• Nenhum resultado encontrado

Divindades nas diferentes culturas como fruto da imaginação do ser humano

1 ABORDAGEM HISTÓRICO SÓCIO CULTURAL ANTROPOLÓGICO DO

2.4 Compreensão do universo dos espíritos ou divindades nas culturas

2.4.1 Divindades nas diferentes culturas como fruto da imaginação do ser humano

Antes de tudo, aqui não se trata da cultura como religião, mas de preferencia da cultura como forma da religião. Esta última pode ser considerada como própria substancia da cultura.

O conhecimento da divindade existe em todas as sociedades. Divindade é uma força suprema, independente e inteligente que domina os elementos da natureza: o ar, o fogo, a água, a vida dos animais, as plantas e a existência do ser humano253. Em várias culturas humanas encontramos a questão do politeísmo. Roma antiga, por exemplo, venerava Júpiter e outros deuses ou deusas, conhecidos como Março, Vulcano, Neptúnio, Junon, Vênus, Minerva; ao passo que, na Grécia antiga, a divindade era conhecida como Zeus, Poseidon, Uranos, Eole. No Haiti não é diferente. Existe as divindades conhecidas como Mawu-Lisa, Danbala, Legba, Azaka, Simbi, Ayizan, Ezili, Ogun, Tijan. Estes são alguns deuses concebidos no Vodu haitiano. Cada um desses tem uma função específica. Uns são protetores

252 BRIGHENTI, Agenor. Por uma Evangelização inculturada: Princípios pedagógicos e passos metodológicos. 1998, p. 35.

253 DEROSE, Rodolphe. Caractère culture Vodu: formation et interpretation de l’individualité haïtienne. 1955, p. 158.

da agricultura, outros da água, outros dos amores e outros da saúde. Estes deuses respondem às necessidades básicas e vitais do ser humano254.

A imaginação do ser humano não pode diminuir a potencialidade do Deus verdadeiro. O deus imaginado pelo ser humano permanece como fruto do pensamento humano. O pensamento humano não pode dar existência objetiva e consistente a um deus, a um espírito, a um lwa, uma vez que o pensamento humano, como projeção do eu fora de seu centro de acumulação psíquica, escapa constantemente os limites da geografia e da cronologia255. Deus não é fruto da imaginação humana. Por isso, nenhum pensamento humano pode reduzir Deus a um objeto. O ser humano pensa Deus conforme a sua necessidade256. Mas de forma racional não podemos entender que Deus começa a existir no momento em que alguém chega a imaginá-lo.

Legba, por exemplo, pode ser um nome imaginado. Inclusive, podemos inventar seu

dia de nascimento. Este personagem pode ser estudado e apresentar algumas características próprias. Mas estas características são elementos correspondidos aos sentimentos humanos, nada pode transformá-lo em um deus, um espírito ou lwa. Com isso queremos apenas dizer que os múltiplos espíritos que inventaram no Haiti não existem. O que existe são os imaginários e os pensamentos românticos. Nenhuma linguagem humana pode esgotar a essência do Verdadeiro Deus. Os deuses na linguagem dos antigos latinos, dos gregos, dos egípcios, dos africanos e dos haitianos, com vários nomes e representações, são considerados como categorias intelectuais257.

Em todas as culturas os deuses permanecem como fruto da imaginação do ser humano. O ser humano está sempre em busca de algo concreto para poder realizar seus desejos. Automaticamente surge uma diversidade de imagens que justificam a sua existência. É um auto pensamento do ser humano. Este auto pensamento do ser humano no decorrer da história se torna uma tradição de verdade. Por isso, cada geração haverá de acreditar na existência de muitos espíritos. Trata-se de uma crença e uma moral tradicional que forma a mentalidade de todo o povo ao redor de uma multidão de deuses, que torna uma simples invenção da psicologia popular num espelho da alma comunitária. Mas os deuses não existem. Não podem ser personificados objetivamente. Portanto, os nomes permanecem na literatura popular258.

254 AUGUSTIN, Joseph. Les Dieux. In: Le vaudou liberateur: Et si le vaudou était une valeur! 1999, p 44. 255 DEROSE, Rodolphe. Caractere culture Vodu: formation et interpretation de l’individualité haïtienne. 1955,

p.181.

256 AUGUSTIN, Joseph. Les Dieux. In: Le vaudou liberateur: Et si le vaudou était une valeur! 1999, p 44. 257 AUGUSTIN, Joseph. Les Dieux. In: Le vaudou liberateur: Et si le vaudou était une valeur! 1999, p. 45. 258 AUGUSTIN, Joseph. Les Dieux. In: Le vaudou liberateur: Et si le vaudou était une valeur! 1999, p. 46.

Claro, não estamos dizendo que o divino não existe. O divino existe. É uma dimensão em virtude da qual o ser humano encontra as explicações sagradas aos fenômenos da vida. Enraizado no coração humano, o divino produz uma mitologia e desenvolve uma religião. O divino não é uma realidade que ocupa um espaço. Encontra-se no interior da psicologia humana. Insere-se na natureza humana. Assim, leva o ser humano a busca de uma explicação misteriosa dos fenômenos, dos fatos reais e inexplicáveis259.

As mitologias são a projeção oral ou escrita das filosofias, dos problemas, das paixões do coração humano. Os deuses são a imagem dos que os honorem. Em cada contexto cultural os deuses expressam os traços do povo em questão. Para os Romanos expressam o poder de um homem sobre a sociedade. Daí que os Romanos inventaram Júpiter, chefe supremo do Olimpo. O que devemos sublinhar é que as mudanças históricas e sociológicas intervêm na vida dos povos e suscitam também modificação dos mitos. E isto se vê bem concreto no Haiti. Os africanos se encontravam no Haiti num contexto completamente diferente do seu país de origem, por isso haverá também uma mitologia diferente. No Haiti dois panteões de deuses serão imaginados, a saber, Petro e Rada. Estes panteões nunca foram conhecidos na África. Por esta razão é que encontramos certos limites ao apresentar o Vodu haitiano dentro da tradição africana260.

Um lwa261 é a narração do estado mental de quem o inventa. Por exemplo, o lwa Ogou

Feray nasce a partir da luta pela liberação do povo haitiano na escravidão. Pensar em relação

a este lwa é ao mesmo tempo pensar na questão da guerra. Ezili nasce a partir do sentimento do amor entre homem e a mulher. Este lwa assume o papel cuidar das relações sentimentais.

Na concepção do judeu cristão, a divindade pertence exclusivamente ao único ser Supremo, um Deus trinitário, ou seja, um Deus em três pessoas. Este Deus único do mundo judeu cristão é o criador de tudo o que existe. Este Deus é independente do tempo e do espaço. É Infinito e Eterno. Do nada criou o mundo. Mas essa maneira de compreender Deus como Criador, Todo Poderoso, Mestre Soberano provém da imaginação humana que se projeta sobre Deus. São os sentidos humanos que fazem referência ao divino. É a maneira de expressar os desejos e sentimentos humanos sobre Deus. Mas existe nisso um grande risco, o de reduzir Deus, que é totalmente outro, a uma pequena dimensão cultural. É reduzir Deus apenas à mentalidade de um povo único. Se for assim, cada nação teria sua maneira própria de

259 AUGUSTIN, Joseph. Les Dieux. In: Le vaudou liberateur: Et si le vaudou était une valeur! 1999, p. 46. 260 AUGUSTIN, Joseph. Les Dieux. In: Le vaudou liberateur: Et si le vaudou était une valeur! 1999, p. 46. 261 No Haiti o Lwa se classifica em dois grandes ritos. Assim tem o rito Rada e o rito Petro.

conceber Deus. Entendemos que Deus não pode ser pensado a partir da mentalidade de um único povo e impor essa única mentalidade a toda às nações262.