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Cardápio Iberê Camargo: a narrativação gastronômica de uma celebridade

6. GASTRONOMIA COM IDENTIDADE: POTENCIALIDADES NEGOCIADAS

6.3 Gastronomia com identidade: estratégias de diferenciação

6.3.2 Cardápio Iberê Camargo: a narrativação gastronômica de uma celebridade

No contexto de construção de uma identidade territorial, além das estratégias demonstradas de reivindicação gastronômica ancoradas na etnicidade, observou-se também uma estratégia de produção de gastronomia com identidade baseada na magnitude de um personagem célebre. Um restaurante no município de Restinga Sêca propôs um cardápio ancorado em um diferencial da gastronomia do local. Contudo, distinto da proposta de resgate da cultura italiana, o restaurante buscou fundar seu diferencial gastronômico sobre um personagem célebre que nasceu no município: o pintor Iberê Camargo.

Figura 42: Monumento a Iberê Camargo, localizado na entrada da cidade de Restinga Sêca. Foto: site oficial de Restinga Sêca

O cardápio criado por uma moradora e proprietária de um restaurante em Restinga Sêca buscou uma peculiaridade para identificar a gastronomia do seu estabelecimento, aliando os sabores culinários às preferências de um artista que faz parte da história do local. O município constantemente aciona o personagem como elemento distintivo referenciando-se como “Terra de Iberê Camargo” (Folder e site de divulgação do município). Partindo disto, a busca por acionar elementos identitários ao cardápio gastronômico de Restinga Sêca, revelou-se propício às reproduções dos pratos preferidos do artista. Assim, dona Vânia criou o Cardápio Iberê Camargo como carro chefe do seu restaurante.

No restante da Quarta Colônia, a cozinha italiana é uma marca. A exceção é Agudo, que se destaca pela gastronomia germânica. Pratos típicos dessas duas etnias também são feitos em Restinga Sêca, mas os moradores preferem a comida campeira, que possui fartas porções de carne. Isso se deve à forte presença do movimento tradicionalista (Caderno Quarta Colônia, nº28, 09 de fevereiro de 2007, p.03).

A divulgação do Caderno Quarta Colônia ressalta as intenções da idealizadora do cardápio que justifica sua obra ao ligar as preferências da culinária do povo restinguense às preferências de um artista nascido no município. Como parte da Quarta Colônia, Restinga Sêca caracteriza-se por uma história de ocupação por meio de distintas etnias. A diversidade étnica permeia as características locais, sendo representada pela etnia alemã, pela italiana, bem como, é acionada, por vezes, como berço da etnia africana na Quarta Colônia108. Da mesma forma, na gastronomia, a reivindicação étnica transparece através dos valores e reivindicações dos atores locais, o que é manifesto na opinião da idealizadora do cardápio.

O cardápio Iberê Camargo foi uma tentativa de caracterizar a culinária de Restinga Sêca em comparação com os outros municípios. Com o auxílio do Instituto Iberê Camargo, de Porto Alegre, levantamos os pratos que o artista mais gostava. Um Cardápio que tem como principal a carne, o que o povo daqui gosta muito. Então o objetivo era criar um cardápio que atraísse dos turistas e que também fosse apreciado pelos moradores (V.V., proprietária do restaurante).

A tentativa é analisada como um diferencial na medida em que propõe a construção de um cardápio com identidade. Constitui uma estratégia distinta que aciona dispositivos que conferem identificação à gastronomia local. Como referenciado pela idealizadora, o cardápio tem na sua essência as carnes, as quais

eram apreciadas pelo artista, bem como também são preferências dos moradores de Restinga Sêca, a qual se caracteriza pela apreciação dos costumes tradicionalistas gaúchos.

O cardápio é composto pelos seguintes pratos: língua ao molho vermelho, maminha (preparada como rosbife) e bifes com batatas fritas; como acompanhamento tem-se a polenta frita, o talharim na manteiga, o mix de folhas verdes, e o pudim de brócolis; para a sobremesa acompanha o pudim de leite condensado e a maçã assada recheada.

Figura 44: Foto de alguns pratos do Menu Iberê Camargo. Caderno Quarta Colônia nº 28, 09-02- 2007, p.03.

Todos os pratos do cardápio foram propostos a partir dos conhecimentos sobre os gostos do artista, aportados pela parceria do restaurante com a Fundação Iberê Camargo, que se destaca pela manutenção das obras e da história do pintor.

O cardápio faz parte da vida e dos locais por onde Iberê passou, mas se destaca pela caracterização da gastronomia gaúcha por meio dos pratos à base de carne. Além disso, verificam-se massas e a polenta característica da etnia italiana. Uma mistura de saberes tradicionais étnicos, mas que não são acionados na narrativa. O que se destaca nesta estratégia não é a origem dos pratos, mas a origem do cardápio, ou seja, a preferência gastronômica de um artista local célebre que marcou sua história no contexto brasileiro e mundial.

Em maio de 2008, Restinga Sêca oficializou o Cardápio de Iberê Camargo, institucionalizando as referências identitárias da gastronomia do município. A iniciativa formou-se a partir do apoio de atores locais em prol da construção de uma referência identitária para a gastronomia do município, bem como, incentivar e reforçar as atrações turísticas locais. O lançamento oficial do Cardápio foi promovido não apenas com os sabores apreciados pelo artista como, também, a exposição de suas obras artísticas, e a reprodução como atividade para as crianças para as quais havia um espaço onde estas podiam tentar reproduzir as obras do artista. Além disso, as tradições afro-brasileiras e gaúchas também foram acionadas em forma de dança, compondo uma caracterização identitária multiétnica.

Assim, a busca pela distintividade de Restinga Sêca trouxe a retomada dos costumes de um célebre personagem da história do município. Iberê Camargo, artista, constitui um importante personagem da história local, pelos seus laços estabelecidos com o município. Laços que, aliado à necessidade de diferenciar o município, resultou em um resgate artístico e gastronômico dos pratos e costumes do artista. Uma estratégia distinta de busca por produzir gastronomia com identidade, a qual reivindica a valoração da diferença.