• Nenhum resultado encontrado

RESULTADOS E DISCUSSÃO: A VOZ DO ABUSADOR INCESTUOSO

3.3. O caso Pedro

(...) “Claro que eu sou um homem feito de carne e osso. Eu sinto tristeza e sinto alegria. Momentos de coisas boas, eu fico alegre. Momentos de coisas ruins me pegam, eu fico triste” (...)

Fala de Pedro na entrevista (...) “Rosto mascarado... no formato de uma carapuça” (...)

Fala de Pedro no Rorschach, prancha II

3.3.1. Histórico

Pedro tem 45 anos e é nascido na cidade de Ipojuca, Pernambuco. Tem um relacionamento há quatorze anos com a mesma mulher, e com ela teve dois filhos, E., sexo masculino, treze anos e uma menina J. que faleceu com sete meses. Possui uma irmã do sexo feminino, mas segundo ele, não possuem mais contato desde 1986. Já fixou residência na cidade de Bauru, interior de São Paulo e em Brasília. Trabalhava como caseiro antes de vir a ser preso e trabalhou também como encarregado de depósito. Pedro estuda na própria prisão e está concluindo o primeiro grau, além de trabalhar como faxineiro. Converteu-se na prisão e agora é evangélico. Encontra-se detido no Centro de Internamento e Reeducação (CIR), há aproximadamente cinco anos, sob os artigos 214, c/c art. 224, alínea “a” e art. 225, parágrafo primeiro, II, todos do Código Penal (Anexo I), sendo sentenciado a doze anos e seis meses de prisão.

As informações do prontuário sobre os motivos de sua reclusão revelam que submeteu a enteada M., com então 12 anos, a praticar atividades sexuais com ele, sob violência e grave ameaça. Ameaçando-a com uma faca peixeira, segurou-a pelo braço, conduzindo-a ao quarto do proprietário da chácara, da qual trabalhava como caseiro. Mandou que a menina se despisse e deitasse na cama. Posteriormente despiu-se também, passando a acariciá-la, beijá-la na boca e nos seios e determinando que fizesse sexo oral nele. Tentou a relação sexual, mas não conseguiu, pois ejaculou rapidamente na coxa de

M. Em seguida, disse a adolescente que faria isso todas as tardes. Anteriormente, já havia feito tentativas de molestá-la sexualmente, despindo-se e determinando que pegasse em seu pênis, e ainda oferecendo dinheiro em troca. Pedro confessou o ocorrido.

3.3.2. Análise das entrevistas

A análise das entrevistas apontou alguns eixos como o relacionamento com pai, o relacionamento com a mãe, a significação da mulher, a auto-imagem e a significação do incesto. Estas categorias serão compreendidas a luz da teoria psicanalítica, visando sugerir algumas inferências a respeito de seu funcionamento psicodinâmico.

O relacionamento com o pai

a) O pai carrasco

A única representação associada à figura paterna, que aparece nas falas de Pedro é a da violência. Ao pai cabe a função de agressor, fazendo imperar suas vontades e causando uma assimetria no relacionamento paterno-filial. Neste caso, ser filho é ser sujeito de ações violentas, não lhe competindo uma infância adequada. As proibições infudadas também caracterizam uma violência não física, mas emocional.

(...) “meu pai batia, porque gostava de bater mesmo. Tinha uma maneira de carrasco. Se ele visse eu brincando com alguém, ele me batia, entendeu? Tinha que brincar sozinho. Teve caso em que meu pai descobriu que eu brincava com alguém e me bateu. E a surra não era pequena. Apanhei um bocado” (...)

A violência sugere a idéia de ação dirigida especificamente para fins avassaladores. O que se encontra ressaltado em seu discurso é a crueldade das atitudes paternas, causando até certa incompreensão aos motivos dos reflexos violentos. Permanece exclusivamente, a

idéia de ser prejudicado e depreciado, onde a tentativa de mostrar-se um filho bom não é suficiente para encontrar o acolhimento do pai.

(...) “eu trabalhava, o dinheiro ficava pra ele. Eu só trabalhava. E mesmo assim me batia” (...)

Não foi possível para Pedro perceber sentimentos afetivos, positivos e adequados, vindos de seu pai. Observa-se a ausência da afetividade e de apego na relação pai e filho. Sente o desapego e até o abandono, apreendendo apenas o desrespeito, justificado pelo autoritarismo.

(...) “Se gostava não demonstrava, só ficava pra ele. Meu pai sempre foi uma pessoa muito ignorante, sabe? Ele demonstrava autoridade” (...)

A relação paterna fica deteriorada para Pedro, na via da agressão e do abandono, proporcionando certo desajustamento social, uma vez ele permanece na instabilidade até mesmo na vida familiar.

(...) “Eu tinha nove anos de idade quando eles separaram. Eu não agüentava mais aquilo e eu fugia para a minha mãe. Meu pai me buscou de volta. Deu uma confusão, aí eu fugia pra casa da minha mãe, meu pai me buscava. Minha mãe vinha me buscar, ele me buscava. Era assim. Eu vivia uma vida... até que um dia eu fui parar numa delegacia” (...)

Pode-se pensar que a fantasia de um pai terrível, tornou-se realidade; a ameaça se concretizou; e o horror ante a possibilidade da castração, foi vivenciado. A figura paterna é vivenciada como algoz, representada pelo comportamento desviante e agressivo. Diante da falta de atribuições positivas, cresce em Pedro sentimentos hostis, permanecendo a lembrança da perda da perfeição.

(...) “Por que eu sinto ódio e nunca me esqueço é desse dedo aqui, tá vendo?(o dedo não tem uma parte). Eu tava com dor de dente e ele chegou pra mim “mas não fez nada ainda”. Eu falei “não tô agüentando trabalhar”. E ele “Corta logo isso aí!”. Eu fui cortar com raiva e acertei o dedo. Quando eu olho pra mão, lembro dele e nunca esqueço” (...)

Há o movimento de substituir o ódio por sentimentos opostos. Trata-se de uma inversão do verdadeiro desejo. Parece que Pedro com mecanismos de defesa construiu barreiras mentais contrárias ao verdadeiro sentimento hostil e tentou interpretar que a agressão lhe fez bem. O impulso, sendo negado, torna-se cada vez mais ocultado, podendo refletir nos seus modos de funcionamento.

(...) “Eu nunca senti raiva dele. Eu passo até a agradecer hoje, por esse homem que eu sou hoje, trabalhador, né, honesto. Eu aprendi e foram as surras que eu levava que me ensinou” (...)

As dimensões afetivas envolvendo o relacionamento com o pai comparecem inadequadas e desestruturadas, com destaque a violência em detrimento dos conteúdos construtivos. Desta forma, é possível salientar que a identificação com o genitor pode ter se dado na via da agressividade. Todo o poder advindo da figura paterna foi percebido como despótico e avassalador, gerando sentimentos hostis, mas concomitantemente, fazendo Pedro temer e perceber sua inferioridade. Esse pai portou uma lei perversa, demonstrando- a com autoritarismo e violência, fazendo com que para Pedro sua representação se tornasse cruel e amedrontadora.

(...) “Não sei se ele está vivo ou morto” (...)

(...) “Não sei se foi a surra, ou o medo dele que eu tinha” (...)

O relacionamento com a mãe

a) A mãe alcoolista e desvitalizada

Quando questionado sobre o relacionamento com a mãe, Pedro refere-se primeiramente, ao seu falecimento. Porém, não foi possível observar atitudes melancólicas frente ao fato, referindo-se simplesmente as suas lembranças do alcoolismo materno.

(...) “Ela bebia, aí teve o derrame. Aí chegou no hospital, morreu. Eu não tenho mãe” (...)

O alcoolismo da mãe foi colocado, como um dos fatores de preocupação de Pedro. Talvez pelo seu próprio histórico de alcoolismo, ou pelo seu sentimento de abandono. Nota-se ainda a representação de uma figura materna pueril, que não “obedece” ao pedido do filho. Pedro permanece então, entre o desamparo e o abandono.

(...) “Eu vivia preocupado com ela porque ela bebia. Aí ela não obedecia e me deixava. Ficava preocupado com aquilo, mas não tinha jeito. Fazer o quê?” (...)

O abandono é vivenciado, assim como o desamparo. Nota-se a descontinuidade do cuidado tanto físico como mental, propiciando um relacionamento inadequado com a mãe. A figura materna é representada como incapaz de realizar o cuidado afetivo.

(...) “A minha vida junto com minha família era meia pouca, porque eu trabalhava. Na roça eu morava com meu pai, né? Aí quando fui ficar com a minha mãe, trabalhei em mercado, mercearia” (...)

Observa-se em suas falas que a fragilidade da mãe é predominante. O desamparo comparece tanto em termos físicos quanto emocionais. Pedro revela a dificuldade da mãe em “dar vida aos filhos”, parecendo que o vínculo mãe-criança é fragilizado. Pedro “vingou”, sobreviveu em meio a muitos abortos da mãe, com uma vida frágil e desvitalizada em afetividade, sentindo o desamparo.

(...) “Minha mãe teve dezessete filhos. Dos dezessete só escapou eu e minha irmã. Não sei se ela tinha problema na gravidez. Ela tinha muito aborto, morria mesmo. Eu cheguei a nascer, parece, de sete meses. É meio complicado” (...)

A significação da mulher

a) A esposa-mãe

Possui um relacionamento com a mesma mulher há quatorze anos. Refere ao seu alcoolismo como um problema vivenciado na relação, assumindo sua própria responsabilidade. Parece que se encontra em um momento de autocrítica e de

reconhecimento dos erros próprios e, portanto, dos danos decorrentes deles, despertando culpa e remorso. A atitude predominante é a de reparar os prejuízos causados, procurando dessa maneira evitar a perda da companheira.

(...) “Toda vida a gente se dava muito bem. Se havia erro assim, era eu, que bebia. Por que ela nunca gostava de sair, pra farrear. Então ela ficava em casa, reclamando quando eu chegava. Eu ficava brabo também Eu errava nessa parte, depois que a gente apanha um pouquinho, a gente aprende” (...)

Atribui à figura “de uma” esposa um papel de importância e de responsabilidade, não fazendo menção a sua própria esposa, especificamente, mas a qualquer uma que desempenhe este papel. Na sua fala estão embutidos desejos de cuidado atribuídos a uma figura feminina, como se ele por si só, não conseguisse se manter numa posição adequada. Nesse contexto, pode-se pensar numa esposa-mãe, que protege e educa, e na procura de Pedro por um amparo materno.

(...) “Sempre gostei de uma esposa, é bom ter uma esposa, esposa é que dá jeito mesmo, né? Muita gente não dá valor, não olha por esse lado. Quem olhar pra esse lado pensa e vê valor o que tem uma esposa” (...)

A figura feminina representa para Pedro um objeto bom, notando-se em suas falas a presença de conteúdos projetivos idealizatórios. A mulher encontra-se numa posição de idealizada potência, fazendo-nos crer na busca de Pedro por uma mulher boa, forte e intensa, que dê conta de atender suas demandas concretas, porém primárias, de proteção e cuidado.

(...) “A mulher tem mais potência que o homem Por que eu tenho uma ilusão na cabeça, na mente, de ver que a mulher é mais” (...)

Pedro, diante do sentimento de abandono vivenciado pela mulher-potente, é capaz de aceitar seus erros e reparar sua culpa, para não sentir mais o retorno do desamparo da infância. Coloca a sua necessidade de ser perdoado, pois precisa de uma figura feminina, demonstrando bem-estar e uma felicidade quase infantil, em sentir-se amado.

(...) “Eu cheguei pra ela “vai me perdoar?”. Ela falou “vou te perdoar, vou te dar uma chance”. Então me deu uma chance, graças a Deus. Se também não tivesse me dado, ela tava com toda razão, por que eu traí ela. Mas graças a Deus, ela compreendeu. Não por que ela dependa de mim, não posso dizer que ela depende de mim. Ela falou que gostava de mim, me amava e que ia me perdoar” (...)

A auto-imagem

a) O eu não narcisista

Nota-se que no comportamento de Pedro e em suas falas, não se apreende um sentimento grandioso em relação a si mesmo, com uma superestima de suas atribuições e elementos de arrogância e presunção, referentes a um modo de funcionamento narcisista, tal como os dois primeiros casos. Apenas em uma colocação refere-se a um amor por si mesmo, porém este amor apresenta-se vinculado a uma tentativa de auto-valorização para fins reparatórios e de apoio, lembrando ainda colocações religiosas.

(...) “Eu me amo demais. Uma coisa que eu amo é minha vida, por isso é que eu prezo ela. Eu tô buscando o que eu perdi na minha vida, por que quem tem paz consigo mesmo, tem para com os outros. Amo meu próximo e eu quero que, um dia, eu pague minha dívida com a justiça para sair daqui” (...)

Em suas falas é possível perceber a exaltação de aspectos mais singelos de sua personalidade, atribuindo a si mesmo papéis simples, sem grande desejos e aquisições.

(...) “Eu sei me conformar se eu não tiver alguma coisa” (...)

Pedro trás um modo de funcionamento mais subserviente, buscando numa figura de autoridade, o acolhimento não vivenciado.

(...) “Não gosto de incomodar. Eu sempre gostei mais de servir do que ser servido, de sempre satisfazer o desejo do patrão e agradar no serviço” (...)

Nota-se um aspecto extremamente valorizado durante toda a entrevista: a nomeação da honestidade como uma característica da qual possui. Veste-se com essa honestidade e coloca como sendo o elemento mais positivo de sua personalidade. Percebe-se com uma integridade tamanha, que é possível a ele indulgenciar o ato que o levou a prisão. Ele erra, mas confessa, com honestidade.

(...) “o que mais agrada em mim é a honestidade que eu tenho. Apesar do fato de eu estar aqui, ter errado, como eu confessei. Por que, na minha vida, eu errei com honestidade” (...)

A integridade nomeada e adquirida resvala no seu papel de homem trabalhador, alcançado a confiança do seu patrão. Parece um jogo quase infantil de busca de afeto e necessidade de acolhimento, devendo mostrar-se sempre perfeito. O patrão é visto por Pedro como a representação de uma figura paterna, onde pode receber proteção e tentar novamente ser um filho bom, para ocupar um lugar que nunca lhe foi permitido. Parece que seu modo de funcionamento se encontra num nível de imaturidade, semelhante ao de uma criança.

(...) “Eu trabalhei pra ele muitos anos, por isso que eu lhe falo da honestidade. Esse homem é dono de uns negócios aí de fazendeiro. Tudo que era dele, ele não sabia nem descrever. Ele confiava na minha mão. Não confiava nos filhos e confiava em mim. Ganhei essa confiança muitos anos com ele”(...)

Nota-se em sua fala a idealização, ou seja, uma busca pela perfeição, a fim de que se extingüa o sentimento de inferioridade e de vazio.

(...) “Se eu tivé algum talento é o de como trabalhar e zelar pelo meu emprego. Na firma que eu trabalhei fui até elogiado. Final de ano era premiado por que fazia o serviço bem feito” (...)

b) O eu impulsivo e agressivo

Parece que a dor e a inconformidade de ser quem é, fez Pedro usar excessivamente o álcool. Bebe para ter coragem, para livrar-se do medo. Há uma tentativa de preencher vazios existenciais, decorrentes da angústia do desamparo. Nota-se ainda que quando

alcoolizado os sentimentos agressivos bloqueados, vêem a tona, fazendo surgir um Pedro mais impulsivo e sem barreiras.

(...) “Quando bebe a gente fica brabo. Tem coragem pras outras coisas. Aí eu tinha coragem pra tudo. Se quisesse eu ia bater. Se eu quisesse matar, eu matava” (...)

Porém, com a abstinência, as barreiras voltam a serem estabelecidas e retoma o contato com a realidade, reagindo de forma menos impulsiva.

(...) “Eu não tinha coragem não. Se me batiam e eu procurava correr (riu). Sempre eu ficava naquela, tirando uma onda de brabo. Por isso, só me dava mal” (...)

É possível notar nas falas de Pedro a presença de conteúdos agressivos e hostis, representando uma atitude de defesa, mas também representando o desejo de poder, a fim de camuflar e se proteger da fragilidade subjacente.

(...) “Sempre andava armado, com arma de fogo” (...)

A hostilidade comparece, inclusive como formação reativa, em relação a pessoas que poderiam cometer atitudes condenáveis por ele. Ao se ver no lugar de “estuprador de crianças”, a capacidade para realizar atos reparatórios parece estar presente, mas essa percepção comparece somente após ter vivenciado a punição.

(...) “Eu carregava comigo isso, eu sempre pensei em matar essas pessoas (que haviam estuprado crianças). É por isso aí eu paro e fico pensando: Meu Deus, eu vim cair na mesma situação deles. E eu caí na mesma situação deles e eu pensava em matar” (...)

(...) “Será que eu tô pagando por desejar tanto matar os outros, por que faziam isso?” (...)

Posteriormente modifica sua percepção e sua fala não mobilizando sua agressividade. No entanto, percebe-se que o desejo de aniquilar existe, sendo a reação bloqueada.

(...) “mas eu nunca tive reação de ter ódio de ninguém e depois pegar, matar. Eu não tenho o coração cheio de mágoa ou nem de ódio” (...)

c) A religião como auto-reparação

Um aspecto articulado em diversos momentos da entrevista é a religião. Tornou-se evangélico após a prisão. Segundo sua fala, a relação com a religião permite sua absolvição e a modificação de hábitos e formas de pensamentos dele e também da família.

(...) “Eu aceitei Jesus e comecei a passar pra eles também. Hoje, minha filha, que eu chamo de minha filha (referindo-se a enteada, que foi abusada), meu filho e a esposa, são evangélicos” (...)

(...) “Seguir a Deus é uma coisa séria. Se você errou, tem que ver que errou e sair fora pra se reconciliar. Eu errei, mas fui profetizando. Fui tocado e aceitei. Depois de uns três dias que eu tava preso” (...)

A ordenação a essa crença demonstra uma necessidade de buscar algo que não foi encontrado internamente. É uma forma de restituição do eu e de reparação dos erros cometidos. Faz uma tentativa de alterar os modos comportamentais e mentais, entregando- se a leis e a moral vinda de fora, de modo que possa construir um perfil encaixado às determinações evangélicas. Essa necessidade, vinda de fora, pode estar vinculada à fragilidade da função paterna que foi entendida como amedrontadora, gerando conseqüentemente a frágil apreensão da lei e da ética.

(...) “Temos os dez mandamentos, que falam não roubar, não matar, não adulterar, não cobiçar a mulher do próximo, nem o jumento dele, nem a casa dele, nem nada. Isso aí faz parte do amor para com o teu próximo. Se eu amo o próximo, não vou querer matar ele. Se eu amo meu próximo, não quero a mulher dele. Se eu amo meu próximo, não quero o carro dele, nem a casa dele. Então vem a parte de amar teu Deus sobre todas as coisas. Mais que teu filho, mais que tua mulher, mais que tua mãe, pra obter a tua salvação” (...)

A religião é utilizada para o preenchimento de funções que não funcionavam adequadamente, tendo um papel de restauração do eu. Porém, é possível observar que Pedro utiliza-se de processos reflexivos, percebendo a dificuldade de se aderir a princípios

tão rígidos. Em suas falas, mostra sua luta interna em conseguir seguir as imposições, tendo em vista a abdicação do seu verdadeiro eu, o eu-carne, para transformar-se num ideal divino.

(...) “É uma luta pra ser evangélico, não é fácil. Por que, você tem que fugir de toda aparência do mal. Por que ser evangélico é fazer a vontade de Deus, obedecer a Deus em tudo, né?” (...)

(...) “não é fácil, por que a carne cobiça. Se eu vacilar, eu faço a vontade da carne. Então, eu tenho que modificar a carne, pra fazer a vontade do Espírito. Por que os dois lutam constantemente” (...)

A significação do incesto

a) O incesto como namoro

Quando fala sobre o motivo da prisão, refere-se ao namoro com uma menina de doze anos, sem explicar tratar-se de sua enteada. Em seu discurso, nota-se que para Pedro, havia um relacionamento concreto, demonstrando talvez uma tentativa de satisfazer suas necessidades emocionais, além das sexuais.

(...) “Eu me enrolei com uma mocinha lá e era de menor. Tinha doze anos de idade. E eu fui condenado por causa disso, pelo meu erro. Foi só um namoro mesmo. Um reboliço. De minha parte, uma sem- vergonhice, né? Mas não tive relação sexual, só pega, pega” (...)

Posteriormente, explica que se tratava de sua enteada e relata os fatos incestuosos, mas não havia em Pedro a consciência de estar fazendo algo censurável, alegando ainda a não consumação de relação sexual. Com essa postura, procura amenizar a responsabilidade pelo ato, alegando inocência devido a sua ingenuidade, parecendo ser um fato comum quase que como: por ter a mulher, pode ter a filha.

(...) “Era praticamente da família minha, porque ela filha dessa mulher minha. Tava como padrasto dentro de casa” (...)

(...) “Aí eu ali, dormindo, comecei a passar a mão nela, pensando que tava com a minha esposa. Ela apaixonou e foi aí que aconteceu, né? Era só pega, pega-pega. Eu cometi, mas não cheguei nem a estuprar a

garota, não tive nem relações nem nada. Pessoas que estupram uma aqui outra ali, pegam a mesma cadeia que eu peguei. Eu não sei como ele (o juiz) teve essa intenção de judiar tanto de mim” (...)

Há a negação da coerção violenta para a prática das atividades incestuosas, fazendo compreender que para Pedro, o desejo pelas atividades sexuais, também se confirmava no comportamento da enteada. Esta manifestação é uma das formas encontradas para atestar a isenção de sua responsabilidade absoluta pela ocorrência dos atos.

(...) “Não houve essas coisas de violência, porque ela consentiu, ela queria. Até que numa dessa, eu tinha acabado de matar um bode. Então

Documentos relacionados