam estudos que avaliem intervenções direcionadas aos fatores de risco conhecidos (e.g. tabaco).

Não se conhecem benefícios a qualquer um dos tratamentos médicos (vitamina A, retinóides, beta caroteno ou carotenóides, bleomicina, chá e cetorolac) quando comparados a placebo. O tratamento com beta caroteno, licopeno e vitamina A ou retinóides, tem sido associado a rácios significativos de resolução clínica, quando comparados com placebo ou inexistência de tratamento. O tratamento com ácido retinóico e licopeno aparentemente promove melhoria histológica, ainda que a evidência se suporte em estudos com poucos pacientes. Sempre que reportado, houve um elevado rácio de recidiva. Foram descritos efeitos adversos de severidade variável. No entanto, as intervenções tendem a ser bem aceites pelos pacientes, já que as taxas de abandono foram similares entre grupos sob tratamento ou grupos controlo.63

Apesar de todas as limitações, van der Waal32 apresentou em 2009 um algoritmo para a monitorização da leucoplasia oral.

LEUCOPLASIA (diagnóstico clínico provisório C1*)

LEUCOPLASIA (diagnóstico clínico provisório C1*)

Eliminação da(s) causa(s) (2-4 semanas para observar o resultado)

Eliminação da(s) causa(s) (2-4 semanas para observar o resultado)

Resposta possitiva Resposta possitiva Lesão conhecidaAbordagem apropriada Lesão conhecidaAbordagem apropriada Ausência de resposta (diagnóstico clínico definitivo C2)

Ausência de resposta (diagnóstico clínico definitivo C2)

Sem causa(s) provável(eis) (dignóstico clínico definitivo C2)

Sem causa(s) provável(eis) (dignóstico clínico definitivo C2)

Biópsia Biópsia

Histopatologia comprova o diagnóstico (por exclusão de “outras lesões conhecidas”: C3 ou C4)

Histopatologia comprova o diagnóstico (por exclusão de “outras lesões conhecidas”: C3 ou C4)

Leucoplasia não displásica Leucoplasia não displásica

Tratamento (se praticável, e.g. < 2-3cm)Follow-up semestral, tanto dos pacientes

sujeitos a tratamento, como dos não tratados; vitalícios (?)

Tratamento (se praticável, e.g. < 2-3cm)Follow-up semestral, tanto dos pacientes

sujeitos a tratamento, como dos não tratados; vitalícios (?)

Leucoplasia displásica Leucoplasia displásica

Tratamento (se praticável, e.g. < 2-3cm)Follow-up trimestral, tanto dos pacientes

sujeitos a tratamento, como dos não tratados; vitalícios (?)

Tratamento (se praticável, e.g. < 2-3cm)Follow-up trimestral, tanto dos pacientes

sujeitos a tratamento, como dos não tratados; vitalícios (?) Lesão conhecidaAbordagem apropriada Lesão conhecidaAbordagem apropriada *C = fator certeza *C = fator certeza

Figura 4. Abordagem da leucoplasia oral.

Fonte: van der Waal I. Potentially malignant disorders of the oral and oropharyngeal mucosa; terminology, classification and present concepts of management. Oral Oncology. 2009;45(4-5):317-23.32

No que diz respeito à publicação dos resultados do tratamento de lesões leucoplásicas orais têm sido propostos alguns modelos. Ainda que não tenham sido validados, van der Waal32 sugeriu alguns parâmetros:

A. Idade35

B. Género (feminino possivelmente com maiores taxas de malignização)35 C. Fatores etiológicos, se presentes

D. Tipos de tratamento:

 Cirúrgico (incluindo laser CO2);  Não cirúrgico;

 Quimioprevenção;  Apenas controlo.

E. Resposta em casos não cirúrgicos ou observação sem tratamento:  Sem resposta – casos estáveis;

 Resposta/remissão total;

 Progressão da doença (>25% aumento em tamanho ou aparecimento de nova lesão). F. Recidiva: leucoplasia com a mesma localização, independentemente do intervalo entre lesões.

G. Nova lesão primária: leucoplasia com localização diferente. H. Transformação maligna

I. Patologia maligna da cabeça e pescoço, além da cavidade oral J. Patologia maligna além da cabeça e pescoço

K. Duração do follow-up

A publicação dos resultados dos tratamentos deve ser estandardizada tanto quanto possível, incluindo os intervalos e tempo total do follow-up. O tamanho da leucoplasia continua a ser a característica de maior valor na quantificação das alterações pós-terapêuticas observadas, em detrimento de outras como a coloração e textura da lesão.32

A abordagem clínica da leucoplasia oral é dificultada pela incapacidade em determinar os avanços oncogénicos e predizer com sucesso quais os pacientes com maior risco de desenvolverem OSCC.22 O tempo decorrido até à malignização poderá ser igual ou superior a 20 anos, pelo que a completa ressecção das leucoplasia orais não reduz necessariamente o risco de OSCC.71 Atualmente não existe evidência de nenhum tratamento eficaz na prevenção de recidiva70 ou de malignização.4, 63, 70

Todavia, alguns autores indicam a excisão da lesão na presença de alterações displásicas como a opção válida, sendo a decisão médica mais adotada.23, 70

Documentos relacionados