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O Risoto e a Polenta: representações e significações da gastronomia italiana

6. GASTRONOMIA COM IDENTIDADE: POTENCIALIDADES NEGOCIADAS

6.1 A Gastronomia como distintivo territorial

6.2.1 O Risoto e a Polenta: representações e significações da gastronomia italiana

Os eventos acionados pela sua tipicidade são espaços e momentos de reivindicação identitária privilegiados para a compreensão dos demarcadores gastronômicos da identidade territorial, na medida em que apresentam ao público suas peculiaridades gastronômicas do que consideram como típico. Ao acompanhar estes eventos, salienta-se uma grande diversidade do que vem sendo acionado como produto típico, da mesma forma que se observam alguns pratos e produtos em comum, além de ressignificações da gastronomia típica local. Assim, ressalta-se que há uma diversidade de pratos e produtos acionados nos distintos locais do território, os quais são comumente ligados a uma tradição étnica ou a uma tradição da comunidade local. Nesta diversidade, constata-se que há conflitos de opiniões interno do que seria mais atrativo acionar como gastronomia representativa do território. Em contrapartida, alguns elementos da gastronomia territorial são alavancados em distintas opções de eventos.

Diante disso, tem se verificado uma tendência à reprodução e continuidade de uma tradição vinculada aos eventos festivos, os quais são atrelados à comunidade religiosa. Estes eventos resguardam memórias do que tem se considerado durante décadas como a comida de festa. Na reivindicação da tipicidade italiana, os eventos religiosos católicos, ao redor dos santos, ainda permanecem apresentando a gastronomia de festa. A sopa de agnolini, o risoto, o galeto assado, o pão e a cuca,

bem como a maionese e a salada de radici, constituem símbolos da culinária italiana local, apresentados aos visitantes nas mesas das festas. Uma reprodução do ambiente da casa em âmbito comunitário. O salão paroquial torna-se, nestes momentos, uma ampliação da casa dos descendentes, recepcionando os visitantes com a mesma gastronomia apresentada à mesa quando recepcionam um visitante ou aos domingos.

“Sempre foi assim, nós sempre fizemos essas comidas nas festas, fazíamos também o bife à milanesa e a galinha Lessa, mas hoje só em alguns lugares ainda fazem isso” (M.V, descendente de italianos).

“O risoto, a sopa, o galeto, a maionese nós sempre comia no domingo, a mesa era cheia. Durante a semana nós comia minestra ou arroz e feijão, polenta e fortaia, mas no domingo sempre era diferente” (L.G, descendente de italianos).

Deste modo, a festa representa uma reprodução da vida dos descendentes. O que era consumido aos domingos na casa dos colonos, reproduziu-se em escala maior aos visitantes que freqüentam os almoços de domingo das comemorações festivas. Entretanto, a partir de um processo de ressignificação da cultura colonial italiana, o qual teve início com os festejos dos 75 anos da imigração italiana, observou-se a retomada de alguns pratos da culinária cotidiana dos colonos. A ressignificação do que se convencionou chamar de ‘comida de pobre’, impulsionou a potencialização destes pratos como atrativos.

Desta forma, pode-se observar um processo de ressignificação da comida cotidiana em comida de festa. Em alguns jantares a comida do cotidiano vem sendo potencializada como atrativo para os visitantes. A comida forte consumida diariamente pelos colonos apresenta-se como a reprodução do cotidiano dos colonos, na busca por referenciar a autenticidade e a rusticidade da vida colonial, bem como reverenciando o trabalho e a força dos colonizadores. Assim, em alguns locais de apresentação da culinária típica italiana nos deparamos com a polenta, a fortaia, o salame, o queijo e a copa, acompanhados de carne de galinha ao molho e galeto assado. Pratos considerados, por muito tempo, ‘comida de pobre’, ou a ‘comida forte’ que os colonos italianos consumiam no dia-a-dia para agüentar a pesada jornada de trabalho. Estas reivindicações, portanto, constituem uma ressignificação da vida cotidiana que agora é valorizada pela sua característica pitoresca e autêntica.

Menasche (2009) problematiza os usos e significados da polenta ao atentar para o que confere sentido às percepções do rural. Neste ponto, alguns produtos

costumeiramente utilizados na cozinha e modos de preparo específicos, sejam de descendentes italianos ou alemães, “poderiam ser relacionados como emblemáticos de uma identidade rural, colona” (MENASCHE, 2009, p.08). Tomando a polenta como um dos elementos emblemáticos que dão sentido à identidade rural, colonial, a autora contrapõe duas situações específicas que conferem diferentes significados ao prato. Entre os jovens a polenta, enquanto significação da cultura rural é, por vezes, estigmatizante. “Não é difícil intuir que a polenta, seja, entre estes jovens, um alimento pouco apreciado: a comida compartilha o estigma associado à condição de agricultor” (MENASCHE, 2009, p. 09). Contudo, a autora observa um processo de ressignificação da polenta, na medida em que esta compõe o cenário das festas. Assim, demonstra movimentos contraditórios entre o estigma e a valoração que ressignificam o mesmo prato, por meio de diferentes sujeitos.

Este caso representa, historicamente, uma ressignificação da cozinha tradicional das colônias italianas. O que é considerado a comida típica, atualmente, não era acionada anteriormente ao processo de valorização da colonização italiana no Rio Grande do Sul. Consiste em uma ressignificação e valorização da ‘comida de pobre’ consumida no cotidiano das famílias na colônia. A designação do que é típico representa uma composição de produtos ou de saberes e modos de fazer que são reconhecidos pelo grupo e acionados para a sua distintividade. Tal interpretação é referenciada por Maciel, para a qual,

a constituição de uma cozinha típica vai assim mais longe que uma lista de pratos que remetem ao "pitoresco", mas implica no sentido destas práticas associadas ao pertencimento. Nem sempre o prato considerado "típico", aquele que é selecionado e escolhido para ser o emblema alimentar da região é aquele de uso mais cotidiano. Ele pode, sim, representar o modo pelo qual as pessoas querem ser vistas e reconhecidas (MACIEL, 2001, p.152).

A acepção de Maciel pode ser incorporada ao contexto de ressignificação da cultura colonial italiana, na medida em que, a ‘comida de pobre’ passa a ser referenciada como elemento da identidade étnica. Deste modo, o que representa o típico hoje, na culinária colonial italiana, constitui uma releitura do modo de vida cotidiano, familiar e pitoresco das colônias. Contudo, acima disso, o típico demonstra os costumes e tradições culinárias que são reivindicadas como fonte de afirmação do grupo que as reconhece enquanto sinais diacríticos. Desta forma, mesmo que alguns pratos não façam mais parte da mesa dos descendentes, eles foram

escolhidos pelo grupo para que fossem potencializados enquanto demarcadores étnicos e, neste caso, territoriais.

Poderíamos sugerir que temos, assim, situações em que, ao ressignificar positivamente, entre aqueles que vivem no campo, práticas e identidades até há pouco estigmatizadas, ou seja, ao demandar um rural idealizado, consumidores urbanos estariam contribuindo para uma reinvenção dessas práticas, identidades e tradições (MENASCHE, 2009, p.10).

Este processo é delimitado historicamente na memória local, na medida em que as características da colonização transpuseram os estigmas da ‘comida de pobre’ dos colonos. Assim, a valorização de alguns produtos e a reivindicação deles, como a polenta, faz parte de um processo onde alguns produtos foram eleitos como predicados a serem demonstrados. Isso não significa que estes produtos ainda sejam consumidos e valorizados pelo público que o apresenta no seu consumo diário, ou seja, são produtos que, muitas vezes, não compõem a lista de preferências gastronômicas dos descendentes, mas que são potencializados de acordo com as preferências do mercado consumidor. Conseqüentemente, o que é acionado como demarcador étnico ou territorial diz respeito à produção de uma narrativa baseada nas tendências de valorização da sociedade de consumo. Por esta razão, alguns pratos são resgatados e ressignificados com base em intuitos de promoção do desenvolvimento territorial.

6.2.3 Cuca alemã e cuca italiana: Reivindicações étnicas distintas por meio de um