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Cariacica no contexto ulterior à expulsão dos jesuítas: estagnação

Foi severamente executada em todo o Brasil a ordem emanada do Alvará pombalino que expulsava a Ordem Jesuítica das colônias portuguesas. Em todas as Capitanias os colégios até então bem administrados pela companhia inaciana foram fechados. De igual modo, as escolas que os jesuítas geriam foram transformadas em “Escolas Régias”.94 No Espírito Santo o banimento dos inacianos resultou em consequências negativas para o sistema de Instrução, de tal modo que quando Auguste de Saint-Hilaire, ao referir sobre o panorama educacional que encontrou na antiga Capitania após a expulsão dos inacianos, foi categórico em dizer que

Depois da expulsão da Companhia de Jesus, não se encontrou ninguém que fosse capaz, seja por preceitos, seja por exemplos, de propagar alguns ensinamentos entre os habitantes da província, quase abandonada, do Espírito Santo, e a terrível tirania dos governadores contribuiu ainda mais para sua decadência.95

A própria Muribeca, uma vez despojada do aporte educacional inaciano, só viria a ter sua primeira escola em 187496. Os bens da Companhia de Jesus na capitania do Espírito Santo, por sua vez, inclusive propriedades agrícolas – exceto as igrejas e os colégios- foram devidamente confiscados; os itens de valor material relevante, ao tempo que assim fizerem as ditas vilas ou cada uma delas lhe limitarão e assinarão logo termo para elas e depois não poderão da terra que assim tiverem por termo fazer mais outra vila sem minha licença. (transcrição e grifo nosso).

94 BALESTRERO, Heribaldo L. op. cit. p. 86.

95 HILAIRE, Auguste de Saint. Segunda Viagem ao Interior do Brasil: Espírito Santo. (tradução

de Carlos Madeira). São Paulo, Companhia Editôra Nacional: 1936. p. 22.

inclusive escravos, foram levados para o Rio de Janeiro, onde permaneceram à disposição do governo metropolitano e foram, afinal, leiloados em 1782 arrecadando no total uma quantia de 4.441$500 (quatro contos, quatrocentos e quarenta e um mil e quinhentos réis).97 Com a expulsão dos jesuítas, os aldeamentos e fazendas que antes prosperavam entraram em franca decadência. Já não havia, no século XVIII, a demanda desesperada pela pacificação do indígena por parte da empresa comercial portuguesa, como era no início da colonização, e os silvícolas que por quase trezentos anos haviam sido protegidos e instruídos nos princípios da fé católica pelos disciplinados missionários da Cia. de Jesus ficaram doravante entregues a funcionários do estado ou a um clero regular não raro composto por homens destituídos de sincera vocação para uma vida religiosa ou sacerdotal condignas e de notória licenciosidade moral.

A extraordinária máquina administrativa montada pelos jesuítas em seus aldeamentos, alicerçada no apostolado da educação e na disciplina bem como na proteção do silvícola converso, não estava alheia às vicissitudes de seu contexto social e histórico; mas era, sem dúvida, o melhor que uma Europa colonizadora podia oferecer a uma nação de conquistados no Novo Mundo. A despeito de qualquer intenção pacificadora que porventura estivesse por detrás da conversão do íncola, pacificando-o e permitindo o avanço da conquista, não se pode deixar de reconhecer o extraordinário empenho dos inacianos em preservar o silvícola da sanha escravocrata dos colonos e a maneira intransigente com que defendiam- nos.98

Conforme testemunhou o viajante naturalista Auguste de Saint-Hilaire, francês que visitou Muribeca cerca de 50 anos depois da expulsão dos jesuítas, os aldeados foram abandonados à própria sorte e muitos terminaram na indigência. Ao comparar a realidade decadente ao passado de florescimento daquela antiga fazenda jesuítica, constatou a triste realidade que se estabelecera a partir de 1760 com o afastamento daqueles que tanto haviam brigado pela preservação física e moral de

97 BALESTRERO, H. L. op. cit. p. 92.

98 É emblemático o caso do jesuíta Padre Antonio Dias que se negou, em 1594, a entregar índios

aldeados aos portugueses que pretendiam escraviza-los. Os jesuítas de fato brigavam pelos índios e os assistiam na medida de suas forças. Isso não raro levou a antagonismos entre a Companhia de Jesus e o projeto de colonização na montagem da empresa açucareira que se instalava na América portuguesa. cf.: BALESTRERO, H. L. op. cit. p. 91.

seus catequizandos “tratados como escravos, condenados a rudes trabalhos, os índios foram aniquilados ou se dispersaram.”99

Do ponto de vista do poder despótico ilustrado português o expurgo da influência jesuítica foi um sucesso, não há referências de qualquer reação de vulto ante a determinação do banimento da Ordem dos domínios portugueses e no caso específico do Espírito Santo observa-se a completa subserviência dos inacianos ao cumprimento do Alvará pombalino. Mas do ponto de vista dos nativos indígenas que tinham no evangelismo jesuítico um porto seguro ante a sanha escravizadora que a ordem econômica da empresa colonial impunha, tal ato foi um verdadeiro desastre que se arrastaria por mais de um século e encontraria seu último e trágico capítulo a guerra que visava o extermínio dos índios botocudos, cujos poucos sobreviventes seriam vistos em terras capixabas ainda na primeira metade do século XX.

Gabriel Bittencourt, tomando ainda por base as impressões do naturalista francês Hilaire, evidencia bem o contraste entre a efervescência dos antigos aldeamentos administrados pelos jesuítas e a decadência que se verificou sob as administrações coloniais e, posteriormente, dos próprios governadores da Província no contexto pós-independência

Eram obrigados a trabalhar na “Estrada de Minas”, no hospital de Vitória, ou na “nova Vila de Viana”, mal alimentados e, às vezes, sem remuneração. Aqueles que se recusassem a essa tirania eram amarrados à Villa de Vitória, e muitos sucumbiram em meio aos rudes trabalhos a que os haviam condenado. Ao tempo dos jesuítas, contavam 3700 índios que ficaram reduzidos para apenas 1200. ao tempo de Saint-Hillaire.100

Expulsos os jesuítas, Cariacica permaneceria por longo tempo ao gosto da ocupação esporádica de colonos que afluíram para tomar posse das antigas fazendas por aqueles erigidas, como as de Maricará, Itapoca, Roças Velhas e Cauíra. Dentro da lógica ocupacional dos dois primeiros séculos do Brasil Colônia, o privilegiamento do litoral sobretudo em virtude da proximidade com o mercado externo aliado ainda com as dificuldades advindas da baixa oferta de capitais para o empreendimento colonizador no Espírito Santo terminou por caracterizar a formação

99 HILAIRE, Auguste de Saint. Segunda Viagem ao Interior do Brasil: Espírito Santo. (tradução

de Carlos Madeira). São Paulo, Companhia Editôra Nacional: 1936. p. 20.

100 HILAIRE, Auguste de Saint. Viagem ao Espírito Santo e Rio Doce. (tradução de Milton Amado).

Belo Horizonte: Itatiaia, Editora da Universidade de São Paulo, 1974 p. 20. In: BITTENCOURT, Gabriel A. de M. op. cit. p. 101.

populacional mais ao interior em torno das fazendas jesuíticas interligadas com a ilha de Vitória, para o colégio de São Tiago, utilizando-se para o transporte e escoamento econômico os cursos fluviais disponíveis. O posterior banimento da Companhia de Jesus e o encerramento da experiência frutuosa dos núcleos de aldeamento e fazendas dessa Ordem religiosa terminaram por prejudicar um potencial de formação populacional no interior da Capitania e confirmou-se a tibieza ante a exuberante Mata Atlântica que somente seria atravessada de fato num contexto da imigração e da posterior expansão da economia industrialista inserida na lógica do capitalismo moderno.

Assim, ao fim da era colonial (1815), Cariacica, enquanto uma antiga extensão do projeto ocupacional emanado da ilha de Vitória, consistia num conjunto de pequenos povoados onde ainda subsistiam cerca de quatro engenhos de açúcar de grande porte e dez de pequeno porte totalizando quatorze núcleos produtores de açúcar; e ainda nas proximidades de Viana, compreendendo a foz do rio Cariacica e o porto de Itacibá, remanesciam outros vinte engenhos açucareiros de grande porte e doze de pequeno porte. Em 1816 um relatório do Governador da Capitania, Francisco Alberto Rubim da Fonseca e Sá Pereira nos dava um panorama aproximado do quadro humano de Cariacica com o número aproximado dos moradores em 2.186 habitantes, usando 345 moradias.101

2.3 Imigração e Emancipação política no período monárquico: freguesia de