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CAPÍTULO 2 Cartografando a polícia em Bello Horizonte

3.2 Outros casos de polícia

3.2.1 Clubs

3.2.1.1 Caso especial: O ―Elite-Club‖

Desde 1914, parte da imprensa insinuava o envolvimento do ―Elite-Club‖ com os jogos de azar. No entanto, a polícia parece ter desenvolvido uma relação complacente com o clube durante alguns anos. Alguns membros da Secretaria da Polícia pareciam manter uma relação íntima com o clube.

Em 16 de dezembro do mesmo ano, o jornal ―A Tarde‖ publicou um artigo com o intuito de rebater acusações e desfazer um ―mal-entendido‖ provocado pela leitura dos diretores d ―Elite‖ e ―Bohemios‖ que reconheceram como sendo para seus clubes as denúncias do jornal contra a ―jogatina‖. Usando tom sarcástico, os repórteres do jornal afirmaram seu apreço pelos dois espaços declarando que nunca haviam declinado da ―honra excelsa de fazer parte da nata civilizada, como frequentadores assiduos dos dois aristocraticos clubs, acompanhando com interesse tudo quanto ahi se passa‖, e ainda recomendaram seus salões

onde melhor se goza a vida nocturna nesta insipida aldeia com fóros de cidade, a quantos não desprezam as delicias da vida, inclusive á propria policia, cujos <<Javerts>> encontrarão alli o mais espumante <<champagne>> e o mais saboroso <<pate foie gras>>, mormente quando a noite se faz velha e a madrugada se approxima.216

Em janeiro de 1915 o secretário do ―Elite Club‖ e delegado de polícia da 2ª circunscrição, Orlando Pimenta Buêno, escreve à Secretaria de Polícia solicitando que o Chefe de Polícia determinasse que o horário de funcionamento do clube não se prolongasse além das duas horas da madrugada. Segundo ele,

dessa hora em diante o funccionamento desse Club constitue uma ameaça á ordem publica, pois as libações a que se entregam muitos dos circumstantes já se tem multiplicado demasiadamente obliterando-lhes os sentidos e a intelligencia e, consequenttemente, o sentimento de respeito á ordem publica.217

E ainda solicitava a ―prohibição da entrada e frequencia de menores nesse club, evitando-se, assim, que se corrompa a mocidade de Bello Horizonte ao conctato de um meio nocivo e repugnante.‖218

As palavras de Orlando Buêno, pareciam vir não do Secretário do referido

216

APM, A Tarde, 16-12-1914, p.1. POL8 Cx.14 Doc.03.

217APM, APM, POL 8 Cx. 02 Doc.16 218APM, POL 8 Cx. 02 Doc.16

clube, mas do delegado em trabalho de inspeção. Todavia, quem se mostrou incomodado com as sugestões foi o chefe da 1ª secção que escreveu o seguinte parecer:

[...] a medida sugerida já é posta em pratica pela chefia ha muito tempo; em todas as portarias estabelecidas pela secção, dando licença para as diversões noturnas daquelle club determina-se que as funções devem terminar as 3 horas da madrugada. Os

conflictos que se dão em casas de diversão da capital não provém do seu funcionamento mais ou menos prolongado e sim da falta de uma inspecção capaz e segura exercida por uma autoridade policial edonea e que ao menos se faça respeitar. A chefia empenhada sempre na boa ordem nesses estabelecimentos de diversões recorrendo ainda a seus prepostos rigorosa inspecção, mas estes talvez cançados ou por qualquer outro motivo se manda representar por Geraldo de Souza Costa, Affonso Barroso etc que os conheço registrados na secção como guardas civis e que mantem sua funcção policial podem em caso dado escercer (?) em caso dado.

A chefia dispõe de elementos promptos, capazes de fazer um policiamento destacadamente decente para fazer reinar a tranquilidade não só sua como daquelles que vão alli se divertir, evitando nesse genero a parte de indiscreção [...].219

O parecer deixou transparecer a tensão estabelecida dentro da Polícia. Enquanto o delegado Orlando Buêno, subliminarmente, assumia que o clube era um espaço corrompido moralmente, o chefe da 1ª secção deslocava o problema para a ineficiência do serviço de policiamento, pois, provavelmente, era um clube frequentado por homens de destaque social, inclusive componentes da Secretaria da Polícia, como já havia apontado anos antes o jornal ―A Tarde‖. As casas de diversão, que normalmente eram alvos de atenção irrestrita, ganhavam status diferenciados dependentes das avaliações parciais e facciosas dos membros da polícia, principalmente daqueles com posições mais elevadas na hierarquia da instituição.

O ―Elite-Club‖ sofreu um abalo no seu prestígio com a polícia no ano de 1917. No dia 22 de maio, sua sede foi alvo de uma diligência policial que apreendeu um conjunto de objetos e móveis de jogo: roleta montada, mesa de bacarat, panos de pavuna, fichas de jogo e um livro de escrituração de jogo com as especificações dos lucros esperados em bancas de bacarat e roleta.

No dia seguinte, o advogado do clube remeteu um documento ao delegado auxiliar solicitando a certidão da diligência e uma petição pedindo esclarecimentos, visto que o delegado da 2ª circunscrição, nas palavras do advogado, com sua ―proverbial ingenuidade‖, não tinha conhecimento da ação policial ainda que os móveis e objetos tenham sido recolhidos à sua delegacia.220 Nesse mesmo documento classificou a ação policial como violenta, já que a porta de uma dependência do clube fora arrombada. Sem obter resposta,

219APM, POL 8 Cx. 02 Doc.16 . Grifos meus.

enviou documento ao Chefe de Polícia exigindo o despacho proferido na petição e respostas para perguntas relativas aos motivos da diligência. Segundo ele, à polícia cabia responder os motivos que determinaram a busca, quem havia ordenado a diligência e se ela foi efetuada baseada nas formalidades legais. Outra preocupação do advogado era a de averiguar se a polícia havia encontrado sócios envolvidos com jogos de azar e se fora efetuada alguma prisão. Ele também questionou se o clube funcionava com aprovação da polícia e se seu estatuto estava legalizado.

Não encontrei outros documentos que informassem sobre a postura do Chefe de Polícia frente ao acontecido. Todavia, a partir desse caso, é possível perceber, mais uma vez, a fragilidade na organização das delegacias que, muitas vezes, não sabiam responder sobre suas ações e pareciam não ter o hábito de registrá-las. Cumpre notar que a certidão da diligência só foi redigida pelo escrivão da delegacia após as reclamações do advogado do ―Elite-Club‖.

Além dos clubes e associações, era regra que outros estabelecimentos comerciais que ofereciam divertimentos, como os cinemas e teatros, também solicitassem licença para a realização de bailes e espetáculos. Como foi o caso do ―Cinema Avenida‖ que enviou documento no qual pedia permissão policial para realizar um baile que se iniciaria às dez horas da noite e terminaria às duas da madrugada. O mesmo procedimento foi seguido por um grupo de homens que realizariam um espetáculo beneficente noturno no Teatro Municipal em favor do orfanato Santo Antônio. Eles também pediram a dispensa do pagamento de taxas. Como discutido no capítulo anterior, essas solicitações seguiram o protocolo estabelecido para as diversões públicas.