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Nessa seção apresentou-se o percurso histórico do casamento no decorrer dos anos, sendo apontadas algumas características dos casamentos brasileiros, bem como aspectos importantes para o estudo das relações conjugais.

Da mesma forma que a família veio assumindo distintas configurações desde o início da história brasileira, a vida conjugal também vem sofrendo modificações, seja em relação a sua função social, seja referente ao papel que cada cônjuge assume no relacionamento amoroso (Soares & Carvalho, 2003). Uma análise retrospectiva das uniões conjugais aponta que, de forma distinta a épocas anteriores, o matrimônio não é mais considerado apenas uma união proveniente de um ato jurídico ou religioso, mas sim uma relação social baseada na dependência mútua entre duas pessoas. Essa nova perspectiva sobre as uniões conjugais se encontra refletida em arranjos do cotidiano que atendem às necessidades e interesses de cada um dos cônjuges, incluindo o compartilhamento de planos de vida (Heilborn, 2004). Essa autora comenta que o casamento nasceu vinculado à passagem da infância para a fase adulta. A partir do momento que os indivíduos estavam aptos a desempenhar papéis sociais adultos, estes assumiam um compromisso público com um parceiro amoroso para fundamentar a construção de uma nova família, tornando-se responsáveis pelo provimento de si mesmos e manutenção e criação de novos membros da família, seus filhos. Heilborn (2004) ainda destaca que, embora tenha havido mudanças na vivência dos cônjuges, o matrimônio continua relacionado à idéia de uma transição na vida dos indivíduos, envolvendo maiores responsabilidades.

Buscando ilustrar as alterações nas características normativas das famílias brasileiras, Gomes e Paiva (2003) descrevem alguns aspectos do matrimônio desde a época do processo de colonização do Brasil por Portugal até os dias atuais, destacando suas diferentes funções sociais. De início, a constituição de uma nova família por meio do casamento tinha como

prioridade não o amor ou a fidelidade entre os cônjuges, mas fundamentalmente, a união entre duas famílias que tinham posses, tendo o casamento a função de garantir a manutenção da riqueza e da propriedade dentro de um determinado grupo social economicamente privilegiado.

Mais tarde, o casamento se tornou mais popular entre as pessoas de diferentes classes sociais e níveis financeiros. O matrimônio passou a ser considerado importante também por sua função dentro da religiosidade, uma vez que os dogmas religiosos preconizavam que o casamento tinha como função principal a manutenção da vida familiar, baseado na indissolubilidade da relação conjugal e na cooperação e fidelidade entre os membros do casal (Gomes & Paiva, 2003). Em um momento mais recente, tem-se a inversão entre a predominância dos interesses financeiros, havendo a preponderância dos aspectos amorosos no estabelecimento do relacionamento entre os membros do casal. Mais importante que a união entre as famílias ou o cumprimento de preceitos religiosos, encontra-se a satisfação dos cônjuges por estarem ligados um ao outro. Nessa perspectiva, os parceiros deveriam escolher- se mutuamente, movidos por sentimentos de afeto e compartilhamento de investimentos pessoais e metas de vida (Freire & Neri, 2009).

Para que se possa discutir as relações amorosas e matrimoniais atuais, deve-se atentar para as expectativas sociais de homens e mulheres em relação ao casamento. Considerando-se as atribuições sociais, Freitas et al. (2009) comentam que o comportamento feminino e masculino na vida conjugal se dá por meio de referenciais de gênero, aprendidos ao longo da vida, sendo esses aceitos e legitimados socialmente. Um dos primeiros agentes a influenciar as concepções acerca do comportamento de homens e mulheres frente ao casamento é o processo de socialização desenvolvido na família de origem dos indivíduos. Assim, as concepções dos pais ou cuidadores a respeito dos papéis sociais se tornam referências para os filhos, constituindo-se em modelos que poderão ser reproduzidos em suas relações amorosas e

passados para gerações posteriores. No entanto, o que se define por atribuições masculinas e femininas vem se transformando rapidamente, sendo que homens e mulheres agem diferentemente de seus pais e avós e precisam adaptar os modelos fornecidos pelas gerações anteriores para lidar com os desafios da vida contemporânea. O que é ser homem ou o que é ser mulher, ou seja, os comportamentos que são esperados de um ou do outro sexo estão sendo redefinidos, com a necessidade de descobrir novos padrões de conduta, que levem a melhorias no gerenciamento das atividades cotidianas.

Freitas et al. (2009) comentam que os homens foram surpreendidos pela ruptura da hierarquia doméstica na qual o pai tinha papel privilegiado de autoridade familiar, sendo esta, nos dias atuais, constantemente questionada. Para estas autoras, estas mudanças deram origem, a partir da década de 1970, a uma crise da masculinidade, que possibilitou aos homens refletirem sobre sua participação na vida familiar. A esse respeito, Rosa (2008) discute a crise da identidade do homem contemporâneo, a qual envolve a não coincidência do

sujeito consigo mesmo e com as representações as quais sua identidade masculina foi construída. Esta autora ainda ressalta que mudanças em relação às atribuições e às

expectativas do que é próprio do comportamento do homem podem causar angústias e inseguranças. A situação indefinida em relação às atribuições de homens e mulheres vivenciada pelos casais, atualmente, pode ser fonte de estresse por trazer consigo a incerteza de estar conseguindo dar conta do que deveria ser cumprido por um ou outro membro do par conjugal. Mas também, como destacado por esta autora, a existência de incertezas abre espaço para reflexões a respeito da relação estabelecida consigo mesmo e com o outro, permitindo ao homem questionar atribuições que eram entendidas como inatas do sexo masculino, como a total responsabilidade pelo sustento e poder decisivo na família e a impossibilidade de vivenciar sua afetividade da forma mais ampla.

Certamente, a participação das mulheres no trabalho remunerado alavancou as modificações de seu papel público, mas de forma igualmente importante, afetou as relações familiares e, principalmente, seus envolvimentos amorosos. A este respeito, Bonzon (2003) destaca que as uniões conjugais contemporâneas sofreram modificações aceleradas em relação aos casamentos de gerações anteriores.

O aspecto mais importante do relacionamento marital que parece influenciar a vida dos indivíduos é a satisfação conjugal. Esta é conceituada por Norgren et al. (2004) como a

possibilidade de ter as próprias necessidades e desejos satisfeitos, assim como corresponder ao que o parceiro espera, resultando em sentimentos de bem estar, companheirismo, intimidade, afeição e segurança. Ao apontar a relevância da satisfação com as relações

conjugais para a saúde psicológica dos indivíduos, estas autoras discutem o fato das relações maritais duradouras e satisfatórias permitirem aos cônjuges se refugiarem de estressores externos, ao mesmo tempo em que possibilitam a abertura para outros sistemas sociais, configurando-se assim, uma variável de grande importância para o presente estudo.

Outra investigação a respeito de satisfação conjugal foi realizada por Garcia e Tassara (2003) na qual foi identificado que a maioria dos problemas conjugais era desencadeada por fatores envolvendo a qualidade da relação entre os parceiros ou discordâncias entre os parceiros em relação a comportamento destes com seus filhos. A comunicação entre os membros do casal era, muitas vezes, pobre, resultando em mal entendidos e entraves que impediam a negociação de modificações efetivas em suas formas de agir. Estas autoras comentam que, os parceiros amorosos tendem a iniciar o matrimônio com modelos idealizados de casamento, de forma que a satisfação conjugal se vincula com o quanto as vivências do casal se aproximavam ou não dos padrões esperados pelos indivíduos.

Em um estudo sobre os fatores risco para bons níveis de satisfação no casamento, Souza, Wagner, Branco e Reichert (2007) estudaram o relacionamento conjugal de casais de

dupla carreira que eram pais de crianças em idade escolar. Para a maioria deles, a satisfação e o envolvimento conjugal estavam prejudicados nessa fase da vida familiar, havendo fraco investimento na relação amorosa dos parceiros. Assim, as situações de conciliação entre matrimônio, trabalho e família, desses casais, refletiam rotinas de vida marcadas por sobrecarga de atividades, uma vez que para que pudessem progredir na carreira, ambos os cônjuges precisavam dedicar muito tempo às atividades profissionais. O tempo que lhes restava era investido nas atividades com os filhos, que devido a sua faixa etária, ainda dependiam muito do auxílio dos pais para realizar tarefas e demandavam grande atenção e cuidado. A alta demanda de atividades profissionais e parentais fazia com que esses casais acabassem relegando o relacionamento conjugal a um segundo plano.

Desta forma, estudar a satisfação conjugal em conjunto com a utilização de diferentes estratégias de conciliação do casamento com a vida profissional e responsabilidades parentais, tornou-se importante para o presente estudo.