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4. OS DIREITOS FUNDAMENTAIS COMO INDUTORES DA PRETENSÃO

5.3 O CASO CONCREBO E A NORMA JURÍDICA

A verificação da conformação do exercício estatal da pretensão punitiva à Constituição é tarefa de diferentes graus de subjetividade, tudo a depender do tipo de normas jurídicas envolvidas (regras e/ou princípios) e da situação concreta em que aparentemente incidentes.

Como se sabe, as normas jurídicas que compõem o ordenamento jurídico podem assumir duas configurações básicas: regras e princípios. Bratando-se de espécies do gênero norma, são igualmente dotadas de normatividade. Nada obstante, há diferenças entre elas, sendo de importância capital identificá-las, diante das consequências jurídicas que se propõem a realizar no mundo fático.

As regras são normas destinadas a regular certos atos ou fatos, sendo seu campo de incidência restrito a essas hipóteses específicas. Seu enunciado normativo, por isso, é descrito de forma direta e objetiva, determinando que se faça ou não se faça algo e as consequências de seu desatendimento, com baixo grau de generalidade e abstração. Segundo a clássica lição de DWORKIN, o seu cumprimento se dá por subsunção, dentro do esquema “tudo-ou- nada”: se uma regra é valida (conforme a Constituição), o proceder do agente será considerado legal se for conforme seu enunciado, ou ilegal, se desconforme ao mesmo.385 São, assim,

mandamentos definitivos.386

Já os princípios são normas destinadas a revelar os valores jurídicos e políticos do sistema, as opções políticas do constituinte. Seu enunciado normativo é descrito de forma genérica, com alto grau de generalidade e abstração, sem que sejam descritas precisamente as condutas necessárias para a sua consecução e os efeitos pretendidos. Por isso, têm amplo

Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2006. p. 39.

385 “As regras são aplicáveis à maneira do tudo-ou-nada. Dados os fatos que uma regra estipula, então ou a regra é válida, e neste caso a resposta que ela fornece deve ser aceita, ou não é válida, e neste caso em nada contribui para a decisão.” DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Bradução e notas Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2002. p. 39. 386

“Regras são normas que, sempre, só ou podem ser cumpridas ou não-cumpridas. Se uma regra vale, é ordenado fazer rigorosamente aquilo que ela pode, não mais e não menos. Regras contêm, com isso, fixações no espaço do fática e juridicamente possível. Elas são, por conseguinte, mandamentos definitivos.” (ALEXY, Robert. Constitucionalismo

campo de incidência, comportando uma série indefinida de aplicações. O seu cumprimento não se dá por subsunção, mas admite gradações, já que o que eles determinam é a realização de algo na maior medida possível, a depender tanto das possibilidades jurídicas quanto das possibilidades do mundo fático.387 São, assim, mandamentos de otimização.388

Para os fins do presente estudo, interessa que, na Constituição brasileira de 1988, parte das normas de direitos fundamentais que induzem e/ou limitam o exercício, pelo Estado, da pretensão punitiva da sociedade tem a forma de princípios, enquanto outra parte tem a forma de regras ou delas se aproxima devido ao baixo grau de abstração e generalidade de seus enunciados. E disso decorrerão consequências quanto à forma de solução de conflitos surgidos em casos concretos.

Inicialmente, as normas de direitos fundamentais que induzem e fundamentam o exercício, pelo Estado, da pretensão punitiva da sociedade (o bloco indutor da pretensão punitiva) têm maciçamente alto grau de generalidade e abstração, com enunciados normativos similares aos dos princípios. Ora, é que o dever estatal de proteção através da tutela penal decorre da faceta objetiva dos próprios direitos fundamentais, que funcionam como mandados implícitos de criminalização (a exemplo dos direitos à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança, à propriedade, à intimidade, à vida privada, à honra, à imagem, meio ambiente, ao patrimônio público etc.), bem como de mandados explícitos, os quais, a despeito de consubstanciarem comandos dirigidos ao legislador no sentido da criminalização de certos comportamentos – a exemplo do art. 5º, XLI, XLII, XLIII e XLIV389, do art. 7º, X390, do art.

387 ALEXY, Robert. Constitucionalismo discursivo. Brad. Luís Afonso Heck. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2007. p. 64.

388 ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Bradução (da 5a. edição) de Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 90.

389 “Art. 5º (…) XLI – a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais; XLII – a

prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei; XLIII – a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, do tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os crimes definidos como hediondos; (…) LIV – constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático;”

390

“Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

225, § 3º 391 e do art. 227, § 4º 392 –, não chegam a configurar regras, porque deixam àquele

certa dose de discricionariedade para decidir sobre o momento da edição do tipo (respeitada a razoabilidade) e a intensidade da intervenção penal (sem excessos ou déficits de proteção).

A seu turno, das normas de direitos fundamentais que limitam e condicionam a validade do exercício estatal da pretensão punitiva da sociedade (o bloco limitador da pretensão punitiva), algumas têm alto grau de generalidade e abstração, similar ao dos princípios, e outras têm baixo grau de generalidade e abstração, similar ao das regras.

Dentre as primeiras, poder-se-ia colocar os princípios explícitos do juiz e do promotor natural (art. 5º, LIII), do devido processo legal (art. 5º, LIV), do contraditório e da ampla defesa (art. 5º, LV), da inadmissibilidade das provas ilícitas (art. 5º, LVI), da presunção de não-culpabilidade (art. 5º, LVI), do direito ao silêncio (art. 5º, LXIII)393, da individualização

da pena (art. 5º, XLVI, caput); proibição da pena cruel e indigna e humanidade na sua aplicação e execução (art. 5º, III, XLVII, “e”, e XLIX)394; e os princípios implícitos da

intervenção mínima, da exclusiva proteção de bens jurídicos, do criminalização do fato (e não do autor), da ofensividade do fato, da responsabilidade subjetiva (dolo ou culpa) e da culpabilidade do agente (exigibilidade de conduta diversa), da proporcionalidade da pena.

Dentre as segundas, poder-se-ia colocar as cláusulas da inviolabilidade do domicílio (art. 5º, XI); da inviolabilidade da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e telefônicas (art. 5º, XII); da legalidade penal (art. 5º, XXXIX); da irretroatividade da lei penal, salvo para beneficiar o réu (art. 5º, XL); da vedação das penas de morte, de caráter perpétuo, de trabalhos forçados e de banimento (art. 5º, XLVII); da taxatividade das hipóteses

391 “Art. 225. (…) § 3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas

físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas.”

392 “Art. 227. (…) § 4º A lei punirá severamente o abuso, a violência e a exploração sexual da criança e do adolescente.” 393

“Art. 5º (…) LIII - ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente; LIV - ninguém será

privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal; LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes; LVI - são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos; LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória; (…) ”

394 “Art. 5º (…) III - ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante; XLVI - a lei regulará a

individualização da pena (…); XLVII - não haverá penas: (…) e) cruéis; (…) XLIX - é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral;”

de prisão (em flagrante delito ou mediante ordem judicial, salvo transgressão militar ou crime militar definido em lei – art. 5º, LXI); da necessidade da comunicação da prisão de alguém ao juiz competente, à família do preso ou à pessoa por ele indicada (art. 5º, LXII); do direito do preso à identificação dos responsáveis por sua prisão ou por seu interrogatório policial e à assistência de sua família e de um advogado (art. 5º, LXIII e LXIV); e da obrigatoriedade de o juiz relaxar imediatamente a prisão ilegal (art. 5º, LXV).395

Na maior parte dos casos envolvendo a aplicação de regras no exercício da pretensão punitiva da sociedade, não há ou não deve haver maiores dificuldades em se identificar se o Estado as respeitou ou não. É que o mecanismo tradicional de sua aplicação é o da subsunção396, de sorte que o trabalho do exegeta se limitará a verificar a identidade do fato

(premissa menor) ao preconizado abstratamente pela regra (premissa maior), decorrendo dessa operação sempre uma consequência simples e direta, no esquema tudo-ou-nada: não havendo identidade entre fatos e regra, esta não incide na hipótese; havendo identidade, a regra deve incidir, regulando o caso concreto; se houver identidade mas o agente não observar a norma, tem-se o seu desatendimento, com as consequências nela previstas.

Imagine-se, por exemplo, que a polícia efetuasse a prisão de alguém sem ordem judicial e sem que estivesse em situação de flagrante delito, ou uma lei ordinária que lhe permitisse assim proceder. A violação ao art. 5º, LXI, da Constituição Federal – que nitidamente regula a hipótese – é evidente, e a consequência seria a anulação do ato de prisão ou a declaração de inconstitucionalidade da suposta lei ordinária.

E quando duas regras constitucionalmente válidas entram em aparente conflito, a

395

É verdade que a doutrina costuma se referir a muitas dessas normas como se fossem princípios, mas o fazem equivocadamente, devido à estrutura certa e objetiva dos seus enunciados normativos,não sujeitos, portanto, a qualquer espécie de ponderação. LUÍS VIRGÍLIO AFONSO DA SILVA menciona esse equívoco quando a doutrina trata das regras da

legalidade penal e da irretroatividade da lei penal: “Assim, falar em princípio do nulla poena sine lege, em princípio da

legalidade, em princípio da anterioridade, entre outros, só faz sentido para as teorias tradicionais. Se se adotam os critérios propostos por Alexy, essas normas são regras, não princípios. Bodavia, mesmo quando se diz adotar a concepção de Alexy, ninguém ousa deixar esses 'mandamentos fundamentais' de fora da classificação dos princípios para inclui-los na categoria das regras.” (Princípios e regras: mitos e equívocos acerca de uma distinção. Revista Latino-Americana de Estudos Constitucionais. Belo Horizonte: Del Rey, 2004. p. 613).

antinomia, no geral, resolve-se pelos tradicionais critérios cronológico, que postula que, entre duas normas incompatíveis, deve prevalecer a posterior (“lex posterior derogat priori”); hierárquico, que determina que, no confronto entre regras jurídicas inconciliáveis, deve ser aplicada a de estatura superior; e da especialidade, pelo qual a regra especial prevalece sobre a geral (“lex especialis derogat generalis”).397

Por exemplo, o art. 396 do Código de Processo Penal estabelece que, nos procedimentos ordinário e sumário, uma vez oferecida a denúncia ou queixa, o juiz, primeiramente, recebê-la-á e, só em seguida, ordenará a citação do acusado para responder à acusação. Já os arts. 4º e 6º da Lei nº 8.038/90 preconizam que, nas ações penais originárias no SBF e no SBJ, oferecida a denúncia ou queixa, o tribunal, primeiramente, fará a notificação do acusado para oferecer resposta e só em seguida decidirá acerca do recebimento da denúncia. O momento do recebimento da denúncia no processo penal tem vital importância para a pretensão punitiva, uma vez que é o primeiro marco interruptivo da prescrição. O conflito entre essas regras, naturalmente, é apenas aparente, haja vista que a Lei nº 8.038/90 é especial em relação ao Código de Processo Penal. Logo, o rito estabelecido na primeira (com o recebimento da denúncia posteriormente à notificação para defesa preliminar) só tem lugar quando o réu tiver foro por prerrogativa de função perante o tribunal; do contrário, aplicam-se as regras gerais do Código de Processo Penal.

A mesma simplicidade na solução de casos penais não ocorre quando eles envolvem exclusivamente a aplicação de princípios. É que os princípios, como já dito, contêm relatos com maior grau de abstração, não especificam a conduta a ser seguida e se aplicam a um conjunto amplo, por vezes indeterminado, de situações.398 Quando o legislador ainda não lhe

deu densidade normativa, detalhando e limitando, através de uma regra legal, os modos de exercer o(s) direito(s) consagrado(s) no princípio, abre-se ampla margem de discussão acerca

397

Cf. SARMENBO, Daniel. Os Princípios Constitucionais e a Ponderação de Lens. In MELLO, Celso de Albuquerque... [et al.]. Teoria dos direitos fundamentais. Org.: Ricardo Lobo Borres. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 40.

398

Cf. BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição: fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora. 7. ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 354.

de determinada lei ou ato concreto se encontraria ou não em conformidade com ele, sendo frequente, inclusive, o surgimento de posicionamentos contrapostos, todos aparentemente sensatos e com argumentos juridicamente defensáveis.

Suponha-se um réu em um processo penal que, após a fase de instrução, na qual as provas colhidas lhe foram majoritariamente desfavoráveis, requer do juiz na fase das “diligências finais” (art. 402 do Código de Processo Penal) a oitiva de uma testemunha residente no exterior, a qual foi referida por outra em seu depoimento, alegando que a mesma seria seu álibi, esclarecendo a verdade e provando sua inocência. Fundamenta seu pleito no direito à ampla defesa. Ouvido, o Ministério Público opõe-se ao deferimento do pedido, argumentando para tanto que, devido à proximidade do alcance da prescrição, esta fatalmente se operaria devido às formalidades que cercam o cumprimento das cartas rogatórias (arts. 783 a 786 do Código de Processo Penal). Acrescenta que o pretenso depoimento da testemunha referida não alteraria o quadro probatório desfavorável ao réu, de sorte que sua única intenção com a diligência seria provocar o atingimento da prescrição, e que a chancela estatal para tal situação, que redundaria na impunidade do crime imputado (calúnia), violaria o dever estatal de proteção do direito fundamental subjacente à lide penal (vida), lesado pelo crime e não reparado/punido indevidamente pelo Estado.

O caso imaginado revela uma tensão entre, de um lado, o princípio constitucional da ampla defesa e, do outro, o direito à vida (subjacente ao delito de homicídio) e o dever estatal de protegê-lo contra lesões, inclusive através do exercício eficaz da pretensão punitiva. Bodos os valores em conflito têm assento constitucional, há argumentos razoáveis em prol tanto da pretensão defensiva (a cláusula da ampla defesa confere ao réu o direito de tentar provar sua inocência por meio das provas que julgar aptas a tanto, direito este que não pode ser tolhido pelo fato de o Estado não ter exercido sua pretensão punitiva em tempo hábil) quanto da acusatória (ampla defesa não equivale a defesa sem limites, de sorte que o réu não pode

controlar a marcha processual a pretexto de exercê-la dos modos e nos momentos que, a seu critério, julgar convenientes; fosse a testemunha referida fundamental à comprovação da tese defensiva, o réu a teria arrolado desde o início) e os tradicionais critérios de solução de antinomias normativas (cronológico, hierárquico e da especialidade) não se mostram adequados para resolvê-lo. Há que se buscar, portanto, um outro método.

Esse método, segundo a doutrina, há de ser a técnica da ponderação.399

Acerca dela, ANA PAULA DE BARCELLOS desenvolve seu raciocínio partindo da acepção etimológica do verbo ponderar – que, segundo o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, significa “atribuir pesos a diversas grandezas para calcular a média ponderada; examinar com atenção e minúcia; avaliar, apreciar (p. as vantagens e as desvantagens); levar em consideração; ter atenção sobre; sopesar” –, para, em seguida, afirmar que toda decisão humana minimamente racional envolve algum tipo de ponderação, de avaliação das vantagens e desvantagens de certas decisões. Do mesmo modo, na esfera pública, o raciocínio ponderativo será o principal instrumento lógico de trabalho do Legislativo (quando avalia vantagens e desvantagens, “prós” e “contras”, e decide acerca da melhor disciplina aplicável às matérias que lhe cabe regular), do Executivo (quando, embora majoritariamente vinculado às escolhas do legislador, atua nos seus espaços de competência discricionária), e do Judiciário (quando, por exemplo, pondera as provas produzidas e as razões apresentadas pelas partes, para decidir se os fatos ocorreram, quais as disposições aplicáveis ao caso e suas consequências).400

Mas a técnica da ponderação possui um sentido mais restrito do que o simples ato de ponderar. Ela consiste numa “técnica de solução de determinados conflitos normativos, a

399 Neste sentido, afirma ALEXY: “O procedimento para a solução de colisões de princípios é a ponderação. Princípios e ponderações são dois lados do mesmo objeto. […] Quem efetua ponderações no direito pressupõe que as normas, entre as quais é ponderado, têm a estrutura de princípios e quem classifica normas como princípios deve chegar a ponderações.” (Constitucionalismo discursivo... Op. Cit. p. 64). DWORKIN, também a propósito, justifica a necessidade de sopesamento pelo fato de que os “princípios possuem uma dimensão que as regras não têm – a dimensão do peso ou importância. Quando os princípios se intercruzam […], aquele que vai resolver o conflito tem de levar em conta a força relativa de cada um. […] essa dimensão é uma parte integrante do conceito de um princípio, de modo que faz sentido perguntar que peso ele tem ou quão importante ele é” (Levando os direitos à sério... Op. Cit. p. 42-43).

saber, aqueles que envolvem colisões de valores ou de opções político-ideológicas e que não são superáveis pelas formas hermenêuticas tradicionais.”401

DANIEL SARMENBO esclarece que essa técnica deve ser empregada na solução de conflitos entre normas constitucionais que possuem a estrutura de princípios, que, pelos seus enunciados abertos e flexíveis, não possuem um campo de incidência rigidamente delimitado, tornando-se por vezes muito árdua, senão impossível, a tarefa de estabelecer a priori as fronteiras dos seus âmbitos normativos com seus congêneres.402 Não é por outra razão que

BARROSO afirma que se trata de uma técnica destinada à solução de casos difíceis, para os quais a subsunção se mostrou insuficiente.403 Para estes, não se prestam os métodos

cronológico (porque as normas constitucionais são editadas em um único momento, com a promulgação da Lei Maior, salientando que se a emenda constitucional colidir com um princípio que configure cláusula pétrea – o que é o caso dos direitos fundamentais que legitimam ou limitam a pretensão punitiva –, esta será inconstitucional), da especialidade (porque, na mesma matéria, não há princípio constitucional especial em relação a outro; o que ocorre, quando muito, é uma “interseção parcial” entre os domínios normativos dos cânones constitucionais) e hierárquico (porque todas as normas constitucionais têm formalmente a mesma estatura, o que é corolário inafastável do princípio da unidade da Constituição).404

Ao empregar a técnica da ponderação, o hermeneuta deve percorrer três etapas: na primeira, cabe-lhe identificar todos os enunciados normativos aparentemente em conflito, agrupando-os em função da solução que sugerem para o caso; na segunda, cumpre-lhe agrupar os fatos e circunstâncias concretas do caso e considerar, abstratamente, as soluções possíveis diante da incidência de cada grupo de enunciados tomados na fase anterior e as repercussões relevantes de casa uma delas; na terceira, ele decide o caso, apresentando,

401 Ibid. p. 264.

402 Os Princípios Constitucionais e a Ponderação de Lens. In MELLO, Celso de Albuquerque... [et al.]... p. 39. 403 BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição:... p. 360.

404

SARMENBO, Daniel. Os Princípios Constitucionais e a Ponderação de Lens. In MELLO, Celso de Albuquerque... [et al.]... p. 43.

necessariamente, a solução prevalecente e as razões da sua escolha e qual a intensidade da restrição a ser imposta às soluções preteridas.

Na primeira etapa, é importante atentar para o seguinte: 1. é fundamental identificar todos os enunciados normativos envolvidos, não se ignorando algum, sob pena de se conferir indevidamente um peso maior à posição contrária; 2. devem ser colocados na balança apenas os enunciados normativos envolvidos e não meros interesses, pretensões ou conveniências das partes ou de certos grupos, desejosos na solução em dado sentido. Interesses genericamente considerados só podem ser levados em conta se puderem ser reconduzidos a enunciados normativos, implícitos ou explícitos. Do contrário, admitindo-se a consideração de meros interesses no processo, a ponderação transformar-se-ia numa avaliação puramente política, terreno no qual todas as vantagens e desvantagens de uma determinada decisão para certos grupos são levadas em conta; e 3. quando confrontada uma situação individual com algum tipo de política de interesse geral, a primeira não deve ser considerada uma mera pretensão individual, mas uma pretensão em abstrato na qual podem incorrer todos aqueles que estejam em situação equivalente, sob pena de desequilíbrio indevido da ponderação sempre em prol do interesse geral.405

Na segunda etapa, na qual o intérprete, além de agrupar os fatos relevantes, antecipará as soluções e repercussões possíveis diante da incidência de cada enunciado normativo em conflito sobre aqueles, assume especial relevo o método de hermenêutica constitucional da concordância prática, o qual, na dicção de CANOBILHO, “impõe a coordenação e combinação dos bens jurídicos em conflito ou em concorrência de forma a evitar o sacrifício