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Carta de arquitectos de Lisboa endereçada a Artur Andrade

4. ACTIVIDADES DE ÂMBITO ASSOCIATIVO E CÍVICO

4.6. Carta de arquitectos de Lisboa endereçada a Artur Andrade

Aquela referência ao ante-projecto da Exposição Industrial no artigo “Porto: Intercâmbio profissional”254 é uma menção não explícita ao caso ocorrido alguns meses antes da publicação do artigo: um conjunto de arquitectos de Lisboa, no qual Jorge Ferreira Chaves estava incluído, enviou, em 12 de Agosto, logo na sequência do encontro de arquitectos, uma carta contendo uma “mensagem de aplauso e solidariedade” ao arquitecto Artur Andrade (1913-2005)255. Manifestam repúdio pela situação em que ficou aquele projecto que, “logo após ter sido divulgado, como vencedor por um júri constituído exclusivamente por arquitectos, é posteriormente rejeitado pela entidade oficial encomendadora do projecto que não viabiliza a sua construção.”256 Nessa carta, pode ainda ler-se:

(...) proporcionaria ao Porto e ao próprio país - tão pobre de grandes construções - a oportunidade de contar com um edifício capaz de representar um benéfico e relevante papel na vida nacional.

Tudo isto pareceu-nos, a nós arquitectos, de uma evidência flagrante. E custa-nos a compreender como foi possível pôr entraves à realização de uma tão útil e bela obra com argumentos tão frágeis como os que foram invocados.

Oxalá aqueles que contrariam a realização do seu trabalho possam ainda, melhor avisados, reconsiderar sobre as decisões tomadas. (...)257

A relevância desta acção, por ser pioneira, é evidenciada por Edite Maria Figueiredo e Rosa: “No contexto português do pós-guerra, há um projecto que toma especial relevância como semente de contestação e que justifica um empenho colectivo: o projecto de Artur de Andrade para a Exposição Industrial Portuguesa. Este projecto adquire uma importância singular, por se constituir como o primeiro protesto publicamente assinado por um colectivo de arquitectos que exigem a liberdade artística para o exercício da profissão, em manifesta oposição ao estilo imposto pelas entidades oficiais.”258

Os signatários da carta são maioritáriamente os arquitectos ligados às actividades da ICAT, mas curiosamente é também assinada por elementos mais conotados com o regime como Cottinelli Telmo (1897-1948) e Porfírio Pardal Monteiro.

A revista Arquitectura publicou ainda sobre este caso no seu nº 21, de Março de 1948, a resposta de Artur Andrade, datada de 10 de Fevereiro de 1948, que reforça e clarifica o significado daquela acção:

(...) As palavras de amizade e encorajamento que aquela carta contém foram, por mero acaso, a mim dirigidas. Em rigor elas constituem uma manifestação de apoio e solidariedade a todos aqueles que aproveitando as grandes e as pequenas oportunidades lutam por uma coerente e digna prática da autêntica

254 FERNANDES, Inácio Peres - “Porto: Intercâmbio profissional”. Arquitectura: Revista de Arte e Construção nº 19, Janeiro de 1948. pp. 5, 6.

255 AA. VV. - “Um caso digno de menção” [carta a Artur Andrade]. Arquitectura: Revista de Arte e Construção, 2.ª série, ano XX, n.º 17/18, Jul./Ago.1947. p. 6. [Doc. A 26].

256 ROSA, 2005, p. 63.

257 AA. VV. - “Um caso digno de menção” [carta a Artur Andrade]. Arquitectura: Revista de Arte e Construção, 2.ª série, ano XX, n.º 17/18, Jul./Ago.1947. p. 6. [Doc. A 26].

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moderna Arquitectura e que ao reivindicar uma imediata revisão e actualização do seu conceito têm apenas em vista o engrandecimento e o prestígio do nosso querido país.

Ao verdadeiro significado e objectivo dessa manifestação quero, pois, associar-me também.

(...) Pela seriedade dos nossos actos e pela responsabilidade da nossa missão é a nossa consciência e a nossa dignidade profissional quem fala primeiro. E depois o futuro.

4.6.1. Interferência de serviços do estado, sobre projectos de Jorge Ferreira Chaves

O caso anterior tem, no contexto do presente trabalho, um duplo interesse - por JFC ter estado envolvido e por ter ele próprio tido dois projectos que se enquadram nesta problemática.

Sobre a questão da censura sobre a arquitectura durante o Estado Novo, Francisco Silva Dias observa que:

Surge, de quando em quando, com frequência crescente de algum tempo a esta parte, a questão de saber se a liberdade de expressão no campo da arquitectura sofreu efeitos repressivos durante o Estado Novo e se o fazer moderno ou “português suave” era uma opção pessoal, uma questão de estilo, e se o desenho é politicamente neutro e que não houve censura e sobre tudo isto se estende o véu do branqueamento.259

O presente trabalho poderá acrescentar ao conhecimento sobre esta questão, os casos desses dois projectos de JFC.

Caso do projecto para um edifício na R. Braancamp em Lisboa

Este caso deverá ser objecto de um estudo mais aprofundado pois, para o presente trabalho não foi possível reunir toda a documentação que importaria apresentar. Os documentos ora apresentados são, no entanto, sugestivos.

No início do anos 50, JFC realizou um projecto para um edifício na R. Braancamp em Lisboa, que foi indeferido por o desenho das fachadas não se enquadrar no partido pretendido pela CML para aquela artéria da cidade. Podemos observar, num extracto do despacho relativo à apreciação da primeira versão do ante-projecto, que o deferiu, com algumas condicionantes ao desenvolvimento do projecto, uma advertência sobre o aspecto exterior do edifício:

“(...) que a composição dos alçados deve merecer do técnico autor cuidadosa atenção”260

JFC elaborou então uma segunda versão do ante-projecto em que alterou substancialmente a composição de fachadas. Na sua memória descritiva encontra-se uma alusão à condicionante imposta, quanto ao partido estético:

(...) Sentimos que a solução ideal em fachadas ainda não foi encontrada mas o projecto definitivo dar-nos-há essa oportunidade, assim a Câmara se digne aprovar este ante-projecto no «partido» agora adoptado. JFC, 1 de Maio de 1950 261

259 DIAS, 2007, p. 8.

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Esta segunda versão acabou também por ser indeferida. Na justificativa do despacho da 3ª Repartição de Arquitectura, assinada pelo arquitecto António Couto Martins, em 23 de Maio de 1953, entre aspectos que aparentemente seriam sanáveis, é novamente invocada a advertência anteriormente proferida quanto às “características” dos alçados que, na sua opinião, tinham sido mantidas:

“Analisado o presente projecto relativamente aos antecedentes, esta Repartição propõe que o processo seja arquivado, em virtude dos seguintes inconvenientes:

(...)

3º Os alçados, acerca dos quais foram feitas determinadas observações quando da apreciação do anteprojecto, mantêm as caracteristicas iniciais. (...)”262

Fig. 16 Projectos de JFC para a R. Braancamp em Lisboa. Ambos indeferidos pela CML. A) 1ª versão. B) 2ª versão. Arquivo JFC.

Caso do projecto para a Agência da CGD de Serpa

A obra de JFC da Agência da Caixa Geral de Depósitos de Serpa foi alvo uma intervenção à revelia do seu autor, nos termos que podem ser observados em duas cartas, de 1962 e 1963, enviadas pelo Presidente da Câmara de Serpa à Administração da CGD e respectiva Comissão de Obras:

261 Memória Descritiva do “Ante-projecto de um edifício que a Caixa Sindical de Previdência do Pessoal da Industria de Cerâmica pretende construír no seu terreno sito na Rua Braancamp nº 5 tornejando para a Rua Mousinho da Silveira em Lisboa”. 1 de Maio de 1950. Arquivo JFC. [Doc. A 32].

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(...) a Câmara está empenhada em levar a cabo um arranjo urbanístico especial dentro das muralhas, para que a vila conserve a sua tradição, que lhe recorde o seu passado de grandeza. (...)

O único prédio que existe dentro das muralhas e no ponto principal da vila (Praça da República), em estilo modernista ou futurista, é o da vossa agência. Por este facto permitimonos solicitar a essa Dig.ma Administração o especial favor de mandar modificar a frontaria do aludido edifício (1º andar), no sentido de lhe ser dado um arranjo que se coadune com a época em que foram feitas as outras construções existentes na mesma praça.

Confiando no espírito criterioso e altamente Nacionalista de V.Exªs. a Câmara espera ver deferida esta petição. (...)263

Recebemos hoje com prazer a visita de dois Delegados dessa direcção, a fim de se concretizar certos pormenores do arranjo pretendido no alçado da Agência dessa Caixa, nesta localidade.

Resultou da troca de impressões, que esta Câmara tem razão em pretender que o aspecto discordante com o meio onde a Agência se situa, seja alterado ou eliminado.

(...)

Chegou-se ainda à conclusão que conviria introduzir novos elementos no estudo apresentado, principalmente na cimalha projectada, totalmente lisa, no pedido de a emoldurar, partindo de elementos semelhantes aos existentes no local.

Deste modo solicitamos a V.Exª esses estudos e agradecemos a apresentação de nova planação, a fim de as obras a efectuar correspondam aos desejos dos Munícipes.264

De facto, o edifício ostenta actualmente uma cimalha decorativa que não existia no Projecto de JFC. Não foi encontrado no processo qualquer documento elaborado pelo autor do projecto, donde se depreende como provável que as alterações impostas tenham sido, inclusivamente, introduzidas à sua revelia.

Fig. 17 Agência da CGD de Serpa: A) Projecto de JFC; alçado principal. Arquivo Histórico da CGD. B) Estado actual; Fachada lateral. Foto Gustavo Marcão.

263 Carta do Presidente da Câmara Municipal de Serpa endereçada à Administração da CGD. Serpa, 1 de Outubro de 1962. Arquivo Histórico CGD.[Doc. A 33].

264 Carta do Presidente da CMS endereçada ao Eng. Director da Comissão Administrativa das Obras da CGD.de 30 de Julho de 1963. Arquivo Histórico CGD. [Doc. A 34].

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4.7. “Concurso para uma casa de férias no Alto Rodízio”

Em 1948, JFC participou no “Concurso para uma casa de férias no Alto Rodízio”265 promovido pela revista "Arquitectura" e pela empresa Construções Antero Ferreira. Apesar de pertencer ao campo da actividade profissional, esta participação é referida na presente secção por se tratar de um acto que se pode inserir na linha dos assuntos nesta focados.

Na primeira metade dessa década tinha ocorrido um único evento desta natureza; tratou-se do Concurso da Casa Panorama, cujo resultado foi apresentado em 1944 na revista Panorama. Segundo Michel Toussaint os três premiados “desenvolveram projectos respondendo ao programa solicitado e com os habituais signos nacionalistas derivados da divulgação da ‘casa portuguêsa’”.266

Este concurso de 1948 “parece ter sido uma réplica moderna do anterior Concurso da Casa

Panorama com um programa exactamente igual, salvo que neste caso havia um terreno e o

júri, com Carlos Ramos (director da EBAP) e Pedro Cid (1925-1983) (ainda aluno da EBAL), a garantir essa modernidade”.267 Segundo José-Augusto França “contou com o entusiasmo dos jovens arquitectos e escolares que se sujeitavam a um júri em que Carlos Ramos, professor da Escola do Porto, garantia um novo entendimento de modernidade programática e formal”268. Antero Ferreira - o promotor - e o arquitecto Paulo Cunha também integravam o júri.

As condições do concurso foram publicadas no nº 16 da Arquitectura, de Junho de 1947, tendo os resultados sido divulgados no nº 22 da revista. Os projectos foram publicados no nº 23-24 de Maio-Junho de 1948.

Carlos Ramos, que assina o relatório do júri, refere que foram apresentados 17 ante-projectos e realça a falta de experiência dos concorrentes neste género de competições preconizando, no entanto, os concursos de arquitectura como a melhor forma de lançar os arquitectos “no melhor caminho”.269

Em 1950 teve lugar uma iniciativa semelhante: o Concurso Lusalite, também aberto pela revista Arquitectura, em que JFC não participou.270