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Anexo I Prontuário médico Caso 3c

4.3 Casais de fato e de direito: a busca por reconhecimento

Foi também na década de 90 que se iniciou a luta por proteção legal às uniões entre homossexuais. Gays e lésbicas, que haviam desfrutado de “uniões estáveis”, passam a enfrentar problemas de âmbito patrimonial e previdenciário ao fim de seus relacionamentos, seja por separação voluntária ou morte do companheiro. À época, não havia nenhum dispositivo legal que normatizasse os direitos sucessórios de casais homossexuais, como partilha de bens e direito à herança, muito menos previsão de concessão de benefícios previdenciários, como a pensão por morte ao cônjuge sobrevivente.

16 De acordo com Jacqueline Ribeiro Cabral, “para muitas pessoas que sofrem severas restrições quanto à expressão das suas subjetividades, as paradas são um dos raros momentos de expressar nas ruas sem medo de algo tão simples e essencial como um beijo e mãos dadas, como héteros fazem todos os dias sem serem incomodados não por serem ‘respeitáveis’ e sim por serem respeitados na sua humanidade” (CABRAL, 2015b, p. 144).

17 De acordo com o Manual de Comunicação LGBTI+ (2018, p. 7), a sigla LGBTI+ refere-se à população lésbica, gay, bissexual, travesti, transexual e intersexual. O símbolo + foi acrescentado à sigla LGBTI para abranger outras orientações sexuais, identidades e expressões de gênero.

103 No entanto, muitos casais recém-separados e pessoas que haviam perdido seus parceiros buscavam a justiça para requerer direitos. A desembargadora aposentada Maria Berenice Dias nos conta que: “quando relacionamentos consolidados há muitos anos – mesmo sem lei – batiam às portas do judiciário, colocavam os juízes diante de um verdadeiro dilema entre afrontar tabus e preconceitos ou chancelar enormes injustiças” (DIAS, 2017, p. 164).

A solução encontrada pelos advogados para responder a estas demandas foi reconhecer tais relacionamentos enquanto sociedades de fato. O artigo 981 do Código Civil caracteriza este tipo de sociedade da seguinte forma: “Celebram contrato de sociedade as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados” (BRASIL, 2002, art. 981).

A escolha pelo enquadramento de uniões homoafetivas enquanto sociedade de fato descaracterizava a natureza afetiva destes relacionamentos. “A controvérsia era excluída do âmbito do Direito das Famílias [e] a ação tramitava nas Varas Cíveis [onde] se aplicavam as regras do Direito das Obrigações” (DIAS, 2017, p. 164-165).

Diante da ausência de garantia a quaisquer direitos, os parceiros não dispunham de alternativas. Não havia meios de formalizarem o relacionamento e muito menos escolherem um regime de bens. [...] O desejo de que o bem pertencesse a ambos levava a que fosse adquirido em condomínio, no nome dos dois. [...] Na hipótese de separação, com sorte lhes seriam aplicadas as regras de uma sociedade de fato, com participação do patrimônio, a depender a prova da participação de cada um. A partilha seria levada a efeito de forma proporcional ao respectivo aporte financeiro. (DIAS, 2017, p. 168).

A partir de pesquisa documental, pudemos encontrar alguns processos civis cujo assunto era o reconhecimento de sociedade de fato, entre pessoas do mesmo sexo, que haviam desfrutado ou desfrutavam de relações afetivas. A pesquisa buscou em acórdãos do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJ-RJ) pareceres da justiça sobre tais demandas. Verificou-se que não havia consenso sobre a “validade” da demanda entre os magistrados, mas que, em sua maioria, os pedidos eram negados.

Um dos casos bem-sucedidos que encontramos foi o processo que dizia respeito a um casal de lésbicas que discutia na justiça a partilha dos bens que haviam acumulado em comunhão. Consta no auto do processo de Apelação Civil nº 0006408-81.1995.8.19.0000 julgado na 4ª Câmara Cível do TJ-RJ:

As partes eram domésticas, no Rio de Janeiro, mudaram-se para a comarca de Rio das Flores, onde através de uma longa convivência homossexual

104 constituíram um razoável patrimônio, com muito trabalho, a partir de um botequim como se constata na prova testemunhal [...], tendo a apelada juntado inúmeros recibos dos autos. A própria apelante, na contestação, admite a sociedade de fato, discutindo, apenas, a extensão de partilha; mas o conjunto probatório leva à convicção de ter existido uma convergência de esforços em prol de comuns objetivos econômicos. [...] Da mesma forma com que a dissolução da sociedade de fato entre concubinos foi imediatamente extraída da dissolução e liquidação das sociedades reguladas nos artigos 655/673, do Código de Processo Civil anterior, e remotamente do contrato de sociedade previsto no Código Civil. In casu, a contribuição das sócias foi praticamente a mesma, justificando-se a partilha equitativa dos bens. (RIO DE JANEIRO, 1996) (ANEXO J).

Apesar de encontrarmos alguns casos onde a sociedade de fato era reconhecida e garantia algum direito de partilha de bens aos casais homossexuais, a maioria referia-se a processo de separação, onde as duas partes do casal estavam vivas. Nos casos em que um dos “sócios” era falecido, a garantia do direito à parte dos bens ao “sócio” vivo era muito mais difícil. Como o sócio não era considerado herdeiro, era necessário que se provasse a contribuição financeira de cada um dos conviventes na construção do patrimônio comum, pois não havia o reconhecimento do estado condominial dos bens. Para Berenice Dias:

Esse era o principal motivo que levava à exigência da prova da mútua colaboração na formação do patrimônio. [...] Para evitar a possibilidade de enriquecimento injustificado é que buscava a identificação do aporte econômico de cada parceiro para a aquisição dos bens. A fim de estabelecer sua proporcional partição, se desigualava a partilha. Tal solução, ainda que visasse a impedir o proveito exclusivo do titular do domínio, restava, na grande maioria das vezes, por perpetrar resultados que em muito se distanciavam de uma solução justa. Isto porque se emprestava valia somente ao aporte monetário, deixando de atribuir conteúdo econômico ao próprio cuidado e desvelo mútuo. Quem por amor só deu labor, restava sem nada. (DIAS, 2016, p. 165).

O tratamento de demandas como esta pode ser observado ao lermos a Apelação Civil de n.º 0006973-50.1992.8.19.0000, da 35ª Vara Cível do TJ-RJ. Neste processo, o autor pede o reconhecimento de sociedade de fato com o companheiro falecido, e o direito a meação sobre o imóvel em que juntos residiam em uma relação “como se casados fossem”. Em seu favor, o autor alega que dividia todas as despesas da casa com o companheiro e que participou da aquisição do imóvel em que viviam colaborando com cinquenta por cento do valor do apartamento a partir de seu provento como bancário e o dinheiro que recebia do seu trabalho como bordador que exercia nas horas vagas. O pedido foi indeferido pelo juiz com base nas seguintes justificativas:

105 Impende reparar soar equivocada a alegação de autor, de que sua relação com FULANO era “concubinária”, ou de que com ele vivia “como casados fossem”, [...] tanto quanto referência a um “concubinato homossexual” [...]. (RIO DE JANEIRO, 1993) (ANEXO K).

A começar pelo vernáculo, concubinato entre pessoas do mesmo sexo simplesmente não existe. A palavra “concubina”, de idêntica grafia em latim, do qual provém, significa, na definição de Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, “mulher que vive amasiada com um homem”. (RIO DE JANEIRO, 1993) (ANEXO K).

Pois também sob o ponto de vista jurídico, que é aqui sobreleva, “concubinato”18 entre dois homens e duas mulheres não transpõe o terreno da esdruxularia. (RIO DE JANEIRO, 1993) (ANEXO K).

Seja qual for a concepção que se dê ao casamento, dele é pressuposto natural [grifo nosso] a união de pessoas do sexo oposto até porque, com maior ou menor grau, dela não se afasta a finalidade genésica [grifo nosso] desse consórcio “do homem e da mulher com o fim de criar uma comunidade de existência” [...] O matrimônio, por isso mesmo, é ato criador de família. [...] o concubinato, semimatrimoniun vocatur, guarda estreito paralelo com essa concepção porque, como o entende a doutrina, imitação do casamento que é, apesar de ser união livre, no entanto estável há de ser também e de duas pessoas necessariamente à símile do casamento, logo, ainda em razão dessa similitude, união de homem e mulher. Sempre. (RIO DE JANEIRO, 1993) (ANEXO K).

Como se conclui no artigo 1363 do Código Civil, as sociedades são constituídas para lograrem fins comuns, que só podem ser a consecução de certa empresa, a exploração de alguma indústria ou o exercício de qualquer ofício ou profissão. De sorte que disso também lhe tocou o ônus probatório. A tanto não chegou, passou muito longe e, descuidado, preocupou-se [o autor] apenas em demonstrar-se sujeito prolongada relação homossexual. Sem sombra de dúvida, logrou tal objetivo. A quase totalidade dos documentos trazidos com a exordial e as testemunhas ouvidas [...] a confirmaram. Mas o fato, desenganadamente, não faz presumir a alegada sociedade de fato. (RIO DE JANEIRO, 1993) (ANEXO K).

Poderia pretender o demandante ver reconhecido simplesmente condomínio entre ele e FULANO, independentemente de entre ambos ter havido essa ligação homossexual. Pois seja. Admitiu ele que a propriedade do bem imóvel está inscrita em nome de FULANO no registro competente. Reconheceu que, junto à concessionária do serviço, constava o mesmo FULANO como titular do direito de uso da linha telefônica, algo, aliás, incontroverso. A despeito de tanta adversidade ao reconhecimento de seu alegado direito, nem o mais tênue indício trouxe o demandante no sentido de sustentar a alegação de que para a constituição de tal patrimônio concorrera com recursos financeiros - no que respeita ao apartamento, diga-se de passagem, nada menos do que metade de seu preço.

A mesma fragilidade probatória, se não mesmo ainda maior, se pode verificar quanto a tal alegado concurso no que concerne aos bens móveis que guarneciam a residência de FULANO, certo que o autor não conseguiu

18 O termo concubinato aqui se refere à relação não eventual entre o homem e a mulher, impedidos de casarem- se.

106 sequer provar que com ele residia, o que, de resto, pelas razões exaustivamente expendidas, não passa de desinfluente na espécie versada (RIO DE JANEIRO, 1993) (ANEXO K).

Note-se frustrada a prova de ter o demandante recursos financeiros capazes de assegurar a alegada participação na constituição do patrimônio deixado por FULANO. Sequer conseguiu demonstrar que é ou era bancário, vez que as cópias da CTPS que trouxe aos autos [...] não têm valor probatório algum, pois, tratando-se de reproduções de documento público, quanto a eles deixou de observar o art. 365, III, dop. CPC. (RIO DE JANEIRO, 1993) (ANEXO K).

Percebemos que, além das justificativas jurídicas, boa parte da argumentação do juiz refere-se aos precedentes culturais que definem o sentido da palavra concubinato e à finalidade “natural” que a união entre homens e mulheres implica, segundo o magistrado, a “finalidade genésica”. Vemos também um esforço em desacreditar o autor do processo, em fazer sua reivindicação improcedente, não por questionar a veracidade do relacionamento que manteve com seu companheiro, mas questionando sua verdadeira participação na aquisição do imóvel o qual reivindica propriedade. Põe-se em dúvida a capacidade do autor, com seu ofício, obter recursos financeiros suficientes para contribuir igualitariamente para a aquisição do apartamento.

O não reconhecimento da legitimidade dos vínculos afetivos entre pessoas do mesmo sexo, em alguns casos, era feito de forma ultrajante, tanto que chegou a motivar um processo por danos morais movido contra o Estado do Rio de Janeiro, onde o autor acusa uma juíza de ter ofendido sua honra e dignidade ao se posicionar a respeito da relação entre homossexuais. Vejamos parte da sentença do desembargador ao julgar a Apelação Civil nº 0003804- 45.1998.8.19.0000, da 6ª Câmara Cível do TJ-RJ.

Resta considerar-se o cerne da questão, verificar-se se ocorreu, ou não, o alegado dano, que resulta na obrigação de indenizar, e no estabelecimento do “quantum” a servir de reparação.

As expressões que motivaram o presente, tidas como ofensivas à honra e à dignidade do apelante, capazes de causar-lhe imensa dor moral, a ponto de ensejar a condenação do Estado, por ato de seu preposto, no caso uma Juíza, no exercício de suas funções judicantes, no valor de dez mil e oitocentos [10.800] salários mínimos, hoje o equivalente a R$1.404.000,00 [Hum milhão e quatrocentos e quatro mil reais] sob o argumento de que ‘a lesão transformou e desassossegou a ordem individual do requerente, quebrando sua harmonia interior, acarretando assim, o dever de indenizar’, sem que fato algum de posição social proeminente, ou política, ou situação econômica, veja-se que está ele sob o pálio da Gratuidade de Justiça obtida com a apresentação de um contracheque comprovando ganhos de R$ 145,00 Cento e quarenta e cinco reais e assistido, diga-se, muito bem,

107 pelas Faculdades Integradas Cândido Mendes; e menos ainda a repercussão da ofensa na vida de relação do pseudo ofendido, são as seguintes:

“Seria, como é evidente, entre dois homens, que viveram juntos em promiscuidade sexual indefinida, sem qualquer objetivo e respectiva proteção legal."

“Nada, absolutamente nada, ampara essa espúria sociedade.” "Condena-a a sociedade, o direito, a moral e a religião."

"É possível que fosse ele o encarregado das tarefas de casa. Mas, tal fato, por si só, não justifica a meação pretendida, e nem o recebimento de qualquer indenização por esse serviço, considerando que, por outro lado, teria casa e comida de graça."

A pretensão contida no pleito não merece provimento no que concerne ao mérito, porque os termos de que se utilizou a Juíza, por si só, não ensejam posição preconceituosa, mas sim, sem qualquer sombra de dúvidas, a sua opinião a respeito do tipo de vida vivida pelo ora apelante e seu parceiro, vida com a qual terceiros nada têm a ver, mas que com certeza foge aos padrões da normalidade, pelo menos no que respeita ao homem médio. Ou será que assim não é, ou será que a vida assim vivida é o ideal das famílias, o ideal de pais e mães?

Evidentemente que a escolha da preferência deve ser suportada.

No caso concreto, tendo em vista as circunstâncias em que se deu o triste falecimento do companheiro do autor, ou seja, por AIDS, sem dúvida conduziu a prolatora da decisão que provocou este processo a conclusão de que não tinha, ou não teve em toda sua vida um único parceiro, daí o sentido que deu ao se utilizar da expressão promiscuidade sexual indefinida, sublinhada na inicial, e assim entendeu, e assim podia afirmar e assim afirmou porque seu livre convencimento legalmente garantido ensejou este fato tira qualquer ilicitude que pudesse merecer reparação.

Mas não ficamos por aí, pergunta-se, por acaso a sociedade como um todo, que não o seja como maioria, como ideal, não condena esse tipo de relação, ou será que ela é desejada, esperada, almejada?

Onde, a não ser no que concerne ao respeito que se deve ter a tais escolhas se encontra amparo no direito que incentive uniões desse tipo, protege-se, sim, o indivíduo, mas não o fato, não a união como se matrimonial fosse, a conceder direitos como se concede ao casamento como instituição familiar, célula mater da sociedade.

Em que ponto da moral, mais uma vez tendo-se em conta de consideração o homem médio, o fato é moralmente aceito. Pode ser até que um dia venha a ser, mas no conceito atual, se não é imoral, sem dúvida, também moral não é.

E a religião, por acaso, qualquer delas, contém preceito que aprove, que prescreva, que aconselhe acontecer, que recomende, que mostre que a prática conduzirá ao bem Supremo, ao encontro de Deus?

Tanto a sociedade, como o direito e a religião respeitam o ser humano como imagem e semelhança de Deus, não os atos por todos nos praticados, pelos quais alguns são punidos e outros são tolerados, enquanto não prejudicarem os sagrados direitos dos outros.

As expressões utilizadas pela Juíza FULANA representam a sua opinião, formada naquilo que o processo lhe trouxe, e no seu direito de escolha do que entende ser moralmente são para a sociedade, para o direito, para a moral e para a religião, assim como fez o autor ao escolher, usando de seu livre arbítrio, suas preferências de que ordem se as queira ter.

Não há fato que possa no caso representar ato ilícito a merecer reparação e, em não ocorrendo tal, não é o Estado responsável. (RIO DE JANEIRO, 1999) (ANEXO L).

108 É notório o recurso aos discursos moralizantes para não reconhecer a legitimidade das relações homossexuais e consequentemente negar-lhes direitos, seja pelo apelo à “naturalidade” – uma vez que, para o desembargador, este tipo de relacionamento “com certeza foge aos padrões da normalidade” -, seja pelo apelo aos preceitos religiosos – que não aprovam a prática homossexual. Reafirma-se o estereótipo de que a AIDS é uma doença de “homossexuais promíscuos” e o modelo familiar malthusiano. Neste acórdão, fica claro que as diversas matrizes discursivas que operaram a fim de cristalizar os preconceitos contra a homossexualidade encontravam-se ativas, exercendo seu poder normativo e excluindo da seara do direito os sujeitos que produzira: o anormal, o promíscuo, o doente, o pecador.

A busca por amparo legal para os relacionamentos homoafetivos foi objeto do Projeto de Lei 1.151 da deputada Marta Suplicy. O projeto, apresentado na Câmara dos Deputados em 26 de outubro de 1995, visava disciplinar a união civil entre pessoas do mesmo sexo. Luiz Melo, em seu livro Novas famílias: conjugalidade homossexual no Brasil contemporâneo, diz que a “proposta do reconhecimento jurídico das relações amorosas estáveis entre pessoas do mesmo sexo ganhou a boca do povo e os ouvidos da nação” (MELO, 2005b, p. 55).

O autor afirma que a publicidade que relações amorosas entre gays e lésbicas ganharam a partir deste projeto de lei despertou, em alguns, a necessidade de defender a proteção legal às uniões homossexuais e, em outros, a necessidade de condená-las, afirmando seu caráter abominável e imoral.

Se, por um lado, a aprovação dessa proposta tornou-se o desafio principal do movimento brasileiro de gays e lésbicas; por outro, os grupos religiosos elegeram sua rejeição como um dos pilares de luta em “defesa da família” e pela “moralização da sociedade brasileira”. (MELO, 2005b, p. 55).

Em sua primeira versão, o projeto de lei de Marta Suplicy propunha que a união civil entre pessoas de mesmo sexo fosse oficializada mediante registro em livro próprio, nos Cartórios de Registro Civil de Pessoas Naturais. Para que o registro fosse feito, os interessados deveriam apresentar: prova de serem solteiros, viúvos ou divorciados; prova da capacidade civil plena; e instrumento público de contrato de união civil. Como garantias e proteções, estavam previstos os direitos à sucessão – regulados pela Lei nº 8971, de 28 de dezembro de 1994 - e o direito aos benefícios previdenciários de servidores públicos que mantivessem contrato de união civil.

109 A deputada é bastante cuidadosa ao justificar a necessidade do projeto e sua adequação aos preceitos jurídicos. Ressalta enfaticamente que a união civil entre pessoas do mesmo sexo não se confunde ou equipara ao casamento civil, como podemos ver no texto.

A figura da união civil entre pessoas do mesmo sexo não se confunde nem com o instituto do casamento, regulamentado pelo Código Civil brasileiro, nem com a união estável, prevista no parágrafo 3°. do art. 226 da Constituição Federal. É mais uma relação entre particulares que, por sua relevância e especificidade, merece a proteção do Estado e do Direito. [...] A possibilidade de legalizar a união civil entre pessoas do mesmo sexo toma possível a reparação de notórias injustiças, como os casos onde o parceiro morre e seu companheiro ou companheira do mesmo sexo é excluído(a) de qualquer participação em patrimônio que também é seu, pois ajudou a construí-lo, em decorrência de vários anos de convivência. (BRASIL, 1995).

Apesar dos opositores ao projeto basearem sua posição pelo entendimento de que a homossexualidade é um comportamento imoral e que a concessão de direitos conjugais aos casais homossexuais seria uma ameaça ao pilar da vida em sociedade, a família, “concebida em termos naturalistas e religiosos, estruturada a partir da diferença sexual” (MELO, 2005a, p. 219), o argumento jurídico utilizado para invalidar o Projeto de Lei 1.151/95 foi o de que o mesmo seria inconstitucional. Isso porque a definição de entidade familiar prevista no art. 226, inciso 3º, refere-se apenas a uniões estáveis entre casais heterossexuais. Diz o referido artigo: “Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento”.

O Projeto de Lei 1.151/95 nunca chegou a ser votado e, hoje, encontra-se arquivado. Entretanto, casais homoafetivos, buscando maior segurança jurídica, passaram a firmar contrato de convivência pública. De acordo com o artigo 1º da Lei 9.278 de maio de 1996 e o artigo 1.725 do Código Civil, “é reconhecida como entidade familiar a convivência duradoura, pública e contínua, de um homem e uma mulher, estabelecida com objetivo de constituição de família”. Mesmo que a normativa se refira, explicitamente, aos casais heterossexuais, casais homossexuais buscaram no artigo 5º, inciso 2º da Lei 9.278/96 e no