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1 ABORDAGEM HISTÓRICO SÓCIO CULTURAL ANTROPOLÓGICO DO

1.4 Abordagem antropológica do Vodu

1.4.2 Casamento místico no Vodu Haitiano

Nesta parte propomo-nos trabalhar o casamento do ser humano com a divindade e a influência do mesmo no sacramento do matrimônio cristão. O que é um casamento místico no Vodu? Os praticantes do Vodu, em busca de proteção, fazem aliança com um loa. Comprometem-se num tipo de casamento especial. O loa lhe serve como anjo da guarda. A iniciativa do casamento pode ser da parte da pessoa ou da parte da divindade que deseja adquirir um vínculo mais estrito com o fiel. O casamento é um compromisso sério, é uma obrigação que leva a recompensa conforme a forma de assumir as responsabilidades. Nesse casamento, a pessoa e a divindade têm um dia especial no qual um se dedica ao outro. A aliança é feita por meio de palavras rituais e a troca dos anéis em sinal de fé prometida. A partir dessa Aliança, são cientes de que haverá um destino comum e cada um pode contar com o outro121.

O casamento místico apresenta certas exigências para quem o deseja. Assim, conforme a divindade exige, há a compra de roupas especiais, de perfumes, correntes de ouro, bolos, vinhos especiais e licores. Por causas dessas exigências, algumas pessoas, às vezes, não aceitam o pedido de casamento das divindades. Quem já assumiu um compromisso com uma divindade antes de casar com uma pessoa, precisa obter a permissão da divindade, senão o seu cônjuge não viverá por muito tempo após o casamento. Geralmente é recomendado que quem já está comprometido com uma divindade continue vivendo como solteiro ou solteira122.

A classe social que mais adere a esse casamento é a classe média, ou seja, pessoas que possuem meios econômicos. O local desse casamento é sempre o Peristyle. Os elementos religiosos que se usam são: uma mesa com vela, água benta, um missal e outras coisas variadas conforme o pedido da divindade escolhida. Dois diagramas conhecidos como Vèvè são postos no chão ao redor do altar. Um representa o coração de Erzulie e outro representa uma serpente conhecida como damballlah. A seguir, inicia a celebração pelo batismo da roupa conjugal. Os responsáveis pelo culto no Peristyle cantam e convidam com gestos as testemunhas do casamento para se aproximarem. Cada objeto que faz parte integrante do

120 SOUFFRANT, Claude. Sociologie prospectiva d’Haïti. Esssai,1995, p. 106. 121 MÉTRAUX, Alfred. Le Vaudou Haïtien, 1958, p. 189.

casamento tem que ter um casal como testemunha. Salmodiam alguns salmos da Bíblia e fazem algumas orações especiais. Então, perguntam a quem deseja casar com a divindade se o quer fazê-lo por sua própria vontade. Em seguida, pedem que as madrinhas repitam o nome dos objetos que serão batizados. Por fim, o père Savane asperge com água benta cada objeto123.

Como acontece o casamento? Se for uma mulher o casamento será com Damballah. Essa mulher é convidada a dançar. A dança simboliza o momento solene do casamento. Logo depois disso, o père Savane convida a mulher para sentar-se no centro do peristyle, chamado de Poteau-mitan. Ao lado da mulher, le père Savane faz umas orações. Depois disso, invoca alguns deuses africanos com a sineta conhecida como tchatcha. A pessoa que está se casando fica um pouco nervosa e inquieta. Seu corpo passa a tremer de vez em quando. Mas se controla diante da violenta emoção. A pessoa entra em transe ou fica possuída. Se for uma mulher, Damballah incorpora-se nela, mas se for um homem, Erzulie incorpora-se nele. Le

père Savane continua entoando alguns cânticos. A pessoa se dirige para um quarto do

santuário e veste-se com roupa branca. Ao sair do quarto, a pessoa é segurada pela mão de duas outras pessoas e faz três piruetas para cumprimentar o presidente da cerimônia. A madrinha e mais outra pessoa acompanham a noiva para ir ao altar. Novamente se faz a pergunta se é de livre e espontânea vontade que quer se casar com a divindade. Feito isso, fazem a troca de aliança e a leitura da ata do casamento124.

Esse casamento místico do Vodu tem influenciado o sacramento do matrimônio que a Igreja Católica celebra. Sob essa influência nasce o plaçage como tipo de manifestação sociológica do Vodu. O sacramento do matrimonio é um compromisso sério como o casamento místico. Então, nem todos o podem assumir. Por isso, no Haiti, a maioria das famílias, sobretudo as famílias pobres, vive no plaçage, que é o primeiro passo mais sério antes do casamento. Nesse caso, o plaçage pode ser temporário, concubinagem monogâmica ou poligâmica.

Casamento na sociedade Haitiana é uma etapa decisiva na vida. É sinal de maturidade e de responsabilidade. É de ordem da procriação e da educação dos filhos. No casamento há a ideia de que a família está em condição de ajudar moralmente a sociedade e a humanidade. O casamento implica muitos gastos. Gastos para organizar a festa do casamento e festejar bem com os parentes e amigos. Estes são alguns dos motivos que levam as pessoas a assumir apenas uma união livre, embora permaneça o profundo desejo de se casarem. Este tipo de

123 MÉTRAUX, Alfred. Le Vaudou Haïtien, 1958, p. 190. 124 MÉTRAUX, Alfred. Le Vaudou Haïtien , 1958, p. 190-191.

união livre com o desejo de casar é conhecido como plaçage temporária. É um momento transitório para casamento religioso. Esta união preenche todas as exigências de um casal, apenas não é reconhecida civil e religiosamente. Portanto, não é uma forma de desprezar o valor do sacramento matrimonial, mas implica um profundo respeito para este sacramento.

Plaçage, concubinagem já é diferente. Significa que não haverá casamento. Estes casos se

encontram mais nas favelas, nos lugares onde a pobreza é forte125.

Como o casamento é um momento decisivo na vida, a maioria das pessoas, antes de se comprometer com alguém no religioso, busca saber misticamente como será o futuro com a pessoa escolhida. O lugar privilegiado deste conhecimento é no houmfort. Se já for um membro ou adepto Vodu antes do casamento, invoca os espíritos para saber se a escolha do parceiro é aprovada. Às vezes fazem ofertas às loas para que o lar matrimonial seja feliz126.