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Infecção por Bartonella spp. em pacientes que apresentam reações hansênicas subentrantes

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Academic year: 2021

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FACULDADE DE CIÊNCIAS MÉDICAS

LUCIENE SILVA DOS SANTOS

INFECÇÃO POR Bartonella spp. EM PACIENTES QUE APRESENTAM REAÇÕES HANSÊNICAS SUBENTRANTES

CAMPINAS 2018

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INFECÇÃO POR Bartonella spp. EM PACIENTES QUE APRESENTAM REAÇÕES HANSÊNICAS SUBENTRANTES

Dissertação apresentada à Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas como parte dos requisitos exigidos para a obtenção do título de Mestra em Ciências, na área de concentração Clínica Médica.

ORIENTADOR: Elemir Macedo de Souza

COORIENTADOR: Paulo Eduardo Neves Ferreira Velho

ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA DISSERTAÇÃO DEFENDIDA PELA ALUNA LUCIENE SILVA DOS SANTOS E ORIENTADA PELO PROF. DR. ELEMIR MACEDO DE SOUZA.

CAMPINAS 2018

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ORIENTADOR: ELEMIR MACEDO DE SOUZA

COORIENTADOR: PAULO EDUARDO NEVES FERREIRA VELHO

MEMBROS:

1. PROF. DR. ELEMIR MACEDO DE SOUZA

2. PROF. DRA. ALEXSANDRA RODRIGUES DE MENDONÇA FAVACHO

3. PROF. DRA. RENATA FERREIRA MAGALHÃES

Programa de Pós-Graduação em Clínica Médica da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas.

A ata de defesa com as respectivas assinaturas dos membros da banca examinadora encontra-se no processo de vida acadêmica do aluno.

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Dedico este trabalho a todos os profissionais que se empenham no ensino e na pesquisa de doenças negligenciadas. Infelizmente a esperança de muitos está nas mãos de poucos.

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Primeiramente tenho muito a agradecer aos alunos do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) que refletiram sobre a dificuldade que eles tiveram para passar no vestibular daquela Instituição, considerado uma das provas de seleção mais difíceis da América Latina.

A grande maioria deles tinha apoio familiar, ensino de qualidade do berçário ao médio e condições financeiras satisfatórias, ou seja, tudo que a grande maioria dos alunos de escolas públicas não têm ou tiveram. Tendo em vista isso, um grupo de alunos idealizaram um cursinho pré-vestibular exclusivo para os alunos provenientes de escola pública e de baixa renda. Assim foi criado o Curso Alberto Santos Dumont (Casd, também conhecido por CasdVest). Inicialmente suas atividades começaram no porão de um cursinho comercial da região, sobre o qual há relatos de que quando chovia os alunos ficavam com água na altura das canelas. Eles eram muito bons em exatas, mas não tinham nenhuma formação pedagógica, entretanto eles tinham tudo o que precisávamos: conhecimento, vontade de ensinar e, o principal, acreditavam de fato em nós.

Hoje o CasdVest é um dos cursinhos que mais têm aprovações de alunos em universidades públicas, eles aprovam mais do que muitos cursinhos particulares.

Posso dizer, com propriedade, que esses alunos do ITA conseguiram mudar o “Mundo”, o mundo de muitos alunos como eu... Sem dúvidas é o maior transformador de realidades que eu conheci! O importante é que isso não acaba na aprovação, somos uma família. O crescimento pessoal não é nada se não crescermos socialmente. Essa eterna gratidão é uma corrente que não se quebra e ela é transmitida por nós todos os dias em nossas atitudes, pois também sabemos que podemos mudar o mundo de alguém.

Hoje temos em quem nos espelhar. Nenhum de nós tinha alguém na família com ensino superior e hoje somos uma multidão de formados e formandos em várias áreas. Temos a consciência de que juntos somos mais fortes e o amor, a dedicação e a confiança são incentivos essenciais para a realização de sonhos e

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Aqui na Unicamp eu tenho muito a agradecer aos meus professores do Instituto de Biologia. Esse curso sempre foi um dos meus maiores sonhos. A grande maioria das disciplinas nunca deixaram a desejar. O bom de ter uma origem humilde é que apreciamos tudo com empolgação, afinal “nem era para eu estar ali”.

In memoriam agradeço ao Prof. José Roberto Trigo, o grande “Trigão”, por ter me ensinado uma das matérias mais fantásticas e complexas da biologia: Ecologia.

Agradeço a Marina Drummond. Não me vejo hoje sem toda a ajuda e suporte que dela recebi. Há 4 anos quando entrei para equipe eu não tinha noção do que era trabalhar em laboratório, ao menos sabia quais eram as ponteiras certas para cada pipeta. Graças à didática, carinho e paciência para responder as minhas perguntas, que não foram poucas, hoje sou capaz de realizar todos os procedimentos e treinar os novos estagiários da equipe. Posso dizer com propriedade que eu descobri o real significado da frase “inspirar-se em alguém”. Ela não foi apenas uma grande tutora, mas também se tornou uma grande amiga! Daquelas que temos a certeza que é para a vida toda. Sou muito grata e sortuda, pois sei que esse nível de afinidade, respeito e companheirismo é raríssimo.

Agradeço muito o meu coorientador Prof. Dr. Paulo Velho, quem o conhece sabe o quanto ele é um verdadeiro “gentleman”. Nunca vi pessoa tão gentil, polida, educada... Confesso que até bons modos com ele apreendi. Infelizmente não tive a oportunidade de tê-lo como professor na graduação, pois admiro o quanto ele se preocupa com a qualidade do ensino. Não poderia deixar de agradecê-lo por todas as correções, sempre criterioso e detalhista. Com toda certeza aprendi mais português com ele do que nos meus 11 anos de ensino fundamental e médio. Agradeço e peço perdão por dar trabalho na correção. Bom, dizem que os orientandos acabam adquirindo as manias dos orientadores, eu gostaria de ter essa capacidade de fazer tanta coisa e ser boa em todas elas.

Ao Prof. Dr. Elemir, sou grata por me ensinar sobre hierarquia, experiência de vida e construção de legados. Afinal, ele é o professor do meu professor! Tenho muito respeito por toda sabedoria e conhecimento por ele transmitido.

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coturno, cintos de bala, cabelão e cheio de tatuagens...pois é, não tenho um pai “tradicional” rs... O apetrecho que eu mais amo nele, e ele sabe usar muito bem, é o seu enorme coração. Meu pai é aquela pessoa rara que todos gostariam de ter como amigo, é aquele que marca a vida e que todos lembram com carinho. Ele é “culpado” por boa parte do que eu sou hoje, sem isso tudo seria muito mais complicado e penoso.

Agradeço minha vó Maria por ter sido a mãe que eu nunca tive, que cuidou de mim da melhor forma que ela podia. É tão estranho ficar doente e não tê-la por perto, confesso que sinto saudades até das “pajelanças”: se eu estou com tosse e catarro, lá vem a Dona Maria trazendo o café com banha de galinha. Se tomei uma picada de inseto, a Dona Maria surge de prontidão com um frasquinho de spray contendo um composto com várias ervas em álcool e assim vai... Como o meu pai, ela sempre me apoiou a continuar os estudos. Graças a eles hoje sou bióloga formada pela Unicamp, embora o sonho dela fosse que eu estudasse farmácia, por que será? rs...

Agradeço ao Marcelo, o Amor da minha vida, que há 6 anos me deixa feliz só por lembrar que ele existe. Quando um experimento não funcionava, ou um equipamento quebrava e atrasava todo o meu cronograma, era ele que aguentava as minhas angústias de perto. Quando as coisas fluíam e eu aprendia algo novo e empolgante, era que aguentava eu repetir mil vezes a mesma história, rs... Muito obrigada pelos risos espontâneos em todos os momentos, especialmente nos naqueles difíceis.

Agradeço a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pelo auxílio financeiro, o qual sem ele este trabalho não seria possível.

Por fim, e não menos importante, agradeço a todos da equipe do laboratório, pelo suporte nos experimentos, aprendizado e boas risadas. Agradeço a todos os meus professores (sem exceção) pela construção do meu conhecimento e, principalmente, pelas dúvidas plantadas. Aos meus amigos, em particular aos que não vejo há muito tempo, e jamais estão ausentes... sempre oferecendo uma boa conversa online, nos momentos de estresse.

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Dados da Organização Mundial da Saúde mostram que no Brasil a hanseníase ainda é um preocupante desafio a ser resolvido. Embora seja uma doença que apresenta baixa taxa de letalidade, a hanseníase é uma das que mais causa incapacidades físicas, sendo que a maioria dessas têm a sua origem nos episódios inflamatórios agudos próprios das reações hansênicas. Os pacientes que apresentam essas reações são, muitas vezes, medicados com corticoides em doses imunossupressoras. A longo prazo, esse tipo de terapia, além de outros problemas, torna os pacientes susceptíveis a infecções por outros patógenos. Essas coinfecções, mesmo que subclínicas, podem desencadear novas reações hansênicas, dificultando o tratamento e aumentando os riscos de lesões incapacitantes. As bartonelas são patógenos negligenciados de distribuição mundial, que causam bacteremia cíclica, potencialmente assintomática, podendo evoluir para manifestações graves. O objetivo deste trabalho foi avaliar a prevalência da infecção por Bartonella spp. em pacientes que apresentavam reações hansênicas subentrantes de difícil controle há pelo menos seis meses. Para isso foram analisadas as amostras de sangue de pacientes usando a combinação de vários métodos microbiológicos (cultura líquida e subcultura sólida) e moleculares (PCR convencional, PCR de dupla amplificação e PCR em tempo real). Também foram avaliados, por meio dos métodos moleculares citados, fragmentos cutâneos parafinados dos pacientes que porventura haviam sido biopsiados durante o tratamento e tinham tecido disponível para o estudo. Dos 20 pacientes analisados, nove (45%) apresentaram positividade para infecção por Bartonella spp. e em quatro deles foi possível isolar Bartonella henselae. Quatro entre os 12 pacientes, que tinham tecido parafinado disponível, apresentaram PCR positiva nesse tipo de amostra. Assim, foi possível avaliar que o uso de tecido parafinado pode ser uma alternativa para o diagnóstico retroativo da infecção por esses agentes. Os resultados obtidos neste trabalho sugerem que infecções por Bartonella spp. devem ser incluídas na lista de infecções que potencialmente contribuem para o desencadeamento de reações hansênicas subentrantes de difícil controle.

Palavras-chave: Bartonella; Hanseníase Multibacilar; Prevalência; Doenças Negligenciadas.

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Data from the World Health Organization show that leprosy in Brazil is still a troubling challenge to be solved. Although it is a disease that presents a low lethality rate, leprosy is one of the main causes of physical disabilities, most of which have their origin in the acute inflammatory episodes characteristic of leprosy reactions. Patients who have these reactions are often given corticosteroids in immunosuppressive doses. In addition to other health problems, corticosteroids long-term therapy makes patients susceptible to infections by other pathogens. These coinfections, even if subclinical, can trigger new leprosy reactions, making treatment difficult and increasing the risk of disabling injuries. Bartonella spp. are neglected pathogens of worldwide distribution. They cause cyclical and potentially asymptomatic bacteremia that can evolve to severe manifestations. The main objective of this work was to evaluate the prevalence of Bartonella spp. in patients with chronic type 2 leprosy reactions for at least six months. For this purpose, blood samples from 20 of these patients were analyzed using a combination of several microbiological methods (liquid culture and solid subculture) and molecular methods (conventional PCR, nested PCR and real-time PCR). The paraffin-embedded cutaneous fragments of the patients who had been biopsied in the hospital and had tissue available for the study were also evaluated using molecular methods. Of the 20 patients analyzed, nine (45%) presented positivity for infection by Bartonella spp. and four of them had a Bartonella henselae isolate. Twelve patients had paraffin-embedded tissue available for analysis and four were B. henselae positive. The results obtained in this work suggest that infections by Bartonella spp. should be included in the list of infections that potentially contribute to the onset of leprosy chronic reactions and that paraffin-embedded tissue may be an alternative way to the retroactive diagnosis of infection by these agents.

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1. Introdução ... 13 1.1. Hanseníase ... 13 1.1.1. Epidemiologia ... 14 1.1.2. Diagnóstico e classificação ... 16 1.1.3. Tratamento ... 17 1.2. Reações hansênicas ... 19

1.2.1. Epidemiologia das reações hansênicas ... 21

1.2.2. Gatilhos imunológicos reacionais... 21

1.2.3. Tratamento das reações hansênicas ... 22

1.2.4. Reações hansênicas subentrantes ... 22

1.2.5. Complicações relacionadas ao uso de corticoides ... 24

1.3. Infecção por bartonelas ... 24

1.3.1. Bartonella spp. ... 25

1.3.2. Manifestações clínicas ... 27

1.3.3. Desafios diagnósticos ... 31

1.3.4. Risco potencial de bartonelose durante terapias imunossupressoras ... 32

1.3.5. Tratamento para bartoneloses ... 32

1.3.6. Caso índice ... 33 1.4. Justificativa ... 38 2. Objetivos ... 38 2.1. Geral ... 38 2.2. Específicos ... 38 3. Metodologia ... 39 3.1. População do estudo ... 39 3.2. Local ... 39

3.3. Fatores de risco para infecção por bartonelas (questionário) ... 40

3.4. Métodos ... 40 3.5. Aspectos éticos ... 45 4. Resultados ... 45 5. Discussão ... 49 6. Conclusão ... 57 7. Referências ... 59 8. Apêndices ... 69

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9. Anexos ... 76 Anexo 1 – Parecer Consubstanciado do Comitê de Ética em Pesquisa da Unicamp ... 76 Anexo 2 – Artigo submetido e aceito para publicação na JDDG: Journal der

Deutschen Dermatologischen Gesellschaft ... 81 Anexo 3 – Trabalho submetido para o 54ª Congresso da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical- Medtrop 2018 ... 84

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1. Introdução

1.1. Hanseníase

A hanseníase é uma doença crônica infectocontagiosa de evolução lenta causada pelo Mycobacterium leprae e também pelo Mycobacterium lepromatosis, ambos similares. O último só foi descoberto em 2008 no México, após análise genética dos bacilos presentes em pacientes virchowianos (1-3). Esses agentes são responsáveis pelo comprometimento, primeiramente, de nervos periféricos e secundariamente da pele, olhos e, nos pacientes virchowianos polares, de qualquer órgão do organismo (3). A infecção pode provocar incapacidades físicas e evoluir com significativas deformidades (1). Embora seja conhecida desde os primórdios da civilização, a hanseníase, especialmente no Brasil, ainda é um grande problema de saúde pública a ser resolvido. Fruto da combinação de vários fatores genéticos, ambientais e sociais, a antiga “lepra”, foi erradicada em países desenvolvidos, mesmo antes de uma antibioterapia efetiva, evidenciando que sua eliminação não se trata apenas de um problema biológico (4). Apesar da potencial cura, e a quebra do ciclo de transmissão por meio do esquema terapêutico padronizado, conhecido como multidrogaterapia (MDT), a doença ainda está longe de ser eliminada do território brasileiro.

Muito importante para história da medicina, o agente M. leprae foi a primeira bactéria a ser associada a uma doença humana (5). São patógenos intracelulares obrigatórios que têm predileção por macrófagos da pele e as células de Schwann do sistema nervoso periférico (3). Os bacilos são morfologicamente retos ou ligeiramente encurvados de 1,5 a 8 mícron de comprimento por 0,2 a 0,5 mícron de largura. Pertencentes ao mesmo gênero do agente da tuberculose, Mycobacterium tuberculosis, esses patógenos têm algumas características em comum: são bacilos álcool-ácido resistentes (BAAR) e possuem crescimento lento (3).

O M. leprae são bactérias intracelulares obrigatórias e um dos maiores desafios, que dificultam os estudos destes microrganismos, é a impossibilidade de

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isolar suas colônias in vitro. Ainda não foi possível criar um meio e condições que atendam todas as exigências desses bacilos, além disso, o seu crescimento bastante lento (11 a 16 dias) é outro entrave para o avanço das pesquisas (6, 7).

Por exigir temperaturas variando de 30 a 35°C para o seu crescimento, o M. leprae tem predileção por regiões mais frias do corpo como nariz, orelha e dedos (3). Nos organismos altamente infectados os bacilos viáveis formam aglomerados, conhecidos como globias (6).

O agente é transmitido preferencialmente pelas vias aéreas, principalmente no convívio prolongado com portadores multibacilares sem tratamento (3). Embora muitos bacilos sejam eliminados pelo portador potencialmente transmissor, nem todos do convívio com os doentes desenvolvem a doença. Estima-se que mais de 95% dos indivíduos apresentam imunidade natural capaz de impedir o desenvolvimento da infecção (3, 8, 9).

O Brasil é um país que tem uma trágica história em relação às políticas de isolamento compulsório que perdurou até os meados dos anos 80, mesmo já tendo conhecimento de que pacientes em tratamento não eram fontes de transmissão da doença. Essa postura reforçou o preconceito para com os portadores da doença, além de separar famílias inteiras e causar todo o sofrimento psicológico por conta deste tipo de medida (10).

O estigma era tão grande no país em torno do nome “lepra” que em 1995 uma das medidas tomadas pelo governo foi proibir o uso da palavra em todos os documentos oficiais, substituindo-a por “mal de Hansen”, ou simplesmente hanseníase. Hoje o Brasil é o único país que eliminou o termo e não alcançou a meta de eliminação da doença (11).

1.1.1. Epidemiologia

Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) de 2015, mostram que 94% dos doentes se encontram em 13 países: Etiópia, Bangladesh, Brasil, Filipinas, Índia, Indonésia, Madagascar, Mianmar, Nepal, Nigéria, República Democrática do Congo, República Unida da Tanzânia e Sri Lanka. (12).

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O Brasil, a Índia e a Indonésia apresentam juntos 81% de todos os casos novos notificados da doença. O Brasil encontra-se no segundo lugar no ranking dos países endêmicos da hanseníase, perdendo apenas para a Índia em números absolutos de casos e sendo o único país que não atingiu a meta de prevalência estipulada pela Organização das Nações Unidas (ONU), que era alcançar menos de um caso para cada 10 mil habitantes em 2015 (12).

Embora haja vários esforços para alcançar a meta de eliminação da hanseníase, ela se mantém em lugar de destaque em meio a outras doenças negligenciadas. Em 2016, no Brasil, foram notificados 25.218 novos casos da doença. A maior parte dos casos se concentram nos estados mais pobres do Brasil como pode-se observar no Gráfico 1.

Gráfico 1. Taxa de detecção de hanseníase nos estados brasileiros por cada 100.000 habitantes.

Nesse gráfico destaca-se que os estados com condições mais favoráveis de qualidade de vida, infraestrutura pública de saúde e educação são os que têm os menores índices da doença. A hanseníase é uma doença conhecida por atingir principalmente a população de baixa renda. A sua distribuição está associada a estados com índice elevados de municípios com baixos indicadores

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socioeconômicos como: expectativa de vida, oferta de serviços públicos à população, urbanização, renda, etc. Segundo dados socioeconômicos, o Centro-Oeste, Norte e Nordeste são as regiões mais carentes e apresentam altas taxas da doença (2). Segundo a ONU, além de ser uma doença prevalente em grupos menos favorecidos, as pessoas do sexo masculino são as mais acometidas (3).

1.1.2.

Diagnóstico e classificação

O aparecimento de lesões cutâneas, queda de pelos, diminuição da sudorese, alteração de sensibilidade (térmica, dolorosa e tátil) e problemas oftalmológicos, são algumas manifestações apresentadas pelos pacientes hansenianos. Entretanto, a hanseníase é uma doença de caráter espectral, ou seja, possui uma ampla variedade de manifestações clínicas entre os polos da doença, descritos a seguir. O desenvolvimento dessas apresentações clínicas é dependente das condições genéticas, imunológicas e ambientais do indivíduo (4). Para facilitar a padronização, em meio a essas múltiplas formas, a OMS implementou uma classificação para fins operacionais do tratamento com MDT que compreende duas formas: a paucibacilar (PB) e a multibacilar (MB). As formas PB são caracterizadas por baciloscopia negativa, presença de até cinco lesões cutâneas e no máximo um único tronco nervoso comprometido. Já as formas MB caracterizam-se por apresentarem baciloscopia positiva, lesões disseminadas pelo corpo e pelo menos dois troncos nervosos acometidos (5).

O tipo de resposta imunológica desenvolvida pelo hospedeiro é determinante para que haja esta variação nas características histológicas e bacteriológicas das lesões, essas características determinam a classificação clínica conforme mostrado no Quadro 1 (1, 8). A hanseníase apresenta dois polos estáveis: o polo tuberculoide, que é o polo de alta resistência ao bacilo, onde os portadores apresentam uma boa resposta imunológica celular (resposta Th1), e o polo virchowiano, que é o polo de susceptibilidade, no qual os portadores apresentam uma resposta imunológica celular ineficiente para impedir a multiplicação bacilar (resposta Th2). Entre esses dois polos extremos, existem as formas dimorfas que são formas instáveis que podem apresentar características próprias, como é o caso

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da forma dimorfa-dimorfa (DD) e características mistas entre os polos estáveis, como é o caso das formas dimorfa- tuberculoide (DT) e dimorfa-virchowiana (DV) (5, 6). Os indivíduos que apresentam hanseníase tuberculoide (HT), possuem manifestações que estão relacionadas a forte intensidade de sua resposta imunológica celular que leva à destruição dos bacilos, limitando a área das lesões. Já os indivíduos com hanseníase virchowiana (HV) apresentam uma grande deficiência na resposta imune celular, mas apresentam uma maciça resposta imune humoral. Entretanto, a produção de anticorpos e imunocomplexos não impedem a disseminação dos bacilos para várias partes do corpo (7).

Quadro 1. Classificação da hanseníase

Classificação da hanseníase

Ridley & Jopling Resposta imunológica celular Resposta imunológica humoral

Formas clínicas Indeterminada, Tuberculoide, Dimorfa-tuberculoide Dimofa-dimorfa, Dimorfa-virchowiana, Virchowiana Classificação operacional (OMS) Nº de lesões: até 5

Até um tronco nervoso acometido Índice baciloscópico: negativo

Nº de lesões: > 5 Mais que um tronco nervoso

acometido

Índice baciloscópico: positivo

Formas operacionais Paucibacilar Multibacilar

Fonte: Ridley & Jopling (1966) e da Organização Mundial da Saúde (1982).

1.1.3. Tratamento

O tratamento, além de evitar a evolução e os agravos da doença, é a única forma de quebrar o ciclo de transmissão. Durante muito tempo ele foi feito com monoterapia de dapsona. Esse tipo de tratamento poderia durar mais do que 10 anos, além disso, havia uma significativa taxa de resistência bacilar ao medicamento (8).

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Apenas no início da década de oitenta (1982) a OMS implementou e padronizou o uso da MDT, que consiste na combinação de dapsona com clofazimina e rifampicina que até hoje é a primeira linha de tratamento. Além de diminuir a taxa de recidivas, esta associação também foi capaz de padronizar e reduzir significativamente o tempo do tratamento. Nessa combinação medicamentosa, a dapsona e a clofazimina são drogas bacteriostáticas e a rifampicina é bactericida. O esquema terapêutico varia de acordo com a classificação operacional: Quadro 2 e 3 (9, 10).

O fim da transmissão é alcançado já nas primeiras doses do tratamento, mas a potencial cura sem sequela pela MDT depende da detecção precoce da doença. Só assim, os pacientes têm, de fato, grandes chances de não desenvolver nenhuma sequela.

Quadro 2. Esquema terapêutico recomendado pela Organização Mundial da Saúde para pacientes paucibacilares

Esquema terapêutico para pacientes paucibacilares

Doses mensais supervisionadas Rifampicina (RFM): 600mg Dapsona (DDS): 100mg Doses diárias auto administradas Dapsona (DDS): 100mg

Tempo de Tratamento 6 meses

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Quadro 3. Esquema terapêutico recomendado pela Organização Mundial da Saúde para pacientes multibacilares

Esquema terapêutico para pacientes multibacilares

Doses mensais supervisionadas Rifampicina (RFM): 600mg Dapsona (DDS): 100mg Clofazimina (CFZ): 300mg Doses diárias auto administradas Dapsona (DDS): 100mg Clofazimina (CFZ): 50mg

Tempo de tratamento 12 meses

Fonte: MINISTÉRIO DA SAÚDE. Secretaria de Vigilância em Saúde (2010).

1.2. Reações hansênicas

Embora a cura da infecção do M. leprae seja possível há mais de três décadas, com a implementação do tratamento pela MDT os males da doença podem não terminar com a morte dos bacilos. Muitos pacientes acabam apresentando episódios inflamatórias agudos e subagudos contra os fragmentos dos bacilos vivos ou mortos, respostas denominadas de reações hansênicas ou estados reacionais (11, 12). Durante esses eventos ocorre a piora do estado clínico do paciente, as reações hansênicas não dependem da infecção ativa do M. leprae e podem ocorrer tanto nos casos multibacilares quanto paucibacilares (13).

As reações hansênicas são consideradas uma urgência clínica que requer tratamento imediato com imunossupressores, pois são elas as principais causadoras de incapacidades físicas nesses pacientes. Portanto, controlar a inflamação é imprescindível para prevenir esses danos (10, 14).

Assim como as várias formas de apresentações clínicas da hanseníase, o tipo de reação desenvolvida pelo paciente também está relacionado ao modo como ele responde imunologicamente aos antígenos do M. leprae. E isso, também está

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relacionado a fatores genéticos e ambientais, juntamente com o tipo clínico de hanseníase que este paciente tem ou tinha no início do tratamento (7, 15).

As reações hansênicas são divididas em dois principais tipos:

Reações hansênicas do tipo I também conhecida como reação reversa (RR): é causada pelo desencadeamento da resposta imunológica celular (Th1). Acontece em pacientes com imunidade celular competente e específica contra o M. leprae. Neste tipo de reação as lesões cutâneas pré-existentes ficam mais edemaciadas e evidentes e pode haver surgimento de novas lesões. Em casos mais graves, podem surgir reação aos antígenos dos bacilos localizados em troncos nervosos. Entretanto, não há comprometimento sistêmico e geralmente ocorrem em pacientes com as formas HT, DT, DD e raramente nos DV (14).

Reações hansênicas do tipo 2: são, erroneamente, conhecidas como sinônimo de eritema nodoso hansênico (ENH), porém nem todo paciente com reação do tipo 2 desenvolve nódulos eritematosos. Ela é causada pelo desencadeamento da resposta imunológica humoral (Th2). Esse tipo de reação geralmente ocorre em pacientes que não apresentaram uma resposta Th1 efetiva e que, devido a isso, há um grande acúmulo de bacilos e deposição de imunocomplexos na evolução da hanseníase. Geralmente ela ocorre durante ou depois do tratamento com a MDT, mas pode preceder o diagnóstico da doença. Com a destruição bacilar promovida principalmente pela MDT, esses pacientes começam a apresentar reações hipersensibilidade humoral com formação de imunocomplexos formados pela resposta Th2 (7, 14).

As reações do tipo 2 têm efeitos sistêmicos podendo comprometer diversos órgãos como olhos, rins, baço e fígado, além da pele e nervos. Portanto, são potencialmente mais graves que as reações do tipo 1. Suas manifestações caracterizam-se por apresentar nódulos, pápulas e placas dolorosas. Geralmente são acompanhadas de febre, mal-estar generalizado, neurite com ou sem espessamento e dor de nervos periféricos e dores nas articulações ou mesmo artrites (16). São autolimitadas e duram em torno de duas semanas. Ao contrário da reação do tipo 1, é comum o surgimento de novas lesões e as pré-existentes podem permanecer inalteradas. Ocorrem em pacientes com as formas DV e V (11, 14, 17).

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1.2.1. Epidemiologia das reações hansênicas

Assim como há predisposição genética para o desenvolvimento da hanseníase e de suas formas clínicas, estudos mostram que o aparecimento das reações também tem relação com alguns marcadores genéticos (18, 19).

As reações hansênicas são um dos principais motivos que levam os pacientes a abandonar o tratamento, pois eles acreditam que os medicamentos são os responsáveis pela piora do quadro clínico (7).

De acordo com a literatura, a frequência e o tempo de duração das reações hansênicas são bastante variáveis, mas há uma relação muito forte entre os pacientes que apresentam reações durante o tratamento são mais propensos a desenvolver reações após o término da terapia específica (20).

A OMS mostra que, assim como a hanseníase, há uma maior frequência no número de ocorrência de reações hansênicas em homens. A predominância dos estados reacionais está potencialmente relacionada com a tendência na demora da procura por ajuda médica por este gênero (3, 21).

Estima-se que em média 30 a 35% dos pacientes desenvolvem reações hansênicas e essas são mais comuns e frequentes em pacientes multibacilares chegando a 50% entre esse grupo (14, 22-24).

1.2.2. Gatilhos imunológicos reacionais

Não é possível prever a ocorrência das reações hansênicas, mas existem alguns marcadores genéticos, fatores fisiológicos e ambientais que predispõem as reações nos indivíduos (25). Fatores que podem precipitar as reações hansênicas são observados, particularmente, nas reações do tipo 2. O seguimento desses fatores é essencial para a prevenção e o controle desses episódios. Em geral, perturbações imunológicas como gravidez, parto, estresse, alcoolismo, infecções ou infestações concomitantes, inclusive subclínicas, são os principais precipitantes (7, 14, 23).

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Um estudo observou que pacientes que fizeram tratamento para infecções orais tiveram significativa melhora nas reações inflamatórias da hanseníase em comparação ao grupo controle. Isso sugere que um foco infeccioso, mesmo que subclínico, poderia estimular o gatilho imunológico das reações. As periodontites são causas comumente associadas as reações hansênicas (26).

1.2.3. Tratamento das reações hansênicas

Até o momento não há nenhum tratamento capaz de impedir que as reações hansênicas ocorram, mas elas podem ser tratadas (27). Apesar de caracterizar um estado de urgência, o tratamento reacional geralmente é ambulatorial e o paciente deve ser acompanhado de perto. Não há um esquema terapêutico único para o tratamento das reações. A dose, o tempo de tratamento e o esquema terapêutico variam de acordo com a resposta do paciente aos fármacos, a gravidade das lesões e a sua evolução (10, 27, 28).

No caso de reações do tipo 1 mais leves, ou seja, apenas cutânea, sem o comprometimento neural, é recomendado analgésicos e anti-inflamatórios não esteroidais. Caso haja comprometimento neural, o tratamento com corticoides é necessário para a prevenção dos danos (14, 27). Para os pacientes com reações do tipo 2, a droga de escolha é a talidomida e sua dose irá variar de acordo com a gravidade do caso. Entretanto, este medicamento não é indicado para mulheres no período fértil, devido aos seus efeitos teratogênicos, ou para pacientes com comprometimento extracutâneo como neurites, uveítes, etc. Nesses casos é necessário o tratamento com corticoides (29).

1.2.4. Reações hansênicas subentrantes

Normalmente as reações do tipo 2 duram em torno de uma ou duas semanas e, quando se faz necessário, respondem bem ao tratamento (30). Embora a reação hansênica do tipo 2 possa ocorrer em um único episódio, cerca de 33% a 64% dos pacientes que apresentam esse tipo de reação pode manifestá-la mais de

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uma vez, com média de 2,6 episódios (13, 31). Entre esses pacientes 31% podem manifestar cinco ou mais episódios durante um período de mais de dois anos, o que eleva muito as chances de adquirirem alguma incapacidade física em decorrência dessas reações (31). Portanto, o tempo reacional, o número das recorrências e o intervalo entre elas são fatores importantes para que providências sejam tomadas como a busca mais cuidadosa dos possíveis gatilhos reacionais e uma melhor adequação terapêutica.

Embora haja várias contradições conceituais e terminológicas de como classificar corretamente a temporalidade das reações hansênicas, este estudo, assim como o estudo de Kumar et al., 2004, considerou a reação hansênica do tipo 2 como crônica aquela que o paciente se encontra em tratamento reacional continuamente por um período de seis meses ou mais (31). Neste trabalho, foi denominado como reações subentrantes aquelas que se apresentam de forma subsequentes, sem intervalos entre elas. Ou seja, antes do término de um episódio reacional, um outro ressurge em seguida de forma aguda e de difícil controle.

Todos os casos de reações de difícil tratamento, principalmente as que possuem estados contínuos, ou recorrentes, devem ser investigados com mais acuidade os fatores precipitantes de reações (parasitoses, infecções, situações estressantes, etc.) (32).

Por tratar-se de um estado reacional prolongado e subsequente é comum o comprometimento neural durante as reações subentrantes, por isso se faz necessário o uso de corticoides, associados ou não à talidomida, frequentemente em altas doses (27, 32). A clofazimina é recomendada como droga poupadora de corticoide nessas situações. Em casos em que a talidomida é contraindicada como tratamento isolado (no eritema nodoso com comprometimento neural, irite, iridociclite, orquite, edemas de mãos e pés, entre outros), faz-se necessário o uso de prednisona na dose de 40mg ou mais por dia, com redução gradual das doses conforme a melhora clínica (27).

Entre os esquemas terapêuticos alternativos para essas reações está o uso e/ou associação de pentoxifilina, metotrexato, azatioprina, etarnecept, infliximab entre outros (27, 32-35).

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1.2.5. Complicações relacionadas ao uso de corticoides

Pacientes que apresentam reações subentrantes por longos períodos, acabam fazendo o uso crônico de altas doses de corticoides e outros imunossupressores. Essa dependência terapêutica potencializa comorbidades como a diabetes, osteoporose, problemas cardiovasculares e hepáticos, catarata entre outros males (36-38).

Antes de iniciar um tratamento imunossupressor prolongado é necessário fazer uma investigação de comorbidades que podem ser agravadas com o uso desses medicamentos. É recomendado fazer tratamentos profiláticos para infestações intestinais, reposição de cálcio, além do controle periódico das condições dos pacientes, como taxa glicêmica, peso e pressão arterial (39).

A imunossupressão induzida por esses medicamentos aumenta as chances do paciente adquirir infecções e infestações oportunistas e/ou atípicas, uma vez que comprometem a capacidade de resposta imunológica eficaz. Essas infecções, mesmo que subclínicas, podem estar relacionadas ao gatilho imunológico associado à origem ou a manutenção dessas reações, dificultando o tratamento e potencializando os riscos ao paciente (32, 40-43). Entre os agentes que causam infecção subclínica estão as bartonelas.

1.3. Infecção por bartonelas

As bartonelas são bactérias do gênero Bartonella que ao infectar indivíduos imunocompetentes, podem causar infecção assintomática. Um estudo avaliou a prevalência da bacteremia por esses agentes no sangue de 500 hemodoadores do Hemocentro da Unicamp. A análise foi realizada pela técnica de reação em cadeia da polimerase (PCR) convencional específica para o gênero Bartonella, que amplifica a região ITS a partir de DNA extraído de cultura líquida usando o BAPGM® (Bartonella Alpha-Proteobacteria Growth Liquid Medium) e de

subcultura em meio sólido. Dezesseis doadores de sangue (3,2%) foram positivos na pesquisa molecular e foram obtidos seis (1,2%) isolados (44). Recentemente essas mesmas amostras foram reanalisadas usando diversos métodos moleculares

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(PCR convencional, PCR de dupla amplificação e PCR em tempo real) para a detecção de Bartonella spp. também nas amostras de sangue total. Nesta reavaliação foram positivos 102 doadores (20,4%). Somando todos os positivos obtidos nos dois projetos, 115 doadores tiveram o DNA de Bartonella sp. detectado o que corresponde a 23% de prevalência nestes doadores (45). Esse estudo é um importante alerta que mostra que esse tipo de infecção é comum, embora não se saiba até quando esse tipo de infecção se apresenta de forma assintomática. Além disso, foi evidenciada a necessidade de um diagnóstico rápido e preciso para Bartonella spp., uma vez que esse sangue infectado pode ser transfundido em pessoas que estão potencialmente imunodeficientes.

Embora a infecção possa ser assintomática em imunocompetentes, esses agentes podem causar uma linfadenopatia granulomatosa acompanhada, ou não, de febre. Geralmente nesses indivíduos o quadro é autolimitado, sem necessidade de uso de fármacos para a melhora, comumente é o que acontece na doença da arranhadura do gato (DAG) (46, 47).

Nos pacientes imunodeficientes, sejam por problemas de saúde ou por uso contínuo de imunossupressores, a infecção por bartonelas pode ser mais grave ou mesmo fatal, uma vez que nesses casos a doença tem maiores chances de se apresentar de forma sistêmica. Pacientes com aids, quando são infectados por bartonelas, apresentam altas taxas bacterêmicas e desenvolvem com mais frequência, se comparado com imunocompetentes, angiomatose bacilar, peliose hepática ou esplênica, entre outras manifestações (48-50). Da mesma forma, várias complicações são relatadas em pacientes que fizeram transplantes de órgãos sólidos, principalmente rins e fígado (51, 52). Também é apontado o aumento dessas infecções em pacientes que fazem uso de imunossupressores para tratamento de doenças como lúpus e artrite reumatoide (53-55).

1.3.1. Bartonella spp.

O gênero Bartonella compreende pelo menos 45 espécies, sendo 16 (Quadro 4) conhecidas como patógenas ao homem (56, 57). São bactérias pertencentes a classe das alfa-proteobactérias, gram-negativas, cocobacilares,

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fastidiosas, intracelulares facultativas podendo infectar macrófagos, eritrócitos, células dendríticas e endoteliais. A existência de uma fase intraeritrocítica dificulta a ação das defesas do sistema imunológico (58-60). Desta forma, esse gênero de bactéria alcançou um grande sucesso ecológico e hoje compreendem numerosas espécies e subespécies. Embora algumas espécies sejam endêmicas, há várias que estão distribuídas por todo o mundo. Esses microrganismos são especializados em infectar mamíferos, mas algumas espécies já foram encontradas em aves migratórias e tartarugas (61-63).

Provocar uma bacteremia cíclica em seus hospedeiros é uma característica adaptativa que favorece a transmissão dessas bactérias por artrópodes hematófagos. A maioria das bartonelas possuem um vetor preferencial, por exemplo a Bartonella quintana que é transmitida por piolho do corpo (Pediculus humanuscorporis), mas também pode ser transmitida por percevejo de cama (Cimex pilosellus) (64).

Entre as espécies de Bartonella patogênicas ao ser humano, pode-se destacar três como sendo as principais causadoras de manifestações clínicas: Bartonella bacilliformis, B. quintana e Bartonella henselae (65).

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Quadro 4. Espécies de Bartonella patogênicas ao homem e suas manifestações

1.3.2. Manifestações clínicas

A primeira espécie de Bartonella descrita foi a B. bacilliformis identificada em 1905 pelo microbiologista argentino Alberto Barton. O nome do gênero é uma homenagem a esse pesquisador. Ele estudava uma doença endêmica no Peru e restrita à região dos Andes (Peru, Equador e Colômbia), transmitida por um mosquito flebotomíneo (Lutzomyia verrucarum) comum nessas regiões.

A doença estudada por Barton possui duas fases distintas: uma aguda, conhecida como febre de Oroya, que é caracterizada por uma bacteremia intraeritrocitária que frequentemente resulta em uma anemia hemolítica fatal (de 40 a 90% dos casos na era pré-antibiótica) e outra crônica, conhecida por verruga peruana que consiste no aparecimento de vários tumores vasculares que se originam de células endoteliais colonizadas por essas bactérias.

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Essa doença bifásica é conhecida por doença de Carrión, em homenagem ao estudante de medicina peruano Daniel Carrión, que atingiu seu objetivo comprovando que as duas doenças (febre de Oroya e verruga peruana) eram fases de uma mesma enfermidade. Em 1885, Carrión inoculou em si mesmo sangue proveniente de uma lesão cutânea de verruga peruana, contraiu a febre de Oroya e faleceu durante a fase aguda da infecção (66, 67). Embora a maioria das outras bartonelas tenha como reservatórios outros animais a B. bacilliformis tem como hospedeiro reservatório os humanos (67).

Outra exceção em que os humanos também são considerados reservatórios primários é a espécie B. quintana. Esse agente é transmitido principalmente pelo piolho de corpo humano (Pediculus humanus corporis). Entretanto, outros artrópodes hematófagos como carrapatos já mostraram ser potenciais vetores desse agente aumentando as possibilidades de transmissão (64, 68, 69). Essa espécie foi identificada como o agente da febre quintana, também conhecida como febre das trincheiras, pelo microbiologista brasileiro Enrique da Rocha Lima quando investigava o tifo para o governo alemão durante a Primeira Guerra Mundial (70). O agente causou grandes epidemias infectando mais de um milhão de soldados durante a Primeira Guerra Mundial (71). A doença reemergiu na Segunda Guerra Mundial e, no final do século passado, foi descrita em moradores de rua e em alcoólatras crônicos. É caracterizada pelo aparecimento de uma febre súbita, acompanhada por uma bacteremia intraeritrocitária. Tipicamente, tem cinco dias de duração (por isso do nome quintana). Esse quadro, quando não tratado, é cíclico e pode ter recorrência de 3 a 5 vezes por ano, sempre intercalando com períodos assintomáticos (72).

A B. quintana também pode causar angiomatose bacilar: lesões angioproliferativas nas formas papulosas, tumorais ou nodulares, podendo ser únicas ou múltiplas, localizadas ou difusas. Essas bactérias são encontradas em estreita associação com a proliferação de células endoteliais, sendo mais comum em imunodeficientes, como já citado, mas atingindo também indivíduos imunocompetentes (73, 74). Esses microrganismos também podem causar bacteremia crônica, além de ser mais comumente associada à endocardite cultura negativa, que se caracteriza pela inflamação do endocárdio sem etiologia definida e

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em que não há identificação do agente mesmo após a inoculação de pelo menos três amostras de sangue independentes em hemocultura com incubação de cinco dias além de subcultura (56, 70, 75, 76).

A B. henselae foi assim denominada em homenagem à microbiologista Diane Hensel que contribuiu para o seu isolamento. Primeiramente, o agente foi nomeado como Rochalimaea henselae, após análises de sequenciamento genético foi classificada no gênero Bartonella (77).

Os gatos são o reservatório primário sendo considerados os principais responsáveis pela transmissão aos humanos (78). Essa espécie é o agente causador da DAG, cuja transmissão é associada a arranhaduras de gatos infectados. As pulgas (Ctenocephalides felis) de gatos infectados possuem em suas fezes uma alta carga bacteriana. Possivelmente ao se coçarem os gatos transferem essas fezes com bartonelas para as garras, e no momento da arranhadura essas bactérias são inoculadas e podem entrar acidentalmente na corrente sanguínea do indivíduo. Dependendo da bacteremia, da profundidade da arranhadura e da condição imunológica, o indivíduo pode, ou não, desenvolver a doença (79). Porém, entre os gatos, esse microrganismo é transmitido por pulgas e sua ocorrência não se dá sem a presença dos ectoparasitas, mesmo que se arranhem. Os cães, embora em menores taxas, também podem ser reservatórios do patógeno (72).

A B. henselae é a espécie mais frequentemente associada a doenças humanas e está presente em todo mundo (65, 72, 74). Geralmente, após três semanas da infecção, há o aparecimento de linfonodomegalia unilateral no linfonodo mais próximo da região do arranhão. Essa doença é uma causa comum de linfonodomegalia em crianças, que também pode apresentar dor de cabeça, febre ou esplenomegalia. A DAG é uma doença autolimitada, portanto o tratamento com antibióticos é questionável (80). Em alguns casos, pode ocorrer manifestações oculares como uveítes, síndrome de Parinaud, neurorretinite, iridociclite, entre outas, e também manifestações como osteomielite, glomerulonefrite e encefalopatia (81).

A B. henselae também pode provocar outras manifestações sendo as mais descritas: a angiomatose bacilar; a peliose bacilar, que é caracterizada também por lesões angioproliferativas associadas à formação de cistos no fígado, no baço ou na medula óssea (74, 82, 83); e a febre de origem indeterminada (FOI), que se

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caracteriza por febre recorrente de pelo menos 38,3°C persistente por mais de três semanas (47, 84).

Outra manifestação potencialmente fatal causada pelas bartonelas, especialmente pela B. henselae e a B. quintana, são as endocardites que apresentam cultura negativa. Essas bactérias são responsáveis por aproximadamente 30% dos casos (85).

Além das manifestações clássicas já citadas, essas bactérias podem provocar várias manifestações clínicas, desde uma bacteremia assintomática, passando por sintomas comuns como: febre, dores de cabeça e mal-estar. Na sua forma crônica pode apresentar manifestações cutâneas como eritema nodoso, exantema maculopapular, entre outros tipos (86, 87).

As bartonelas são conhecidas por causar proliferação endotelial e por ser capazes de induzir sinalizações vaso proliferativas de maneira análoga à angiogêneses de tumores malignos (88). Esses agentes regulam os genes mitogênicos, pró-inflamatórios e suprimem a apoptose das células endoteliais originando várias manifestações cutâneas e extracutâneas (83, 89).

A Figura 1 mostra diversas manifestações cutâneas provocadas, ou agravadas, pela infecção por Bartonella sp.. Esse espectro de sintomas torna a suspeita da infecção algo desafiador.

Figura 1. Dermatoses relacionadas à infecção por Bartonella spp.. Imagens: arquivos da Dermatologia da Unicamp

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1.3.3. Desafios diagnósticos

O diagnóstico de Bartonella spp. é um desafio a ser superado. Dificilmente essas bactérias crescem nas culturas bacteriológicas das rotinas hospitalares. As bartonelas são bactérias fastidiosas, elas podem demorar até 42 dias para apresentar crescimento. Além disso, elas requerem condições nutricionais com enriquecimento de sangue, condições específicas como saturação de gás carbônico e sua temperatura ótima de crescimento é 35ºC para maioria de suas espécies. Mesmo oferecendo todas essas condições específicas, ainda sim, o seu isolamento e cultivo são raros. Isso dificulta sua “visibilidade”, o que também influencia na negligência da doença (78, 90, 91).

O uso de testes sorológicos para diagnóstico de Bartonella spp. é comumente feito. Há kits comerciais para Imunofluorescência Indireta (IFI) e Elisa (enzyme linked immunosorbent assay) (66, 67, 92). Entretanto, esses métodos imunológicos apresentam várias limitações como a reação cruzada entre as espécies de bartonelas e diversos outros patógenos, elevando assim, o número de falsos-positivos.

Já os resultados falsos-negativos também são frequentes, uma vez que os antígenos de kits comerciais são restritos a poucas espécies e, muitas vezes, são sensíveis apenas às cepas regionais. Portanto, o uso de testes sorológicos não é um bom método diagnóstico para ser utilizado isoladamente (48, 49).

A histologia é um método de diagnóstico mais tardio que só é usado quando a infecção já comprometeu o tecido como acontece na DAG, angiomatose bacilar, verruga peruana e peliose hepática. Embora seja um método de diagnóstico limitado à área da lesão, é bom para diferenciar as lesões teciduais de outras doenças (93-96).

A melhor técnica, até o momento, que evita reações cruzadas com outros patógenos, é rápido e traz a possibilidade de identificação de espécies é a análise molecular pela PCR, embora haja algumas limitações no uso dessa técnica. Por se tratar de um gênero de bactéria que causa bacteremia cíclica, pode ocorrer que no momento da coleta de sangue, não haja uma quantidade mínima de DNA detectável pela PCR. Devido a isso, é recomendável que também seja realizada culturas de

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enriquecimento a partir de sangue para que haja a multiplicação desses patógenos e assim uma maior chance de obtenção da quantidade suficiente de DNA para a detecção (97, 98).

Até então não há um consenso científico de quais primers e quais condições são melhores para alcançar maior sensibilidade da técnica. A PCR nested (PCR de dupla amplificação) e a PCR em tempo real (PCR Real Time) são técnicas mais sensíveis e capazes de aumentar a detecção do agente (66, 90, 99, 100). A desvantagem dos métodos moleculares é que a detecção do DNA do agente não determina que haja uma infecção ativa. Além disso, a característica cíclica e o baixo nível bacteriêmico faz com que o número de falsos-negativos seja significativo e, portanto, o uso combinado de várias técnicas moleculares se faz necessário (101, 102).

1.3.4. Risco potencial de bartonelose durante terapias imunossupressoras

A gravidade da infecção por Bartonella sp. correlaciona-se com o estado imunológico do paciente. Além dos pacientes soropositivos para HIV, já mencionado por apresentarem com maior frequência as manifestações clínicas por esses agentes, vários relatos reportam a incidência de Bartonella spp. em pacientes que fazem uso de terapias imunossupressoras como os transplantados, aqueles em tratamento de doenças autoimunes e pacientes oncológicos (54, 103-107). Esses relatos mostram a importância do diagnóstico e do tratamento em pacientes que fazem uso de imunobiológicos. A infecção por esses agentes pode estar sendo subdiagnosticada na maioria dos casos (108).

1.3.5. Tratamento para bartoneloses

A infecção por Bartonella sp. em indivíduos imunocompetentes é, em grande maioria, benigna e autolimitada. Devido a isso, o uso de terapia antibiótica é

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questionável uma vez que não traz benefícios significativos no tempo de cura em comparação aos pacientes que não fazem a terapia (109).

Já os pacientes que apresentam a forma sistêmica, como a endocardite, devem ser tratados com gentamicina e doxiciclina, mas o cloranfenicol tem sido proposto para o tratamento no caso de bacteremia causada por B. bacilliformis (doença de Carrión). Já para a febre das trincheiras a combinação de gentamicina com doxiciclina é sugerida como melhor escolha terapêutica (109). O uso da rifampicina ou da estreptomicina possuem bons resultados para tratar a verruga peruana (109). A eritromicina é o antibiótico de escolha nos casos de angiomatose bacilar e de peliose hepática e deve ser administrado por no mínimo dois meses (85).

Embora estes sejam os tratamentos mais utilizados, até o momento não há estudos sistemáticos que avaliem de forma sólida quais são as melhores terapias para cada caso de bartonelose. O que se encontra na literatura são relatos de casos e estudos baseados em pequenos grupos de pacientes. Além disso, não há estudos que provem que essas terapias garantem a eliminação total dessas bactérias do organismo (80).

1.3.6. Caso índice

Homem branco, 49 anos, peão de rodeio, natural e procedente de Piracicaba (22° 43′ 30″ S, 47° 38′ 56″ W), foi internado em agosto de 2010 no Hospital de Clínicas da Universidade Estadual de Campinas (HC-Unicamp) apresentando lesões cutâneas pápulo-nodulares pelo corpo e edema dos membros inferiores, acompanhados de linfonodomegalias cervicais, axilares e inguinais havia seis meses.

Referia sudorese noturna, sem febre aferida. Havia sido encaminhado ao ambulatório de Hepatites Virais da Infectologia do HC-Unicamp com PCR positiva para o vírus B com 298.917 UI/mL de DNA (5,48 log). Apresentava sorologias não reagentes para anti HBc e HBe. Trazia exame anátomo-patológico hepático com discreto infiltrado linfocitário portal com ausência de hepatite lobular. Havia tomado lamivudina por 14 meses interrompendo o tratamento por conta própria dois anos antes. Evoluiu com oscilação de transaminases, plaquetopenia, esplenomegalia e edema de membros inferiores.

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Além da hepatite B crônica, o paciente referia etilismo anterior ao diagnóstico da hepatite e negava outras doenças ou uso de medicamentos.

No exame físico o fígado foi palpável a 3 cm e o baço percutível e palpável a 2 cm do rebordo costal. Apresentava linfonodos de 1-2 cm de diâmetro nas cadeias mencionadas e nas cadeias submandibular e mentoniana, não coalescidos. No exame dermatológico foram observadas lesões eritêmato-nodulares, algumas hipercrômicas, outras com ulceração central, nos glúteos e face posterior das coxas. Além disso, apresentava manchas hipercrômicas residuais pelo corpo, madarose e infiltração de lóbulos das orelhas. Os nervos cubitais e poplíteos estavam espessados e havia hipoestesia térmica e tátil em botas e luvas. Apresentava edema dos membros inferiores +/4+ e, na face plantar da base do hálux esquerdo, hiperqueratose com ulceração central de 0,5 cm de diâmetro.

O diagnóstico de hanseníase virchowiana foi confirmado por baciloscopia de linfa e exame anátomo-patológico de fragmento cutâneo, o qual evidenciou a presença de dermo-hipodermite crônica, rica em macrófagos espumosos e contendo numerosos bacilos álcool-ácidos resistentes (BAAR) à coloração de Ziehl-Neelsen, com acometimento de feixes nervosos.

A linfonodomegalia febril foi considerada manifestação de reação hansênica subentrante acompanhada de eritema nodoso necrotizante. Com 4.085 UI/mL de DNA do vírus B, optou-se por conduta expectante para a hepatite B, esquema multibacilar para tratar a hanseníase e o uso de prednisona 30mg/d e albendazol profilático para a reação tipo 2, além de vitamina D, carbonato de cálcio e omeprazol.

Para a triagem de possíveis desencadeadores reacionais e da linfonodomegalia febril crônica foram solicitadas avaliação odontológica, sorologias para paracoccidioidomicose, brucelose, sífilis, toxoplasmose, mononucleose, aids e hepatite C, teste tuberculínico e RX do hálux esquerdo. Não havia atividade de nenhuma destas doenças, pois, embora a sorologia para hepatite C tenha sido positiva, a pesquisa do RNA viral por PCR foi negativa. O teste tuberculínico também foi negativo. Dos demais exames o paciente apresentava plaquetopenia de cerca de 100.000 células/mm3 de sangue que se manteve no seguimento.

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Houve piora do quadro reacional e da ulceração do pé esquerdo. A prednisona foi aumentada para 80mg/d e prescrita talidomida 100mg/d. O paciente teve piora intensa do edema de membros inferiores e a talidomida foi suspensa e contraindicada por considerar-se a hipótese de farmacodermia. Foi prescrito difosfato de cloroquina 250mg/d na tentativa de controlar as reações, sem sucesso, e houve instalação de lesão plantar direita simétrica. Foram indicadas órteses plantares.

Como houve elevação para 9.270 UI/mL de DNA do vírus, foi iniciado o uso de tenofovir 300mg/d. Foi iniciada também amitriptilina 25mg/d e a prednisona aumentada para 100mg/d. O paciente passou a apresentar artrite de cotovelo e joelho direitos. Foi internado para realização de exames e reintrodução de talidomida que o paciente tolerou com melhora clínica, sendo possível reduzir a prednisona para 60mg/d. A hemoglobina que era 13 no início do tratamento havia reduzido lentamente para 10g/dL e a dapsona foi trocada por ofloxacina 400mg/d com melhora da anemia.

No ecocardiograma apresentou derrame laminar e não foram vistas vegetações.

Chegou a tomar 20mg/d de prednisona e 200mg/d de talidomida, mas manteve edema de membros inferiores e o mal perfurante plantar esquerdo.

Um exame anátomo-patológico cutâneo feito após um ano de tratamento multibacilar apresentava agregados de macrófagos xantomatosos na derme superficial e profunda. Não foram observados esboços de granulomas ou vasculite. A pesquisa de bacilos ácido-álcool resistentes (BAAR) foi negativa. Mesmo assim o tratamento com rifampicina, clofazimina e ofloxacina foi mantido. O paciente, por vezes, apresentava agudização da parestesia dos membros inferiores ou agravamento do edema de mãos e pés. Também, o controle com monofilamentos para avaliação da sensibilidade mostrava oscilação, motivando a elevação da prednisona em várias ocasiões.

Com 22 doses da multidrogaterapia, o paciente fez novo exame anátomo-patológico que mostrou dermo-hipodermite crônica, perivascular e perineural, com macrófagos espumosos, plasmócitos, comprometimento de filetes nervosos, com pesquisa de BAAR negativa à coloração de Ziehl-Neelsen modificada.

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O paciente completou 24 doses do tratamento para hanseníase. Sete meses depois, com PCR para hepatite B inferior a 20 UI/mL, foi submetido a colicistectomia e o fígado foi então biopsiado. O exame anátomo-patológico da vesícula biliar evidenciou macrófagos xantomatosos subepiteliais e o exame do fígado apresentou cirrose com formação de pseudonódulos regenerativos com moderado infiltrado linfocitário septal. Como na endoscopia digestiva alta apresentava varizes esofágicas de fino calibre o paciente foi classificado como Child A.

Um ano após o término do tratamento da hanseníase o paciente apresentou hematúria (16 hemácias por campo) com dismorfismo eritrocitário. O tratamento para hepatite B foi substituído por entecavir 1mg/d que foi reduzido posteriormente para 0,5mg/d. A hematúria foi transitória e não houve alteração da função renal.

Durante todo tempo, foi necessário manter o uso de drogas para reações subentrantes: prednisona que ao final do tratamento da hanseníase estava em dose baixa (5mg/d) e foi suspensa, mantendo apenas talidomida. As lesões de mal perfurante plantar também foram constantes, porém oscilavam de localização na dependência da órtese fornecida e do seu uso, sempre irregular. Os tornozelos foram se deformando ao longo dos meses e se instalaram pés de Charcot. Apesar do uso da talidomida, em muitos retornos referia ter apresentado ou apresentava ao exame físico nódulos eritematosos pelo corpo.

A queixa de parestesia em botas e luvas oscilava a despeito do aumento do corticoide ou uso de amitriptilina ou carbamazepina.

Trinta e três meses após o término do tratamento para hanseníase o paciente apresentou lesões bolhosas sobre base eritematosa, sem nodulação clínica, nos membros inferiores. Uma das lesões foi submetida a biópsia e o exame histopatológico evidenciou dermo-hipodermite crônica inespecífica perivascular, com edema da derme alta, bolha subepidérmica ulcerada e em reepitelização, com pústula, depósito intersticial de fibrina e numerosas células xantomatosas. Foram observados, às colorações especiais pelo método de Ziehl-Neelsen, numerosos BAAR íntegros, distribuídos irregularmente, por vezes formando globias, inclusive na parede de vasos, além de bacilos fragmentados no interior de macrófagos (poeira de

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Marchoux). No retorno o paciente referia cerca de dois episódios mensais de lesões bolhosas semelhantes à biopsiada, com duração de dois a três dias e melhora espontânea. Com a hipótese clínica de resistência do Mycobacterium leprae, dado o pequeno intervalo para recorrência da doença denunciada pela presença das globias, nova biopsia foi feita do lóbulo da orelha para envio de fragmento para pesquisa de genes de resistência. O tratamento foi reiniciado com rifampicina, clofazimina e ofloxacina. No exame anátomo-patológico do fragmento cutâneo biopsiado não foram observados bacilos íntegros e apenas achados compatíveis com poeira de Marchoux. Não foi possível encaminhar o material coletado para pesquisa de resistência na instituição de referência que se localizava em outra cidade e o fragmento cutâneo foi submetido à pesquisa de bartonela, uma vez que estes agentes podem causar infecção assintomática, o paciente referia contato frequente com animais e carrapatos e por manter reação hansênica do tipo 2 subentrante. O DNA foi extraído da amostra cutânea com kit da Qiagen A pesquisa de DNA para Bartonella spp. da cultura líquida de enriquecimento foi positiva na PCR convencional para a região ITS e para o gene ssrA. Houve homologia de 100% com a espécie Bartonella henselae (acesso ao GenBank BX 897699.1) dos dois amplificados. Foi solicitada a pesquisa molecular de bartonela no sangue do paciente já em tratamento para a hanseníase que foi negativa. Foi prescrita doxiciclina 200mg/d por via oral, mas o paciente não fez uso por apresentar diarreia. Seis meses depois do reinício do tratamento para a hanseníase, o paciente foi internado para antibioterapia intravenosa com gentamicina 80mg a cada 8h e amoxacilina+clavulanato 1g a cada 8h por 15 dias. Durante a internação foram realizadas tomografias de tórax e abdômen que não evidenciaram linfonodomegalias. Na alta foi prescrita azitromicina 250mg/d que o paciente usou até completar seis semanas. Já no primeiro retorno referia ter deixado de apresentar lesões cutâneas eritêmato-edematosas. A talidomida foi diminuída para 100 mg em dias alternados e posteriormente suspensa. Nesta época houve melhora do edema dos membros inferiores e cicatrização das úlceras plantares.

Completados seis semanas do tratamento para bartonelose, o paciente interrompeu o uso de azitromicina por intolerância gástrica.

Nova biópsia do lóbulo de orelha foi feita com dez meses do novo tratamento para hanseníase e foram observados vários agregados de células

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xantomatosas na derme, porém não foram encontrados BAAR nem poeira bacilar (Fite Faraco). A PCR para vírus B não detectou DNA viral. O tratamento multibacilar foi concluído.

Trinta e seis meses depois de terminado o tratamento o paciente apresenta-se sem reações hansênicas e sem sinais de recidivas. O paciente mantem-se apenas com medicações para parestesia sequelar e a droga antiviral para a hepatite.

1.4. Justificativa

Entre os principais fatores capazes de ativar as reações hansênicas em pacientes multibacilares estão as coinfecções. Nada se sabe a respeito da prevalência de Bartonella spp. em pacientes que apresentam reações hansênicas subentrantes de difícil controle. Considerando-se que esses agentes também podem causar infecções assintomáticas e que essa condição poderia estar associada ao gatilho imunológico que propicia essas reações hansênicas, como sugere o caso relatado. Este estudo potencialmente contribuirá para o desenvolvimento de ações que possam auxiliar na diminuição das reações, minimizando as chances de ocorrência de incapacidades físicas, caso haja alta prevalência de infecção por Bartonella spp. nesses pacientes.

2.

Objetivos

2.1. Geral

Avaliar a prevalência de infecção por Bartonella spp. por meio de métodos microbiológicos e moleculares, em pacientes que têm ou tiveram hanseníase multibacilar que estejam fazendo tratamento por apresentarem reações hansênicas subentrantes de difícil controle a mais de seis meses.

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1. Avaliar a prevalência de infecção por Bartonella spp. a partir de amostras sanguíneas por meio da combinação de métodos microbiológicos e moleculares.

2. Avaliar a presença de DNA de Bartonella spp. em fragmentos cutâneos parafinados de biópsias, do grupo de pacientes em estudo, que tenham sido feitas no Hospital de Clínicas da Unicamp.

3. Comparar a relação dos resultados obtidos das análises microbiológicas e moleculares com as respostas dadas no questionário de fatores de risco para bartoneloses.

3.

Metodologia

3.1. População do estudo

Foram estudados 20 pacientes maiores que 18 anos, de ambos os sexos, que apresentavam reações hansênicas subentrantes do tipo 2, de difícil tratamento, há mais de seis meses e que aceitaram participar voluntariamente do estudo.

3.2. Local

Todos os pacientes do estudo faziam tratamento no Ambulatório de Dermatologia do Hospital de Clínicas da Unicamp, na cidade de Campinas-SP. No protocolo deste serviço, todos os pacientes que apresentam reações subentrantes têm os fatores desencadeantes investigados. Entre eles estão: gestação, estresse físico ou mental, drogas (anticoncepcionais, iodeto de potássico, anticonvulsivantes), infestações e coinfecções. Além disso, todos os pacientes sob essas condições são requeridos: avaliação odontológica, investigação de sinusite crônica, teste tuberculínico (PPD) se ainda não tiver feito, exames protoparasitológicos, sorologias para hepatites e HIV e uranálise, no caso de mulheres assintomáticas.

Referências

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