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CAPÍTULO 2 PRODUÇÃO RURAL, POLÍTICAS DE ESTADO E ORGANIZAÇÃO SOCIAL

2.5 CASAVAJ E O CASO DA “ COMPRA ANTECIPADA ”

A partir do final dos anos 1990, a farinha de mandioca foi inserida em uma ampla ação que valorizou o produto. A ação começou com a criação de uma nova cooperativa, a Cooperativa dos Seringueiros e Agricultores do Vale do Juruá – CASAVAJ. O Sindicato dos Trabalhadores Rurais, em conjunto com a recém instituída Comissão Pastoral da Terra – CPT em Cruzeiro do Sul24 foram os responsáveis em articular os produtores e formalizar a sua criação. A CASAVAJ foi instituída em março de 1997, com a participação de trezes associações de produtores rurais, agrupando um total de 82 famílias. Dentre as associações, estavam as das localidades: “Canela Fina”, “Alto Pentecoste”, “Cruzeiro do Vale”, “Valparaíso”, “Lagoinha”, “Belo Monte”, “Projeto Santa Luzia”, “Vila São Pedro”, “Reserva Extrativista do Alto Juruá” e “Liberdade”.

Inicialmente, a CASAVAJ foi pensada para alavancar a produção da borracha, mas devido à crise nesse mercado, o foco central passou a ser a farinha de mandioca. O objetivo da cooperativa era elevar o preço da farinha, trabalhar a sua qualidade e investir no marketing do produto.

Antônio de Paula, líder regional do movimento de seringueiros, fala sobre a criação da CASAVAJ e a produção da borracha:

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A Comissão Pastoral da Terra é um serviço pastoral de caráter ecumênico vinculado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB. Foi fundada em 1975, durante a ditadura militar, no Encontro Pastoral da Amazônia. Desde sua fundação, a CPT tem como objetivo realizar “um trabalho de base junto aos povos da terra e das águas”. Sua atuação está ligada à promoção, apoio, acompanhamento e assessoria nos processos coletivos de conquista dos direitos e da terra e de resistência na terra. Apesar da CPT ter sido implantada na Diocese de Rio Branco ainda nos anos 1970, a CPT de Cruzeiro do Sul foi implantada apenas em Março de 1994. Estima-se que esse longo período para a instituição da CPT em Cruzeiro do Sul ocorreu devido à forte atuação dos padres espiritanos no Alto Juruá.

“Olha, naquela época, em 1996, o IBAMA tinha o maior interesse que a borracha continuasse, que continuasse a estação de borracha na Reserva [Alto Juruá], e para tanto, tinha aí um financiamento, eu acho que através da Amazônia Solidária, não estou bem certo, onde tinha dinheiro para organizar uma usina de tratamento de borracha, beneficiamento, só que para isso precisava de uma cooperativa para gerenciar essa usina. Foi aí que surgiu a iniciativa de criar a Cooperativa do Juruá – CASAVAJ – Cooperativa dos Seringueiros e Agricultores do Vale do Juruá. Essa cooperativa foi fundada em março de 1997, eu sou um dos sócio-fundadores dessa cooperativa, até hoje sou do Conselho da cooperativa. (...) Por incrível que pareça, a gente não conseguiu, como se diz, avançar na produção de borracha, por quando o preço não valia a pena. As pessoas pararam seu tempo para cortar seringa, porque não dava para cobrir as despesas da receita baixa, sabe?! Então paulatinamente a maior parte dos seringueiros saiu do assentamento, vieram pra cidade, outros aglomeraram nas margens dos rios grandes para cultivar a mandioca, viver de agricultura, feijão, mandioca, tabaco e outros se tornaram criador de gado, e isso foi muito ruim de certa maneira”. (Entrevista com Antônio de Paula em 17/08/08).

Outros relatos indicam como a farinha de mandioca tornou-se o alvo principal da cooperativa. Eis o que diz Waldemir Neto, que foi membro da Comissão Pastoral da Terra – CPT na época da criação da CASAVAJ e cuja contribuição foi importante para essa articulação:

“A CASAVAJ surgiu a partir de uma demanda dos seringueiros. Na época eu estava na Comissão Pastoral da Terra e havia uma demanda por ter uma ação do governo federal que era uma tentativa de construir usinas para o beneficiamento de borracha. Só que a gente precisava ter uma instituição que pudesse estar sendo a responsável por esse projeto. A partir daí a gente começou a discutir com as associações de seringueiros e agricultores uma proposta de cooperativa que abrangesse tantos os seringueiros como também os produtores de farinha aqui da região do Juruá. Aí nós iniciamos esse trabalho de autorização da CASAVAJ, por dois anos. Os dois primeiros anos foi mais para essa parte de organização, legalização, fazer contatos com as comunidades, tentar criar uma organização social. Isso foi em 1997 e 1998. Foram os dois anos iniciais da cooperativa nessa parte de organização. (...) Como não deu certo a ação que a gente ia fazer com a borracha, devido a todos os problemas que nós tivemos com a borracha natural, preço, não tinha nem como competir, as dificuldades que a gente tinha de conseguir a borracha por um preço justo para o seringueiro. A ação da borracha não deu certo, não foi feita a usina e aí a CASAVAJ

começou a trabalhar exclusivamente com a farinha de mandioca”. (Entrevista Waldemir Neto, ex- CPT e atual coordenador da SEAPROF, em 04/08/2010).

Nando, presidente da CASAVAJ, também comenta sobre a criação da cooperativa:

“O primeiro pensamento [da CASAVAJ] era voltado pro extrativismo, especificamente pra borracha, pra que nós pudéssemos dar uma alavancada nessa produção de borracha, porque nós já tínhamos preço garantido lá na frente. E como isso não foi possível, durante esses dois anos de processo que a gente passou em articulação pra constituir a cooperativa, a gente percebeu que não era possível, porque o mercado já estava praticamente liquidado da borracha, da produção aqui da nossa região. Então nós voltamos o pensamento: vamos trabalhar a questão da produção de farinha. Melhorar essa qualidade e buscar novos mercados, trabalhar o marketing desse produto, a divulgação desse produto lá fora para que a gente consiga aumentar o preço. Isso gradativamente foi acontecendo. Por muita sorte também, nós conseguimos em 1999 eleger um governo popular, esse que nós temos no estado, apesar de deficiências que a gente tem, o governo da Frente Popular, mas é um governo que deu uma alavancada nessa produção significante na região, e com isso conseguimos trabalhar, fazer parcerias para trabalhar muito a questão da qualidade da produção, aumentar a produção, com incentivo de casa de farinha, curso de capacitação, financiamentos para essa produção, a gente sabe que ainda falta muito, mas muito também já foi feito. Então, graças a Deus, deu certo, né?! Nós começamos a agregar valor nos produtos, padronizando esses produtos aqui dos nossos consorciados, desenvolvendo embalagens pra que a gente pudesse comercializar lá fora por um preço mais justo, pra que isso chegasse.... porque é importante fazer tudo isso e essa renda, ela vai dar efeito no bolso dos produtores. Isso nós conseguimos, fazendo muitas parcerias, alguns projetos também, e conseguimos chegar até lá”. (Entrevista com José Epaminondas Lima (Nando), presidente da CASAVAJ, em 14.07.2008).

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Assim que a farinha tornou-se o principal produto a ser trabalho pela CASAVAJ, o novo governo estadual do Acre que tomou posse no final dos anos 1990 (o governo de Jorge Vianna, formado pela coligação Frente Popular, cujo Partido dos Trabalhadores era o maior articulador) inseriu a cooperativa nos processos de licitação pública de compra dos produtos da agricultura familiar. O governo também passou a promover a chamada “indústria da farinha” na região. Segundo Waldemir Neto, coordenador da SEAPROF, nos três mandatos em que a coligação

“Frente Popular” esteve à frente do governo, de 1999 a 2010, foram implantadas cerca de 150 novas casas de farinha, chamadas de “casas de farinha moderna” em Cruzeiro do Sul. Outras 50 casas de farinha foram modernizadas. Somam-se a esse número inúmeras casas de farinha construídas pela prefeitura do município e pelos próprios agricultores. Nesse período, a exportação de farinha na região passou de 5.915 toneladas anuais em 2000 para 13.115 toneladas em 2009 (SEFAZ, 2010). O preço da saca de 50 kg, que valia R$12,00 em 2000, passou a R$100,00 em 2010.

O governo ainda ofereceu cursos sobre higiene na produção de farinha. O Sindicato dos Trabalhadores Rurais participou ativamente de todas essas propostas. Membros do sindicato, da CPT e da “Frente Popular” agiram em conjunto na implementação dessas políticas. Com esse apoio, a CASAVAJ conseguiu elevar o preço da farinha de mandioca e regular o preço no mercado. Essas ações fizeram com que a farinha se tornasse o principal produto econômico da região nos anos 2000.

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O sistema de aviamento, tão comum entre os seringueiros e agricultores durante os ciclos da borracha, deixou de ser praticado nas localidades no entorno de Cruzeiro do Sul nos anos 2000, salvo em alguns casos, geralmente, entre produtores que não se vincularam às sociedades agrícolas e outras associações. A maioria dos produtores passou a vender sua produção diretamente aos atravessadores.

A partir do momento que a CASAVAJ conseguiu pagar um preço maior que o oferecido pelo atravessador, tornou-se economicamente vantajoso para os produtores rurais venderem sua produção de farinha para a CASAVAJ. Com isso, a CASAVAJ conseguiu a adesão de inúmeros

A valorização da farinha no mercado de Cruzeiro do Sul

“Quando a CASAVAJ começou, nós conseguimos organizar capital de giro e ela começou a comprar a farinha. Se o atravessador pagava R$12,00 a saca, a CASAVAJ pagava R$15,00. Por que a CASAVAJ não visava o lucro que o atravessador visava, então ela tinha como pagar um pouco melhor para que o produtor pudesse ter uma renda maior com seu produto. Quando a CASAVAJ fazia isso, os produtores buscavam a CASAVAJ para comercializar, aí os atravessadores vinham e igualavam o preço da CASAVAJ. Aí igualava a R$ 15,00, a CASAVAJ ia e aumentava pra R$17,00. (...) Então a CASAVAJ tinha sempre como ir melhorando um pouco mais o preço e foi isso que fez com que a farinha em Cruzeiro de Sul chegasse em 2005 mais ou menos até R$47,00 a saca. (...) O que estava faltando era alguém que buscasse realmente regular esse preço para que não ficasse apenas nas mãos do atravessador. O Estado ajudou a regular isso. O interessante foi isso. Foi o governo da época, o Jorge Vianna que teve essa visão, de que através da organização dos produtores o Estado ia ter como intervir. Então foi isso que ele fez. Ele buscou o fortalecimento da CASAVAJ buscando capital de giro para a CASAVAJ fazendo que a ela participasse das licitações do governo para poder se capitalizar, poderia vir a CASAVAJ ser um mecanismo de regulação do preço da farinha. Na época do primeiro governo de Jorge Vianna, que foi feito isso, era governo da Frente Popular, governo do PT. Foi nessa época que surgiu essa ideia de fazer da CASAVAJ uma alternativa para elevar o preço da farinha de mandioca, por que o Estado não ia ter como fazer como garantir um preço mínimo e colocar no armazém da CAGEACRE. Mas através da organização comunitária e o governo dando suporte isso poderia acontecer. O governo teve um papel fundamental para isso, oferecendo a estrutura da CASAVAJ para que ela pudesse ajudar na regulação do mercado.” (Entrevista com Waldemir Neto, ex-CPT e atual coordenador da SEAPROF, 07/07/2008)

produtores de farinha durante os primeiros anos de operação. Em 2004, no entanto, a CASAVAJ fez um convênio com o governo federal que acabou desestruturando a cooperativa:

A Companhia Nacional de Abastecimento – CONAB, empresa pública vinculada ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento – MAPA que é encarregada de gerir as políticas agrícolas e de abastecimento, repassou uma verba de cerca de R$ 2 milhões para a CASAVAJ para financiar a produção de farinha de mandioca. A CASAVAJ realizou então a chamada “compra antecipada”: cerca de 900 cooperados receberam um valor entre R$1.000,00 a R$2.500,00 para começar a produção da farinha. Ao final da safra, o produtor deveria devolver esse valor em farinha. Muitos cooperados, porém, receberam o valor antecipado pela CASAVAJ e não pagaram de volta à cooperativa. A CASAVAJ ficou inadimplente junto ao CONAB e não conseguiu mais participar de nenhuma licitação ou qualquer outra ação governamental. A CASAVAJ também perdeu o capital de giro fundamental para continuar comprando a produção, se desestruturando completamente.

A direção da CASAVAJ conta que a “compra antecipada” foi imposta pelo governo estadual. A CASAVAJ, com a assessoria da CPT e apoio do STR, havia proposto a compra direta da produção. Mas o governo, mediante o argumento de que a compra antecipada iria estimular o produtor, preferiu adotar essa opção. Como a liberação do recurso era feita através do governo estadual, segundo os dirigentes da cooperativa, eles foram obrigados a adotar a “compra antecipada”.

Os depoimentos abaixo referem-se às versões da CASAVAJ, de um cooperado e do próprio governo sobre esse processo:

A versão da CASAVAJ:

“A compra antecipada foi um recurso do governo federal que foi disponibilizado através do governo do estado pra cooperativa. Existia uma parceria para a distribuição desse recurso entre governo federal, governo do estado, cooperativa e os produtores. Qual era a responsabilidade do governo federal? O governo federal era dono do recurso, ele queria distribuir, então ele passou esse recurso pra CASAVAJ, pra que a CASAVAJ fizesse o trabalho de distribuição desse recurso junto aos trabalhadores. E mais: o governo federal também seria responsável pelo fornecimento de sacaria, pra quando a CASAVAJ fosse receber esse produto não ter esse custo para os produtores. O governo do estado, ele era responsável pela parte logística. Nós, da CASAVAJ, tínhamos que

fazer reuniões com todas as comunidades que seriam beneficiadas, o governo do estado entraria com o transporte e combustível pra que isso acontecesse, e também com combustível e transporte para o escoamento dessa produção.

Nós seriamos os responsáveis pelo recurso: administração do recurso, liberação do recurso, recebimento de volta, no final do ano, e pagamento pra CONAB. O prazo desse recurso era um ano. (...) Nós distribuímos esse recurso para receber em um ano, mas o nosso objetivo, nós como cooperativa, era fazer compra direta. O produtor dava um produto lá, nós estamos com o dinheiro aqui, vamos lá, fazemos o contrato com ele direitinho, tem cinqüenta sacas de farinha, então faz o contrato de cinqüenta sacas, dá o cheque, ele vai no banco, recebe e a farinha vai pro armazém. Não tinha risco nenhum. Mas devido às normas do programa, nós tivemos que fazer dessa forma. Não fomos nós que determinamos essas regras”. (Entrevista com a diretoria da CASAVAJ, 14/07/2008).

A versão de um agricultor cooperado:

“... Até 2004, tava tudo bem. Foi quando apareceu o dinheiro da CONAB, do governo federal, para comprar a produção do agricultor. Chamaram nós para uma reunião, sabe?! O governo ia pagar a farinha de R$25 a saca. O pessoal vinha, olhava a roça e pagava R$2.500,00 pra cada um que quisesse. E aí passou o dinheiro pra cooperativa. A cooperativa passou, chamou os agricultores, aquele que podia fazer, mas sempre através da associação [agrícola], sabe. Era a associação que indicava o nome das pessoas, aí levavam o nome das pessoas, vinham olhar a roça e passavam o dinheiro.

A diretoria da cooperativa não queria isso não. E nós também, nesse tempo eu participava com eles lá, não achamos de acordo não. A gente queria que fosse uma compra direta. Eles pegassem o dinheiro, botassem no banco e a cooperativa fosse comprando o produto, já feito. Mas eles acharam que não, que tinham que ajudar o agricultor, fazer a compra antecipada, aí eles vinham olhar a roça, e já adiantavam o dinheiro pro produtor. E aí que foi o desastre. Porque tinha produtor que não tinha consciência mesmo, às vezes mostrava até a roça do outro... Uma parte não pagou, mas teve uma parte que pagou, uns não pagaram tudo, mas pagou uma parte.

Mais ou menos 800 famílias fizeram parte da compra antecipada... a maior parte dos agricultores pegava o produto dele e vendia pro marreteiro. Por que uma parte achava que se vendesse pra CASAVAJ ia fica na conta e não ia receber o dinheiro pelo produto. Aí vendia pro

marreteiro. ... Vamos dizer, eram 100 sacas pra cada produtor. Pra ele fazer as 100 sacas pra entregar pra pagar aquela conta, ele já achava dificuldade pra pagar, porque fazer 100 sacas só pra entregar, muitas vezes ele já precisava do dinheiro, aí ele vendia pro marreteiro”. (Entrevista com um agricultor cooperado, 08/06/2008).

A versão do governo:

“O governo do estado queria fazer realmente a compra antecipada. Antecipar o dinheiro aos produtores e com a produção, os produtores devolveriam em farinha para o governo, através da cooperativa. A CASAVAJ era contra, como a CPT e outras instituições, que já conheciam outras experiências que não deram certo, de antecipação de recurso. O que a cooperativa sugeriu pro governo, propôs pro governo foi a compra direta. Comprar diretamente. O produtor tinha produção, então adquiria a produção, pagava pra ela e já trazia a farinha para o armazém. Mas como a ação do governo era da compra antecipada, aí se bateu o pé através da SEATER na época, que realmente queria que fosse compra antecipada. E com isso criou todo esse problema que se estendeu até agora. Porque realmente a cooperativa adiantou o dinheiro para os produtores e os produtores não devolveram o dinheiro para a cooperativa, ficando a cooperativa inadimplente e indo por água baixo toda uma ação que estava sendo realizada.

O governo insistiu na compra antecipada porque acreditava que seria o melhor para fortalecer os produtores. Foi uma avaliação errada de governo. Eu tenho essa avaliação por estar no governo... na época eu não estava na SEAPROF, tinha ido fazer uma outra missão de governo, mas também fiz essa reflexão. E o governo tinha uma reflexão sobre esse ponto que achava que com isso fortaleceria mais a produção familiar. E na verdade, foi o contrario. O que fez foi enfraquecer todo um trabalho que já vinha sendo feito através da cooperativa. Se o governo tivesse na época aceitado a proposta, que foi uma proposta não só da cooperativa, mas da CPT, do Sindicato dos Trabalhadores Rurais, que era fazer a compra direta, com certeza hoje a gente estaria em outro patamar com essa organização. Então a gente conseguiu... em vez de fortalecer um trabalho, regredir um trabalho que estava sendo positivo da cooperativa”. (Entrevista com a diretoria da SEAPROF, 04/08/2010).

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A opção pela “compra antecipada” fez com que a CASAVAJ fracassasse financeiramente, mas principalmente, com que perdesse sua força. Segundo Hirschman (1987:42), “o

estabelecimento e fortalecimento de laços de amizade e camaradagem entre os sócios, o fato de unir forças, mesmo para um fim modesto, tem um valor simbólico. É um ato de auto-confirmação que enche as pessoas de orgulho e pode até mesmo ser considerado como início de liberação, especialmente de grupos que há muito sofrem e são oprimidos”.

Esse benefício simbólico não-monetário de que fala Hirschman (1987), como orgulho, auto confiança, sentimento de liberação, etc., intensificam os benefícios monetários de uma cooperativa. Se a cooperativa estiver em dificuldades financeiras, esses benefícios se transformarão em perda, à medida que o orgulho for ferido, a auto-confiança for abalada e mais uma vez se dissiparem as esperanças de liberação.

No caso da CASAVAJ, esse orgulho e essa confiança foram afetados no momento em que a cooperativa aceitou que o governo estabelecesse as regras da sua atuação. Se por um lado, o governo vinha apoiando a cooperativa, inserindo-a nos processos de licitação, oferecendo possibilidades de novas comercializações e incentivando o aumento da produção de farinha, por outro, esse mesmo governo interferiu na autonomia da cooperativa de forma que suas ações coletivas se dissipassem.

Explico: quando a CASAVAJ adotou a “compra antecipada”, em 2004, muitos produtores rurais de Cruzeiro do Sul já haviam contraído algum tipo de financiamento, através de programas de crédito como FNO, do BASA, e PRONAF, do Banco do Brasil. A maioria desses agricultores não havia quitado suas dívidas quando receberam o dinheiro da compra antecipada. Da mesma maneira, eles não entregaram sua produção para a CASAVAJ como forma de pagamento pelo valor antecipado. As razões para tal foram semelhantes às apontadas por não terem quitado os financiamentos. No caso da Vila São Pedro, por exemplo, os agricultores contam que “houve um surto de malária que atrapalhou o trabalho dos agricultores”. Também apontam que “a lagarta mandarová atacou os roçados de mandioca, prejudicando a colheita”. Por fim, dizem que “a assistência técnica, que estava prevista, não cumpriu o contrato”.

Eis alguns relatos de agricultores da Vila São Pedro sobre porque não pagaram a “compra antecipada”:

“Eu peguei R$2.000,00 quando a roça tava pequena e depois tinha que pagar com farinha. Dava 80 sacas de farinha. Mas não consegui pagar. Deu problema da lagarta” (15/05/2010)

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“Nós fizemos o produto para entregar, eram 40 sacas. Depois de dois meses a CASAVAJ não veio buscar. Eles autorizaram vender o produto pro marreteiro. Eles queriam o produto em farinha. Daí não paguei em dinheiro”. (15/05/2010)

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“Paguei a CASAVAJ com 30 sacas de farinha, deu R$1.550,00. Nas outras sacas, o marreteiro ofereceu preço melhor e vendi para eles. Faltou o resto para pagar a CASAVAJ, mas como ninguém pagou, também não quis mais pagar”. (06/07/2010)

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Muitos agricultores se queixaram do pessoal da CASAVAJ também... Porque antes disso, eles [coordenadores da CASAVAJ] não tinham nada e aí depois todo mundo andando de carro, moto... aí teve aquele problema: “ah, fulano ta usando dinheiro da cooperativa, então, eu também não tenho que pagar”. E aconteceu mesmo. Quando eles saíram da cooperativa, teve deles que

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