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1. Introdução

1.3. Infecção por bartonelas

1.3.6. Caso índice

Homem branco, 49 anos, peão de rodeio, natural e procedente de Piracicaba (22° 43′ 30″ S, 47° 38′ 56″ W), foi internado em agosto de 2010 no Hospital de Clínicas da Universidade Estadual de Campinas (HC-Unicamp) apresentando lesões cutâneas pápulo-nodulares pelo corpo e edema dos membros inferiores, acompanhados de linfonodomegalias cervicais, axilares e inguinais havia seis meses.

Referia sudorese noturna, sem febre aferida. Havia sido encaminhado ao ambulatório de Hepatites Virais da Infectologia do HC-Unicamp com PCR positiva para o vírus B com 298.917 UI/mL de DNA (5,48 log). Apresentava sorologias não reagentes para anti HBc e HBe. Trazia exame anátomo-patológico hepático com discreto infiltrado linfocitário portal com ausência de hepatite lobular. Havia tomado lamivudina por 14 meses interrompendo o tratamento por conta própria dois anos antes. Evoluiu com oscilação de transaminases, plaquetopenia, esplenomegalia e edema de membros inferiores.

Além da hepatite B crônica, o paciente referia etilismo anterior ao diagnóstico da hepatite e negava outras doenças ou uso de medicamentos.

No exame físico o fígado foi palpável a 3 cm e o baço percutível e palpável a 2 cm do rebordo costal. Apresentava linfonodos de 1-2 cm de diâmetro nas cadeias mencionadas e nas cadeias submandibular e mentoniana, não coalescidos. No exame dermatológico foram observadas lesões eritêmato- nodulares, algumas hipercrômicas, outras com ulceração central, nos glúteos e face posterior das coxas. Além disso, apresentava manchas hipercrômicas residuais pelo corpo, madarose e infiltração de lóbulos das orelhas. Os nervos cubitais e poplíteos estavam espessados e havia hipoestesia térmica e tátil em botas e luvas. Apresentava edema dos membros inferiores +/4+ e, na face plantar da base do hálux esquerdo, hiperqueratose com ulceração central de 0,5 cm de diâmetro.

O diagnóstico de hanseníase virchowiana foi confirmado por baciloscopia de linfa e exame anátomo-patológico de fragmento cutâneo, o qual evidenciou a presença de dermo-hipodermite crônica, rica em macrófagos espumosos e contendo numerosos bacilos álcool-ácidos resistentes (BAAR) à coloração de Ziehl-Neelsen, com acometimento de feixes nervosos.

A linfonodomegalia febril foi considerada manifestação de reação hansênica subentrante acompanhada de eritema nodoso necrotizante. Com 4.085 UI/mL de DNA do vírus B, optou-se por conduta expectante para a hepatite B, esquema multibacilar para tratar a hanseníase e o uso de prednisona 30mg/d e albendazol profilático para a reação tipo 2, além de vitamina D, carbonato de cálcio e omeprazol.

Para a triagem de possíveis desencadeadores reacionais e da linfonodomegalia febril crônica foram solicitadas avaliação odontológica, sorologias para paracoccidioidomicose, brucelose, sífilis, toxoplasmose, mononucleose, aids e hepatite C, teste tuberculínico e RX do hálux esquerdo. Não havia atividade de nenhuma destas doenças, pois, embora a sorologia para hepatite C tenha sido positiva, a pesquisa do RNA viral por PCR foi negativa. O teste tuberculínico também foi negativo. Dos demais exames o paciente apresentava plaquetopenia de cerca de 100.000 células/mm3 de sangue que se manteve no seguimento.

Houve piora do quadro reacional e da ulceração do pé esquerdo. A prednisona foi aumentada para 80mg/d e prescrita talidomida 100mg/d. O paciente teve piora intensa do edema de membros inferiores e a talidomida foi suspensa e contraindicada por considerar-se a hipótese de farmacodermia. Foi prescrito difosfato de cloroquina 250mg/d na tentativa de controlar as reações, sem sucesso, e houve instalação de lesão plantar direita simétrica. Foram indicadas órteses plantares.

Como houve elevação para 9.270 UI/mL de DNA do vírus, foi iniciado o uso de tenofovir 300mg/d. Foi iniciada também amitriptilina 25mg/d e a prednisona aumentada para 100mg/d. O paciente passou a apresentar artrite de cotovelo e joelho direitos. Foi internado para realização de exames e reintrodução de talidomida que o paciente tolerou com melhora clínica, sendo possível reduzir a prednisona para 60mg/d. A hemoglobina que era 13 no início do tratamento havia reduzido lentamente para 10g/dL e a dapsona foi trocada por ofloxacina 400mg/d com melhora da anemia.

No ecocardiograma apresentou derrame laminar e não foram vistas vegetações.

Chegou a tomar 20mg/d de prednisona e 200mg/d de talidomida, mas manteve edema de membros inferiores e o mal perfurante plantar esquerdo.

Um exame anátomo-patológico cutâneo feito após um ano de tratamento multibacilar apresentava agregados de macrófagos xantomatosos na derme superficial e profunda. Não foram observados esboços de granulomas ou vasculite. A pesquisa de bacilos ácido-álcool resistentes (BAAR) foi negativa. Mesmo assim o tratamento com rifampicina, clofazimina e ofloxacina foi mantido. O paciente, por vezes, apresentava agudização da parestesia dos membros inferiores ou agravamento do edema de mãos e pés. Também, o controle com monofilamentos para avaliação da sensibilidade mostrava oscilação, motivando a elevação da prednisona em várias ocasiões.

Com 22 doses da multidrogaterapia, o paciente fez novo exame anátomo- patológico que mostrou dermo-hipodermite crônica, perivascular e perineural, com macrófagos espumosos, plasmócitos, comprometimento de filetes nervosos, com pesquisa de BAAR negativa à coloração de Ziehl-Neelsen modificada.

O paciente completou 24 doses do tratamento para hanseníase. Sete meses depois, com PCR para hepatite B inferior a 20 UI/mL, foi submetido a colicistectomia e o fígado foi então biopsiado. O exame anátomo-patológico da vesícula biliar evidenciou macrófagos xantomatosos subepiteliais e o exame do fígado apresentou cirrose com formação de pseudonódulos regenerativos com moderado infiltrado linfocitário septal. Como na endoscopia digestiva alta apresentava varizes esofágicas de fino calibre o paciente foi classificado como Child A.

Um ano após o término do tratamento da hanseníase o paciente apresentou hematúria (16 hemácias por campo) com dismorfismo eritrocitário. O tratamento para hepatite B foi substituído por entecavir 1mg/d que foi reduzido posteriormente para 0,5mg/d. A hematúria foi transitória e não houve alteração da função renal.

Durante todo tempo, foi necessário manter o uso de drogas para reações subentrantes: prednisona que ao final do tratamento da hanseníase estava em dose baixa (5mg/d) e foi suspensa, mantendo apenas talidomida. As lesões de mal perfurante plantar também foram constantes, porém oscilavam de localização na dependência da órtese fornecida e do seu uso, sempre irregular. Os tornozelos foram se deformando ao longo dos meses e se instalaram pés de Charcot. Apesar do uso da talidomida, em muitos retornos referia ter apresentado ou apresentava ao exame físico nódulos eritematosos pelo corpo.

A queixa de parestesia em botas e luvas oscilava a despeito do aumento do corticoide ou uso de amitriptilina ou carbamazepina.

Trinta e três meses após o término do tratamento para hanseníase o paciente apresentou lesões bolhosas sobre base eritematosa, sem nodulação clínica, nos membros inferiores. Uma das lesões foi submetida a biópsia e o exame histopatológico evidenciou dermo-hipodermite crônica inespecífica perivascular, com edema da derme alta, bolha subepidérmica ulcerada e em reepitelização, com pústula, depósito intersticial de fibrina e numerosas células xantomatosas. Foram observados, às colorações especiais pelo método de Ziehl-Neelsen, numerosos BAAR íntegros, distribuídos irregularmente, por vezes formando globias, inclusive na parede de vasos, além de bacilos fragmentados no interior de macrófagos (poeira de

Marchoux). No retorno o paciente referia cerca de dois episódios mensais de lesões bolhosas semelhantes à biopsiada, com duração de dois a três dias e melhora espontânea. Com a hipótese clínica de resistência do Mycobacterium leprae, dado o pequeno intervalo para recorrência da doença denunciada pela presença das globias, nova biopsia foi feita do lóbulo da orelha para envio de fragmento para pesquisa de genes de resistência. O tratamento foi reiniciado com rifampicina, clofazimina e ofloxacina. No exame anátomo-patológico do fragmento cutâneo biopsiado não foram observados bacilos íntegros e apenas achados compatíveis com poeira de Marchoux. Não foi possível encaminhar o material coletado para pesquisa de resistência na instituição de referência que se localizava em outra cidade e o fragmento cutâneo foi submetido à pesquisa de bartonela, uma vez que estes agentes podem causar infecção assintomática, o paciente referia contato frequente com animais e carrapatos e por manter reação hansênica do tipo 2 subentrante. O DNA foi extraído da amostra cutânea com kit da Qiagen A pesquisa de DNA para Bartonella spp. da cultura líquida de enriquecimento foi positiva na PCR convencional para a região ITS e para o gene ssrA. Houve homologia de 100% com a espécie Bartonella henselae (acesso ao GenBank BX 897699.1) dos dois amplificados. Foi solicitada a pesquisa molecular de bartonela no sangue do paciente já em tratamento para a hanseníase que foi negativa. Foi prescrita doxiciclina 200mg/d por via oral, mas o paciente não fez uso por apresentar diarreia. Seis meses depois do reinício do tratamento para a hanseníase, o paciente foi internado para antibioterapia intravenosa com gentamicina 80mg a cada 8h e amoxacilina+clavulanato 1g a cada 8h por 15 dias. Durante a internação foram realizadas tomografias de tórax e abdômen que não evidenciaram linfonodomegalias. Na alta foi prescrita azitromicina 250mg/d que o paciente usou até completar seis semanas. Já no primeiro retorno referia ter deixado de apresentar lesões cutâneas eritêmato-edematosas. A talidomida foi diminuída para 100 mg em dias alternados e posteriormente suspensa. Nesta época houve melhora do edema dos membros inferiores e cicatrização das úlceras plantares.

Completados seis semanas do tratamento para bartonelose, o paciente interrompeu o uso de azitromicina por intolerância gástrica.

Nova biópsia do lóbulo de orelha foi feita com dez meses do novo tratamento para hanseníase e foram observados vários agregados de células

xantomatosas na derme, porém não foram encontrados BAAR nem poeira bacilar (Fite Faraco). A PCR para vírus B não detectou DNA viral. O tratamento multibacilar foi concluído.

Trinta e seis meses depois de terminado o tratamento o paciente apresenta-se sem reações hansênicas e sem sinais de recidivas. O paciente mantem-se apenas com medicações para parestesia sequelar e a droga antiviral para a hepatite.

1.4. Justificativa

Entre os principais fatores capazes de ativar as reações hansênicas em pacientes multibacilares estão as coinfecções. Nada se sabe a respeito da prevalência de Bartonella spp. em pacientes que apresentam reações hansênicas subentrantes de difícil controle. Considerando-se que esses agentes também podem causar infecções assintomáticas e que essa condição poderia estar associada ao gatilho imunológico que propicia essas reações hansênicas, como sugere o caso relatado. Este estudo potencialmente contribuirá para o desenvolvimento de ações que possam auxiliar na diminuição das reações, minimizando as chances de ocorrência de incapacidades físicas, caso haja alta prevalência de infecção por Bartonella spp. nesses pacientes.

2.

Objetivos

2.1. Geral

Avaliar a prevalência de infecção por Bartonella spp. por meio de métodos microbiológicos e moleculares, em pacientes que têm ou tiveram hanseníase multibacilar que estejam fazendo tratamento por apresentarem reações hansênicas subentrantes de difícil controle a mais de seis meses.

1. Avaliar a prevalência de infecção por Bartonella spp. a partir de amostras sanguíneas por meio da combinação de métodos microbiológicos e moleculares.

2. Avaliar a presença de DNA de Bartonella spp. em fragmentos cutâneos parafinados de biópsias, do grupo de pacientes em estudo, que tenham sido feitas no Hospital de Clínicas da Unicamp.

3. Comparar a relação dos resultados obtidos das análises microbiológicas e moleculares com as respostas dadas no questionário de fatores de risco para bartoneloses.

3.

Metodologia

3.1. População do estudo

Foram estudados 20 pacientes maiores que 18 anos, de ambos os sexos, que apresentavam reações hansênicas subentrantes do tipo 2, de difícil tratamento, há mais de seis meses e que aceitaram participar voluntariamente do estudo.

3.2. Local

Todos os pacientes do estudo faziam tratamento no Ambulatório de Dermatologia do Hospital de Clínicas da Unicamp, na cidade de Campinas-SP. No protocolo deste serviço, todos os pacientes que apresentam reações subentrantes têm os fatores desencadeantes investigados. Entre eles estão: gestação, estresse físico ou mental, drogas (anticoncepcionais, iodeto de potássico, anticonvulsivantes), infestações e coinfecções. Além disso, todos os pacientes sob essas condições são requeridos: avaliação odontológica, investigação de sinusite crônica, teste tuberculínico (PPD) se ainda não tiver feito, exames protoparasitológicos, sorologias para hepatites e HIV e uranálise, no caso de mulheres assintomáticas.

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