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CAPÍTULO V – OS VIZINHOS

5.4 CARICOM

O Tratado que institui a Caricom – Caribbean Community – assinado há 38 anos, em quatro julho de 1973, em Chaguaramas, Trinidad e Tobago, simboliza importante passo para a integração regional, desde que os três primeiros-ministros Burnham498, Barrow499 e Bird500 se sentaram em Dickenson Bay, Antigua, para assinar o Acordo de Livre Comércio do Caribe – Carifta.

Não obstante o objetivo anunciado fosse a integração, com a consoliação dos laços históricos existentes501, houve mal-entendidos e mal-estar entre seus membros. As desavenças que começaram a aparecer no contexto da Carifta – Caribbean Free Trade Association – redundaram em renovado questionamento sobre a necessidade da Caricom – Caribbean Community. A preocupação que permeava tanto o setor privado como o público do grupo se centrava no desequilíbrio das trocas comerciais entre seus Estados-membros.

A Organização de Estados do Caribe Oriental – OECS502 atrai crescente atenção ao desequilíbrio das trocas comerciais com Trinidad e Tobago. Essas preocupações, entre outras, levaram-na a adiar a implementação de adesão ao Mercado Único. Problema sentido pela Jamaica que durante décadas apresentou saldo comercial positivo com os demais países da Caricom, passou a importar cada vez mais, invertendo a balança comercial.

Edward Seaga, ex-primeiro-ministro da Jamaica, crítico ácido da Caricom, instituição por ele rotulada de claudicante e com o mal hábito de querer “jogar grande”,

498 Forbes Burnham, Primeiro-ministro da Guiana 499 Errol Barrow, Primeiro-ministro de Barbados 500 Vere Bird, Primeiro-ministro de Antigua e Barbuda 501 Preâmbulo do contrato que criou o Caricom 502 OECS, em Ingles

assumindo compromissos e débitos de pouca utilidade503, sentiu que a participação no

mercado único causaria estragos à economia jamaicana que não teria como competir com outros países da região, que têm menores custos de produção. Em relação à Guiana, apesar do mercado favorável para o açúcar e o arroz, seus principais produtos de exportação agrícola, há desequilíbrio comercial com o resto da região.

A fundação das instituições que originaram a Carifta e, posteriormente, a Caricom foram difíceis. Havia resentimento e desconfiança pelo recente fracasso da Federação das Índias Ocidentais. A Guiana, como não tinha participado dessa federação, pôde iniciar a criação de uma entidade regional, sem qualquer forma de recriminação. Essa situação deu ao então primeiro-ministro Burnham a oportunidade de preencher, por assim dizer, o vácuo de liderança. Ele desempenhou o papel de vanguarda, sendo a razão pela qual a principal instituição do movimento, a Secretaria da Caricom, está localizada em Georgetown.

O escopo da instituição é “satisfazer as esperanças e aspirações de seus povos para o pleno emprego e melhoria da qualidade de vida”, conforme exposto no preâmbulo do Tratado de Chaguaramas. Para alcançar esse desiderato, os chefes de governo, conscientes da necessidade de uma ação regional conjunta, pretendiam otimizar seu material humano e recursos naturais. Igualmente, estavam convencidos sobre a necessidade de se apresentarem unidos perante o mundo.

A ação conjunta se daria em três áreas: mercado comum, cooperação funcional – ou seja, fazer coisas juntos, desde que eficiente e rentável – e, por fim, coordenação da política externa, por meio da qual os Estados-membros adotariam, tanto quanto possível, posições comuns sobre as grandes questões internacionais.

Ao longo dos anos, marcante mudança residiu no aprofundamento do comércio intrarregional para o mercado comum e deste para o mercado único, onde cada Estado- membro acelera o comércio com os demais integrantes do grupo. Também merece destaque a criação da Corte de Justiça do Caribe, descrita por alguns como ociosa504, cuja função é

503 Disponível em: <http://jamaica-gleaner.com/gleaner/20060423/sports/sports8.html>. Acesso em: 08 jul. 2011. 504 Ibid.

interpretar o Tratado de Chaguaramas e ser a última instância para os Estados-membros da Caricom505.

Apesar desses avanços, é temerário afirmar que houve melhoria nos padrões de trabalho e vida da população. Tampouco que tenha ocasionado desenvolvimento. Basta olhar a situação de alguns membros como a Guiana, o Suriname e o Haiti para entender a desigualdade na Caricom. Entretanto, vale frisar, o objetivo do grupo nunca foi de proporcionar uma alternativa ao programa de desenvolvimento nacional, porque isso afetaria a soberania. O verdeiro escopo é ser um front comum perante o mundo. A integração proporciona oportunidades adicionais para o desenvolvimento nacional e será eficaz na medida em que cada Estado-membro tenha um conjunto de políticas de desenvolvimento bem concebida e corretamente aplicadas.

William Demas506, ex-secretário-geral do Carifta e para muitos seu idealizador, em

seu último trabalho, sublinhou este ponto: “A integração tem um papel importante na criação de oportunidades de desenvolvimento, mas os setores público e privado têm que ser ativos. Se o setor privado está despreparado para aproveitar as oportunidades criadas, não há desenvolvimento, nem diversificação da produção e das exportações. A integração é auxiliar, para ser significativa, os agentes econômicos devem ser dinâmicos e explorar todas as oportunidades criadas507”.

A questão de competitividade, ressaltada pelo jamaicano Edward Seaga508, jamais obstaculiza o ingresso no mercado único. Ao contrário, o objetivo deste é precisamente promover a melhoria da produção e redução dos custos, para que os produtos de um Estado- membro se tornem aptos a penetrar em mercados de outros e, assim, estimular o produtor nacional, que se encontra enfrentando a concorrência de fora, para se tornar competitivo.

Nessas três décadas de integração é difícil afirmar se a promessa inicial de emprego e de padrões elevados de trabalho e de vida foi alcançada. Apesar das estatísticas indisponíveis,

505 Disponível em: <http://www.caribbeancourtofjustice.org/>. Acesso em: 08 jul. 2011.

506 Disponível em: <http://www.nalis.gov.tt/Biography/Demas_William-Biography.html>. Acesso em: 08 jul. 2011.

507 Adjustment and recovery in the caricom economies statement by William G. Demas president of the Caribbean Development Bank to the board of governors at the fourteenth annual meeting held in kingston, Jamaica.

sabe-se que o comércio intrarregional, que já foi de 10% do comércio total da região, aumentou para cerca de 20%, fato que certamente gerou novos empregos.

Na situação particular da Guiana, o mercado da Caricom absorve um terço da produção total de açúcar e um quinto da de arroz, percentuais que aumentarão, quer pela venda de açúcar refinado, quer pelos obstáculos à penetração de arroz estrangeiro para o mercado comum509.

Embora a Caricom apresente resultados positivos para a Guiana, há uma percepção generalizada de que a integração regional, mesmo que relevante, faz-se lenta e à margem da efetiva participação popular.510 A cooperação, de vital importância para a Caricom, destaca-se como um bom caminho para a integração entre territórios não contíguos. Nesse espaço, os Estados-membros separam-se uns dos outros por via marítima.

A leitura de jornais da Guiana, Stabroeknews 511, da Jamaica, Jamaica-gleaner512, de Trinidad, Trinidadexpress513 e de Barbados, Nationnews514, ao longo desta pesquisa, indica

que as populações dos Estados-membros se interessam por uma estreita integração, não como um fim em si, mas como meio de melhorar a condição de vida. Isso a Caricom não faz sozinha. Há necessidade de ações coordenadas de governos e empresários caribenhos.

Não obstante a Caricom falhar em apresentar resultados significativos para a população de seus Estados-membros, todos têm plena ciência, inclusive na Guiana, de que a integração é a única alternativa para os pequenos Estados do Caribe. Sem ela, sobra marginalização e isolamento.

Um ponto crucial para o Caribe foi a decisão do Reino Unido de se juntar à então Comunidade Européia, em 1973. Naquela ocasião, o acesso privilegiado que tinha ao mercado britânico estava comprometido e se anularia sem as preferências que o Commonwhealth assegurava.

509 Statistical Bulltetin. Bureau of Statistics, 2009

510 SANDERS, Ronald. Crumbled Small. London: Hansib, 2005, p. 93. 511 Disponível em: <http://www.stabroeknews.com/>. Acesso em: 08 jul. 2011. 512 Disponível em: <http://jamaica-gleaner.com/>. Acesso em: 09 jul. 2011. 513 Disponível em: <http://www.trinidadexpress.com/>. Acesso em: 09 jul. 2011. 514 Disponível em: <http://www.nationnews.com/>. Acesso em: 09 jul. 2011.

Por isso, a Caricom surgiu em 1973, dois anos depois, os países caribenhos – em destaque a Guiana – participaram da fundação do grupo ACP - África, Caribe e Pacífico515. Fizeram o mesmo em 1976, nas negociações que resultaram no Tratado de Lomé516, na República do Togo, que preservou os mercados preferenciais e aumentou o quantum de assistência econômica.

No auge da Guerra Fria, as superpotências consideravam o espaço político caribenho como importante arena geo-estratégica. Com a desintegração da União Soviética, os Estados Unidos da América perderam o interesse na região, com a consequente redução dos programas de auxílio.

Nos anos 1980 e 1990 as garantias obtidas pelo Tratado de Lomé começaram a desmoronar, resultando em baixa do preço de commodities. Isso se deve a uma série de fatores. Primeiro, o peso da consciência colonial das antigas metrópoles começou a se desvanecer. Em segundo lugar, a União Européia se alterou fundamentalmente com a admissão de novos Estados-membros – principalmente da Europa Oriental –, sem ligação com ex-colônias. Em terceiro lugar, a União Européia cada vez mais se fecha. Resultado: apesar do enorme esforço diplomático, o Caribe perde relevância diplomática em seus antigos mercados preferênciais. Busca novas esperanças na China, Rússia e Índia, parceiras do Brasil no BRICS.

Para a própria Guiana, aprofundar-se em termos econômicos com a Caricom parece bastante difícil. “Vários fatores contribuem para que se chegue a essa conclusão, entre os quais se cita a semelhança dos produtos exportados por esses países e, principalmente, o mesmo nível de atraso tecnológico em que se encontram517”.

Mais fundamental ainda é a mudança na estrutura moral do contexto internacional. Se você é pequeno e fraco, precisa de regras de proteção. Na prática, isso raramente ocorre518.

Esses Estados, simplesmente ignorados, ficam expostos e vulneráveis. As instituições internacionais, em especial as Nações Unidas, embora aparentemente universalistas – um

515 Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Pa%C3%ADses_ACP>. Acesso em: 09 jul. 2011. 516 Disponível em: <http://en.wikipedia.org/wiki/Lom%C3%A9_Convention>. Acesso em: 09 jul. 2011. 517 BERNARD, op. cit., p. 1708.

membro, um voto – nunca funcionaram dessa maneira. A pauta, quem fixa são os Estados poderosos.

Nesse novo contexto, desprovido de mercados preferenciais, a Caricom tem estabelecido uma nova diplomacia para sua sobrevivência, que pressupõe se aproximar da Ásia e da África, o que pode ser feito até com base em laços étnicos, e incrementar relações com seus vizinhos latino-americanos.

No âmbito da Organização Mundial de Comércio (OMC), a Caricom ensaia buscar com o Brasil, a Índia e a China uma agenda de defesa aos interesses dos pequenos Estados. A Guiana está em posição privilegiada para servir de ponte para esses relacionamentos, quer pelas fronteiras com o Brasil, quer pelos laços étnicos que tem com a China e a Índia.