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O CASO DE ABU GHRAIB — O DESRESPEITO DOS DIREITOS HUMANOS EM SITUAÇÕES DE G UERRA

No documento A Q UESTÃO DOS P RISIONEIROS DEG UERRA (páginas 42-46)

« Ninguém será submetido a tortura nem a penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes. » (Artigo 5º, Declaração Universal dos Direi- tos Humanos)

Em Abril de 2004, pouco mais de um ano depois do início do conflito no Iraque – que começou com a invasão de território iraquiano por parte dos Estados Unidos da Amé- rica e forças aliadas, sendo a principal o Reino Unido – o programa de televisão noticioso

60 Minutes divulgou uma reportagem que denunciava sérios casos de abusos, físicos e

sexuais, infligidos por soldados norte-americanos a prisioneiros detidos na prisão iraquiana de Abu Ghraib. Em Maio seguinte, o jornal New Yorker publicou também uma série de artigos denunciando em pormenor estes casos, usando como fonte o relatório de inves- tigação do exército americano a eles relativo. A história e, claro, as imagens, correram mundo e chocaram a comunidade internacional. As fotografias divulgadas foram tiradas pelos próprios soldados envolvidos e mostram não só os prisioneiros em circunstâncias consideradas degradantes, mas também os autores dos tratamentos, quer “posando” perto das suas “obras” com expressões de triunfo e superioridade, quer infligindo os próprios tratamentos.

Para além da Declaração Universal dos Direitos Humanos, que proíbe este tipo de tratamento, também outros documentos, de âmbito mais específico, procuram preveni-los. A Declaração sobre a Protecção de Todas as Pessoas contra a Tortura e Outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes, de 197518 define tortura como:

« ...todo o acto pelo qual um funcionário público, ou outrem por ele ins- tigado, inflija intencionalmente a uma pessoa penas ou sofrimentos graves, físicos ou mentais, com o fim de obter dela ou de terceiro uma informa- ção ou uma confissão, de a punir por um acto que tenha cometido ou se suspeite que cometeu, ou de intimidar essa ou outras pessoas. » (Artigo 1º, Declaração sobre a Protecção de Todas as Pessoas contra a Tortura e

Tortura e Outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degra- dantes).

No Artigo seguinte, condena a tortura, considerando que:

« Qualquer acto de tortura ou qualquer outra pena ou tratamento cruel, desumano ou degradante constitui uma ofensa à dignidade e será con- denado como violação dos objectivos da Carta das Nações Unidas e dos direitos do homem e das liberdades fundamentais proclamados na Decla- ração Universal dos Direitos do Homem. » (Artigo 2º)

O Artigo 3º da 3ª Convenção de Genebra19 proíbe quaisquer “ofensas contra a vida e a integridade física, especialmente o homicídio sob todas as formas, mutilações, trata- mentos cruéis, torturas e suplícios” e “as ofensas à dignidade das pessoas, especialmente os tratamentos humilhantes e degradantes”.

Os tratamentos em causa envolviam situações extrema violência física, verbal e psi- cológica, abusos sexuais, sujeição a humilhações e situações degradantes. Foram também denunciados casos de tortura para efeitos de obtenção de informações. Mortes causadas directamente por agressões físicas violentas estão também registadas.

Os altos representantes do exército norte-americano e os representantes gover- namentais consideraram os eventos fruto da acção de indivíduos e não da instituição militar. Outros casos de abusos perpetrados por soldados, americanos e britânicos, foram entretanto divulgados, o que contribuiu para o crescimento de um intenso debate sobre o tema. Estão em causa verdadeiras violações dos Direitos Humanos e estão em causa crimes de guerra. É admitida, neste trabalho, a possibilidade de a guerra ser uma característica natural do homem. Haverá também uma necessidade / vontade natural de subjugar o outro, mais fraco, da forma como estão relatados estes incidentes, e até de humilhá-lo e agredi-lo ao extremo? Em que medida dão estes actos prazer aos que os cometem? Serão apenas manifestações extremas de poder?

Parte III — Os Prisioneiros de Guerra

“THE EXECUTIONER” POR JOSEPH DE MAISTRE — DO PAPEL DO SOLDADO E DO CARRASCO; DO CASTIGO E DA JUSTIÇA

Joseph de Maistre foi um filósofo que viveu na época da Revolução Francesa e dos ideais humanistas. Diplomata e homem do Direito, as suas ideias anti-humanistas e extre- mamente conservadoras apresentam-se como um ponto de contraste interessante que merece ser explorado, ainda que brevemente, nesta dissertação. Em particular, são as suas visões sobre a guerra, sobre a relação entre castigo e Justiça e sobre os papéis do soldado e do carrasco, que proponho explorar, a partir de uma pequena compilação de textos do autor, denominada “The Executioner” (de Maistre, 2009)

A guerra é divina, para de Maistre, e esse carácter divino torna-a verdadeiramente inevitável, natural e interminável. A guerra existe por determinação natural, de Deus, e a destruição é uma lei natural, de que o Homem é instrumento.

« Thus, from the maggot up to man, the universal law of the violent de- struction of living things is unceasingly fulfilled. The entire earth, perpetu- ally steeped in blood, is nothing but an immense altar on which every liv- ing thing must be immolated without end, without restraint, without res- pite, until the consummation of the world, until the extinction of evil, un- til the death of death. » (de Maistre, 2009: 88)

Os soldados são vistos pela opinião pública, como agentes de algo divino, homens de honra. Ao contrário do carrasco, que executa condenados pela Justiça e é mal visto pelas sociedades, o soldado pode executar, sem julgamento nem condenação. Isso não o torna menos nobre, pelo contrário, porque o seu trabalho é um trabalho divino e, por isso neces- sário. No entanto, essa honra que lhes é atribuída desaparece a partir do momento em que estas acções ultrapassem a luta igual entre soldados. (p.71)

Se adoptarmos esta definição e distinção, como devemos considerar os soldados referidos na secção anterior? Os seus actos retirar-lhes-iam, segundo de Maistre, a honra que é conferida a um soldado. Por outro lado, não poderão ser considerados carrascos, ainda que a sociedade em geral também os desaprove, porque, ao cometerem tais actos, não agiram como executores da Justiça, mas apenas como executores de caprichos pes- soais, particularmente cruéis. Não restará outra alternativa, creio, senão considerá-los ape- nas criminosos.

“Olho por olho, dente por dente” é a perspectiva defendida por de Maistre, no que diz respeito à Justiça. É o castigo que preserva e governa a humanidade, mas apenas se associado à Justiça. É possível encontrar, hoje, em sociedades que aclamam os Direitos Humanos e dizem respeitar as leis da guerra, atitudes carregadas de energia vingativa, não necessariamente justa, que ganham dimensões preocupantes, na medida em que podem significar retrocessos civilizacionais muito importantes.

Parte III — Os Prisioneiros de Guerra

“NOVAS GUERRAS” E NOVAS PRISÕES — O CASO DO CAMPO DE DETENÇÃO DE GUAN-

No documento A Q UESTÃO DOS P RISIONEIROS DEG UERRA (páginas 42-46)