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4. OS DIREITOS FUNDAMENTAIS COMO INDUTORES DA PRETENSÃO

5.2 QUANBO AO EXERCÍCIO DA PREBENSÃO PUNIBIVA PELO ESBADO EM CASOS

No plano do exercício da pretensão punitiva em casos concretos, sempre que a sociedade pretender que alguém sofra sanções que importem na perda de sua liberdade ou dos seus bens, cumpre às autoridades estatais (polícia, Ministério Público e Judiciário) exercer seus respectivos misteres com obediência inflexível aos limites e condicionamentos contidos nas normas constitucionais aqui denominadas bloco limitador da pretensão punitiva383, bem

como nas leis ordinárias editadas em consonância com aquelas, sob pena de nulidade.

Entretanto, para que o exercício da pretensão punitiva da sociedade efetivamente previna lesões aos direitos fundamentais, também é preciso que a ameaça estatal de

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“o Estado – também na esfera penal – poderá frustrar o seu dever de proteção atuando de modo insuficiente (isto é, ficando aquém dos níveis mínimos de proteção constitucionalmente exigidos) ou mesmo deixando de atuar, hipótese, por sua vez, vinculada […] à problemática das omissões inconstitucionais. É nesse sentido que – como contraponto à assim designada proibição de excesso – expressiva doutrina e inclusive jurisprudência têm admitido a existência daquilo que se convencionou batizar de proibição de insuficiência (no sentido de insuficiente implementação dos deveres de proteção do Estado e como tradução livre do alemão Untermassverbot). Com efeito, a partir de desenvolvimentos teoréticos formulados especialmente por Claus-Wilhelm Canaris e Josef Isensee, o Bribunal Constitucional Federal da Alemanha, por ocasião da sua segunda decisão sobre o aborto, em maio de 1993, considerou que o legislador, ao implementar um dever de prestação que lhe foi imposto pela Constituição (especialmente no âmbito dos deveres de proteção), encontra-se vinculado pela proibição de insuficiência, de tal sorte que os níveis de proteção (portanto, as medidas estabelecidas pelo legislador) deveriam ser suficientes para assegurar um padrão mínimo (adequado e eficaz) de proteção constitucionalmente exigido. A violação da proibição de insuficiência, portanto, encontra-se habitualmente representada por uma omissão (ainda que parcial) do Poder Público, no que diz com o cumprimento de um imperativo constitucional, no caso, um imperativo de tutela ou dever de proteção […]”. (Entre proibição de excesso... Op. Cit. p. 98-99)

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Por exemplo, os seguintes incisos do art. 5º da Constituição: a) deve haver um promotor e um juiz competentes para, respectivamente, promover a ação e julgá-la, sendo inadmissível a designação casuística de qualquer deles após o crime (LIII); b) só o Judiciário pode aplicar a sanção penal, ao cabo de um processo a ser instaurado por ação do Ministério Público, incumbido do ônus de provar a culpabilidade do acusado, a quem o juiz deve assegurar o direito ao silêncio (LXIII), ao contraditório e à ampla defesa (LV), sendo vedadas provas ilícitas (LVI); c) a perda da liberdade ou dos bens do acusado só ocorrerá após o trânsito em julgado da condenação (LVII), antes do que é possível àquele pleitear do Judiciário a revisão do caso, por meio dos recursos previstos em lei; d) se definitivamente condenado à prisão, deverá cumpri-la em estabelecimento prisional adequado à sua idade, ao seu sexo e à natureza do delito praticado (XLVIII), garantindo-se às mulheres condições de permanecer com os filhos na fase de amamentação (L); e) antes da condenação definitiva, alguém só pode ser preso em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada do juiz competente (salvo transgressão militar ou crime militar, definidos em lei) (LXI) e, em qualquer caso, essa prisão e o seu local serão comunicados imediatamente ao juiz e à família do preso ou à pessoa por ele indicada (LXII), sendo-lhe assegurado a ciência de seus direitos, inclusive o de permanecer calado, a assistência da família e de advogado (LXIII) e a identificação dos responsáveis por sua prisão ou por seu interrogatório policial (LXIV); f) quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança, esta deve ser necessariamente concedida (LXVI), e quando o juiz verificar que a prisão foi ilegal, deverá imediatamente relaxá-la (LXV); e g) independentemente do motivo da prisão, garante-se ao preso o respeito à sua integridade física e moral (XLIX).

sancionamento de quem atentar contra estes seja séria, certa e eficaz. E, para que assim seja considerada, é mister que, além da existência de normas penais e processuais penais editadas formal e materialmente conforme a Constituição, aquelas instituições estatais, sempre que se depararem com a infração às normas penais, deflagrem rapidamente a atividade persecutória e a exerçam em toda a sua plenitude, de modo a, efetivamente, obter o sancionamento do infrator e, quando possível, a reparação ao direito violado, sem qualquer malferimento às garantias constitucionais de quem se investiga, é processado ou é apenado.

Somente com tal configuração será possível garantir que haverá a efetiva punibilidade dos comportamentos nocivos aos direitos fundamentais, e não sua impunidade. E, por sua vez, só havendo a certeza do sancionamento (punibilidade), aquela ameaça estatal poderá ser levada minimamente a sério.

Se, ao contrário, os representantes do Estado, por qualquer motivo, não se desincumbem de dar efetividade à pretensão punitiva, permitindo que as violações ocorridas fiquem impunes, haveria aí uma situação de patente inconstitucionalidade, quiçá ensejadora de responsabilização estatal na órbita internacional. Imagine-se, por exemplo, que a legislação criminal é suficiente em termos de tutela abstrata dos bens jurídicos constitucionais e que as instituições estatais são dotadas de todos os instrumentos adequados de atuação, porém estas instituições não agem quando deveriam, agem de forma ineficaz ou agem dissociadas do dever de proteção dos direitos fundamentais.

Haveria, então, uma proteção eficiente dos direitos fundamentais quando afastados tanto excessos quanto déficits de proteção. E alcançar essa proteção eficiente é o maior objetivo do sistema de proteção dos direitos fundamentais. Nas palavras de CLAUS ROXIN, “o poder estatal de intervenção e a liberdade civil devem ser levados a um equilíbrio, de modo que garanta ao indivíduo tanta proteção estatal quanto seja necessária, assim como também tanta liberdade individual quanto seja possível.”384