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CAPÍTULO III – PONTES PARA O MUNDO: A GUIANA NO CONTEXTO

3.7 DO AMBIENTALISMO GENÉRICO AO PRÊMIO CHAMPION OF THE EARTH

No cenário internacional de reconhecimento de novas responsabilidades, a questão ecológica da Guiana, como um país amazônico, tem seu lugar. Em 2007, o presidente guianense, Bharrat Jagdeo, em carta ao primeiro-ministro britânico, Gordon Brown, propôs a guarda internacional de suas florestas (50 milhões de acres). Trata-se da maior oferta já feita no mercado de carbono. Segundo a proposta, a floresta seria gerida por um consórcio internacional, sob liderança britânica. Comprometendo-se o Reino Unido a fornecer apoio para o desenvolvimento sustentável da Guiana.

342 BERNARD, op. cit., p. 10. 343 HOYTE, op. cit., p. 123.

Essa proposta, em estudos com o governo britânico, abriu caminho para que a Guiana firmasse acordo similar – o primeiro do gênero na história – para gerenciamento da reserva Iwokrama, que significa “lugar de refúgio”, no idioma Macuxi. A empresa Canopy Capital344 paga pela reserva de carbono e pela manutenção de serviços como medição dos índices de pluviosidade, regulação climática, geração e armazenamento de carbono, dentre outros.

Dada a relevância político-ambiental desse acordo sobre administração internacional de floresta, seus efeitos certamente ressoarão no Brasil. A rodovia que liga Georgetown a Roraima atravessa 72 quilômetros da área central da reserva de Iwokrama e pode limitar o trânsito.

Ao se comprometer a renunciar a um modelo agrícola que envolveria o desmatamento, em troca de uma economia sustentável, a Guiana obteve projeção mundial. Em 2008, a revista Times apontou Bharrat Jagdeo como Herói do Meio Ambiente345, por sua

proposta de compensação financeira internacional pelos serviços ambientais que as florestas da Guiana prestam, como biodiversidade, regulação de água e sequestro de carbono.

O presidente guianense também foi nomeado, pelo secretário-geral da ONU, Ban Ki- moon, para o Painel Consultivo de Alto Nível da ONU sobre Financiamento e Mudança Climática. Em 2010, Jagdeo recebeu o cobiçado prêmio Champion of the Earth, a mais alta condecoração da ONU para lideranças ambientais, por seu combate às alterações climáticas e seu programa de desenvolvimento econômico de baixo carbono que tem preservado as florestas346. Os quarenta mil dólares da premiação foram doados às comunidades indígenas da Guiana.

344 A Canopy Capital é assim dividida: 20% pertence ao Global Canopy Programme, programa de caridade britânico e 80% a investidores internacionais, dentre os quais se destaca a Waterloo Foundation, fundação britânica de assistência social e proteção ambiental.

345 Disponível em:

<http://www.time.com/time/specials/packages/article/0,28804,1841778_1841779_1841799,00.html>. Acesso em: 24 jun. 2011.

346 Disponível em: <http://www.stabroeknews.com/2010/news/stories/04/23/president-jagdeo-receives-unep- champion-of-the-earth-award/>. Acesso em: 24 jun. 2011.

Essa estratégia de “Desmatamento Evitado”, que segundo os discursos oficiais transforma as florestas da Guiana em sumidouro de carbono, é rotulada de propagandística347, visto que a maior madeireira do país, Barama – subsidiária da malaia Samling – atua livremente no país. Suas concessões cobrem 1,6 milhões de hectares, 8% do território nacional348. Opera na fronteira com a Venezuela, em plena Zona en Reclamación. Caracas

assiste a tudo passivamente.

Empresas estrangeiras devastam as florestas guianenses como as malisianas: Berjaya Group, Solid Timber Holdings, Leeling Timber, Kwitaro Investiments Incorporated e a canadense: Buchanan Group349. Madeireiras atuam impunemente e sem qualquer preocupação ambiental. A Guyana Forestry Commission – GFC, responsável pelo monitoramento florestal, carece de recursos humanos e financeiros para fazer cumprir a lei. Uma área do tamanho de Portugal – 92.270 km2 –, segundo o Greenpeace, está licenciada

para retirada e venda de madeira, inclusive em terras indígenas. O país tem apenas duas áreas protegidas o Kaieteur National Park e a reserva Iwokrama350.

Embora essas concessões sejam originárias da década de 1990 – governo Cheddi Jagan (1992-1997) – a extração de madeira continuou, apesar da moratória sobre a emissão de novas licenças. Georgetown criou uma locação exploratória que na prática equivale aquela.

Bharrat Jagdeo, em declaração infeliz, afirmou que: “temos minerado e derrubado árvores por mais de cem anos, ainda assim 85% do nosso território continua coberto por matas”351. Essa afirmação induz acreditar que a exploração desenfreada é incapaz de destruir as florestas locais. A prática mostra uma realidade bem diferente.

A Amerindian Peoples’ Association acusa o governo de ignorar os direitos indígenas, de deslocar tribos inteiras para permitir a exploração florestal de suas terras e de ser

347 Disponível em: <http://www.redd-monitor.org/2010/06/18/climate-change-is-good-business-says-bharrat- jagdeo-guyanas-president/>. Acesso em: 25 jun. 2011.

348 Disponível em: <http://archive.greenpeace.org/comms/97/forest/asian_companies_guyana.html>. Acesso em: 25 jun. 2011.

349 Ibid. 350 Ibid.

351 Disponível em: <http://www.redd-monitor.org/2010/06/18/climate-change-is-good-business-says-bharrat- jagdeo-guyanas-president/>. Acesso em: 26 jun. 2011.

indiferentes aos garimpeiros brasileiros que entram no território ao longo das estradas abertas pelas madeireiras352.

Essas discrepâncias entre o discurso oficial guianense e a realidade do país se unem ao ativismo verde internacional, nem sempre identificado com a justiça social internacional. Bharrat Jagdeo lembrou disso ao dizer: “há um monte de promessas lá fora, mas quando se trata de provisão de recursos financeiros, a retórica não coincide com a ação. O fracasso em Copenhague é prova disso.353”

A missão conservacionista de Georgetown é hercúlea: conciliar a proteção ambiental com o progresso e redução da pobreza. Por isso, precisa de aporte substancial de recursos da comunidade internacional para trocar o verde da floresta pelo verde do dólar, pois como disse Indira Gandhi: “o maior inimigo do meio ambiente é a miséria”354.