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5. DISCUSSÃO

5.10. Carreira

Tanto Ana quanto Bia têm a sensação de que precisam redefinir e redesenhar a carreira. Antes, precisavam trabalhar para sobreviver. Atualmente, elas podem fazer algo que traga mais prazer e um retorno financeiro, pois contam com a retaguarda dos maridos. Ambas engravidaram sem estar no pico da carreira.

Ana não conseguiu escolher o que queria fazer. Sempre escolheu empregos oferecidos por amigos ou alguém da família. Ela pegava o que aparecia. Não centrou e tomou a decisão sobre o que queria fazer e para onde queria ir na trajetória profissional. Por precisar se sustentar, não teve controle e possibilidade de fazer escolhas profissionais. Estava sempre em busca de algo a esmo. Perdeu o foco de algo linear, ascendente e especializado. Para Ana, ficar com o filho numa próxima gravidez é bastante considerado, quase uma escolha certa.

Bia, depois de anos em uma mesma empresa na área administrativo-financeira, pediu demissão por não ter mais como crescer na carreira profissional. Saiu para fazer um curso de inglês no exterior. Nessa altura, engravidou.

O curso de inglês não foi suficiente para aumentar sua empregabilidade como ela gostaria. Por isso, optou pela carreira do serviço público, pois ali poderá encontrar estabilidade e aposentadoria integral, algo de extremo valor para ela, por trazer a segurança que acredita precisar para ter uma história diferente da de sua mãe.

Bia precisou redesenhar a carreira, pois não conseguiu o resultado esperado apenas com o Inglês fluente. Ela está se dedicando a um concurso para ter estabilidade em médio e longo prazo.

Sobre esse assunto, Paglia (2012) reforça que o feminismo não foi honesto com as mulheres, pois acabou as iludindo no mercado de trabalho, principalmente do ponto de vista

das feministas radicais, afirmando que era possível cuidar primeiro da carreira e depois ter filhos. Neste caso, a dificuldade encontrada pela limitação da natureza biológica da mulher, e também por não ser tão fácil e nem tão linear a construção de uma carreira, Ana e Bia precisaram cuidar da busca por um emprego, e buscaram vivenciar a maternidade em um momento de limite de perda das duas potências: profissional (estão velhas para o mercado) e emocional (estão no limite biológico da possibilidade de conceber um filho). Ana passou por dificuldade orgânica; Bia obteve um resultado favorável.

Não concordo que o feminismo tenha sido culpado pelos eventos sobre a maternidade tardia. O que ele fez foi defender para as mulheres a posição de igualdade de direitos, estimulando-as a sair da posição tradicional que a sociedade lhes reservava. Estudaram mais, tiveram mais chance no mercado de trabalho, justamente com as mudanças econômicas e sociais. Com isso, tiveram que se reposicionar em relação a casamento, filhos e trabalho. O progresso científico e tecnológico, a reprodução assistida e aceitação cada vez maior dos direitos de escolha das mulheres em serem mães ou não, junto às dificuldades de educar uma criança com boas condições de saúde, educação, conforto, associadas à facilidade de controlar a natalidade, contribuíram também para a mulher adiar o projeto de casamento e filhos. Entretanto, não tenho dúvida de que abriu-se a possibilidade de as mulheres terem outras chances de escolher. O feminismo nunca falou: ‘não precisa ter filho’ ou ‘deixe para mais tarde’. Não se pode chamar de “crueldade” o fato de que, de alguma maneira, as mulheres tomaram o discurso feminista ao pé da letra e, com suas expectativas, sobrecarregaram-se de dupla, e até tripla jornada, às vezes, além da dificuldade de conciliar o tempo, em função do limite biológico.

Atualmente, as mulheres têm mais possibilidades, podem escolher não se tornar mães, mas, querendo se casar e ter filhos, é necessário ficarem muito atentas às limitações estruturais/biológicas. Pois, nesse caso, existe a dificuldade encontrada pela limitação da natureza biológica da mulher e também em função de o investimento e da construção da carreira não ser um processo nem tão fácil, nem tão linear.

Ana e Bia estavam lidando com um emprego e não com uma carreira profissional. Apesar de Bia ter ficado superatenta a esse aspecto e ter buscado cursos para crescer na sua área, no organograma daquela empresa não havia possibilidade de crescimento. Ambas precisavam se manter e, buscaram vivenciar a maternidade.

5.11. Apoio financeiro

Tanto o marido de Ana como o de Bia trabalham e conseguem prover as necessidades do dia a dia e os custos fixos da casa, sem muito luxo. Parece que um lado das mulheres ainda gosta da subordinação ao pai ou ao marido, principalmente por vivenciarem uma experiência que forneça uma desculpa nobre, do ponto de vista social. Elas abrem mão de trabalhar fora e de ser independentes. Uma possibilidade é de que, talvez por elas saberem que, se precisarem, serão capazes de trilhar um caminho já conhecido, deram a si o direito de escolher ficar em casa cuidando do filho.

5.12. Aborto

Tanto Ana quanto Bia já abortaram, por não se sentirem preparadas emocionalmente para serem mães, no passado. Como sabemos, o aborto é um assunto polêmico e, no Brasil, ainda ilegal. No caso de Ana e Bia parecia uma falta de preparo emocional e um descompasso entre o biológico e o emocional, conforme FIGURA 2.

5.13. Papel de mãe

O papel de mãe talvez pudesse preencher um vazio existencial que Bia sentia pela falta paterna, ou pela falta de estrutura, suporte e apoio durante a infância. A fé e a religião já ocupavam um grande espaço em sua vida quando veio procurar a terapia.

Ana trazia consigo mais a questão de não se diferenciar de seu grupo familiar, em função da lealdade. No entanto, ela precisou se distanciar para conseguir se casar e estruturar sua família nuclear e buscar ter um filho, dessa vez aprovado pela família de origem. Nunca haveria uma aprovação plena, pois sua família é muito intelectualizada e crítica.

Ana também sente medo de abrir mão de sua individualidade, liberdade e controle em função de ser uma mãe “babada”, como ela própria menciona.

5.14. Necessidades paradoxais

No fundo, bem ou mal, existe essa pressão e esse paradoxo: Ana e Bia querem viver a maternidade. Porém, fica muito difícil em determinada época da vida ter de abrir mão das outras possibilidades que a vida oferece para ter um filho.

Muitas mulheres sofrem devido à incerteza sobre quem são e o que querem. Elas precisam se comportar como homens e ser capazes de amar como mulheres. Além disso, nossa sociedade é materialista e voltada para o status, como ressalta Paglia sendo entrevistada por Buscato. (2012, p.90)

Na cultura brasileira, a porcentagem de adoção ainda é muito baixa. Por outro lado, existe um aumento ou melhoria do nível educacional, possibilitando melhores trabalhos e a valorização da tecnologia na reprodução. Isso acaba por reforçar a crença de que antes dos 40 anos não é preciso ficar tensa e nem ansiosa para ter filhos, pois é possível aguardar até a menopausa. A imprensa aumenta essa confiança, informando que é possível congelar os óvulos e usar até os 50 anos, para engravidar, favorecidas pelo aumento da idade média e da expectativa de vida.

5.15. Recasamento

Ana vivencia um recasamento, tanto dele como dela. Quanto maior a idade, mais a tendência de a mulher e do homem ter vivido outra relação afetiva e sexual significativa, e ter uma maior maturidade frente às questões da vida. O segundo casamento tende as ser vivido com mais maturidade e, talvez, com mais “dados de realidade” e menos fantasia e ilusão.

Bia vivencia seu primeiro casamento conforme manda o protocolo. Mas seu marido teve uma separação muito complicada e tem dois filhos do casamento anterior. Ele cedeu muito para responder à necessidade dela, tanto em relação ao casamento quanto à maternidade.