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CASO 4: reengenharia de um componente de uma máquina de destruir papel

CAPÍTULO 2. MATERIAIS PLÁSTICOS, PROCESSAMENTO E MOLDES

2.3. CASOS DE ESTUDO

2.3.4. CASO 4: reengenharia de um componente de uma máquina de destruir papel

Este trabalho reporta um estudo de reengenharia de um componente duma máquina de destruir papel, tendo como ponto de partida uma roda dentada danificada que integrava o sistema de accionamento. Foi necessário recorrer às técnicas de engenharia inversa, ao projecto assistido por computador e às técnicas de prototipagem rápida de forma a realizar o cálculo e a validação eficaz do novo componente desenvolvido. Depois de fabricar e montar a nova roda no equipamento, a realização de testes permitiu verificar que esta cumpre eficazmente a sua função.

i) INTRODUÇÃO

O processo de manutenção consiste no conjunto de acções que permitam manter ou restabelecer um bem dentro de um estado específico ou em condições para assegurar um serviço determinado com base na Norme AFNOR NF X60 010 (1994). No caso de se trate de equipamentos novos ou recentes, torna-se geralmente simples proceder à substituição de um dado componente danificado, bastando para tal identificar o seu número de série e solicitar ao fornecedor a sua disponibilização. Porém, em equipamentos mais antigos, sempre que o fornecedor decidir tirar um dado modelo do fabrico, ou mesmo se este fornecedor tiver deixado de existir, torna-se muito difícil garantir a reposição de componentes. A sua falta pode comprometer irreversivelmente a utilização de um equipamento complexo ou oneroso, mostrando-se as técnicas de reengenharia bastante adequadas para a solução deste tipo de problemas. Assim, os processos de prototipagem e de fabrico rápidos podem permitir materializar ou replicar com bastante celeridade e eficiência componentes funcionais, existindo para o efeito tecnologias (Pham et al (2001), Hilton et al (2000), Kai et al (1997)) disponíveis no mercado. Este trabalho teve como principal objectivo a aplicação de um conjunto de técnicas na recuperação de um componente danificado de uma máquina de triturar papel. Uma vez localizado o problema, e considerando que não existiam componentes disponíveis para substituição, procurou-se fazer um estudo de reengenharia do componente danificado de modo a evitar a ocorrência de novo dano. De forma a garantir as condições de operação do equipamento com o novo componente, procedeu-se a uma análise de elementos finitos determinando as tensões máximas nos seus pontos críticos. Depois de seleccionado o material mais adequado ao fabrico dos protótipos, recorreu-se ao processo de Reaction Injection Moulding (RIM), por este permitir a injecção a baixa pressão com bastante rapidez em moldes em elastómero de silicone. Uma vez obtidos os componentes novos, passou-se à sua montagem no equipamento e à realização dos testes em serviço. O recurso a aplicação deste conjunto de técnicas mostrou-se bastante expedito, permitindo o funcionamento correcto do equipamento nas condições de serviço usuais.

ii) Fabrico de roda dentada: materiais, procedimentos experimentais e numéricos

O equipamento de triturar papel em estudo é fabricado pela empresa Schleicher & Co. International AG, modelo TAROS 20.10 (Figura 2.18.a)). Este permite a destruição de documentos em papel com uma largura máxima A4, cortando-os em tiras uniformes com 4 mm segundo a classe de segurança 2 (Norma DIN 32757), permitindo que seja praticamente impossível uma recuperação dos documentos destruídos pela justaposição das tiras cortadas. Este equipamento é actuado por um motor com uma potência nominal de 0,27 kW que roda com uma frequência rotacional nominal de 2890 r/min e que acciona uma transmissão por correia dentada em série com uma transmissão por engrenagem, conforme ilustrado na Figura 1.a. A correia dentada liga um pinhão com Z1=13 dentes, acoplado ao veio-motor, a uma roda com Z2=71 dentes. A transmissão por engrenagem é constituída por um pinhão com Z3=17 dentes que engrena com uma roda com Z4=90 dentes. Esta última roda encontra-se ligada ao sistema de trituração de papel. A relação de transmissão total é pois de 19,3 (=5,46×3,53). Todas as rodas dentadas são de materiais poliméricos distintos não identificados. A última roda (Z4=90 dentes) encontrava-se danificada, tendo sofrido a perda de 2 dentes numa zona e 1 dente noutras duas (Figura 2.18.b)), sendo este o componente sob estudo no presente trabalho. Os dentes terão partido devido a uma sobrecarga de serviço ao qual poderá ter estado associado um dano por fadiga. A roda dentada tem um diâmetro primitivo de 112,5 mm e uma largura de 9,5 mm na zona dos dentes. A velocidade de rotação da roda em condições nominais é de 100 r/min, a que corresponde um binário máximo de 25,8 N.m. Assim, a força segundo a normal aos dentes da engrenagem em contacto é de 487,9 N.

Figura 2.18 a) Fotografia da estrutura mecânica da máquina de destruir papel; b) Fotografia da roda dentada danificada; c) Fotografia dos dentes envoltos em parafina; d) Digitalização da geometria do dente num scanner 2-D.

Com vista ao levantamento da geometria do raio de curvatura da raiz dos dentes, recorreu-se às técnicas de engenharia inversa. A roda danificada foi envolvida com parafina, envolvendo um conjunto de 10 dentes, conforme ilustrado na Figura 2.18.c), permitindo assim copiar a forma negativa da sua geometria. Depois de desmoldado e seccionado, procedeu-se à digitalização num scanner bidimensional da geometria moldante (Figura 2.18.d)). Por fim, com recurso ao software AutoCAD 2002, definiu-se com rigor a geometria da raiz dos dentes da engrenagem. Este procedimento foi validado posteriormente com recurso a um perfilómetro da marca Mitutoyo, modelo PJ-3000.

Definida a geometria da roda, dois tipos de soluções poderiam ser encontradas: uma primeira que passaria pela redefinição da geometria dos dentes com vista à redução das tensões na sua raiz, ou então, uma segunda que visava o estudo de um material alternativo que permitisse um aumento da sua resistência. Visto que a primeira solução implicaria também o fabrico da roda antagonista, encarecendo assim a solução final, optou-se por levar a cabo um estudo de um material alternativo para a roda danificada, de modo a garantir as futuras condições de funcionamento.

A análise numérica levada a cabo teve como principal objectivo a determinação da concentração de tensões no pé dos dentes de uma roda em material polimérico termoendurecível. A tensão principal máxima obtida foi comparada com a tensão de rotura do material com o objectivo de avaliar o risco de ocorrência de ruína. A Figura 2.19.a) apresenta a geometria da roda dentada conforme desenhada no programa de elementos finitos. Na Figura 2.19.b) mostra-se um detalhe onde se pode ver a geometria do perfil do dente. Na sua definição considerou-se um perfil em evolvente, que foi desenvolvido tendo em conta os seguintes parâmetros fundamentais para a roda dentada: Z=90 dentes, m=1,25 mm (módulo), α=20º (ângulo de pressão). Os dentes têm uma largura de 9,5 mm, conforme referido previamente. O perfil no pé do cordão foi definido a partir de medições obtidas por digitalização do molde do dente e validadas por perfilometria. Neste estudo, foi só analisada meia roda dentada, utilizando condições de simetria adequadas com vista à redução do esforço numérico envolvido. Considerou-se que o material da roda é contínuo, homogéneo, isotrópico e com comportamento linear elástico. As propriedades consideradas para o material seleccionado, um polímero termoendurecível (Isocianato Poliol) foram E=1 GPa, ν= 0,36 e σR=30 MPa (tensão de rotura). A roda foi encastrada na periferia do furo central e solicitada por uma força normal e uma força de atrito, tal como ilustra a Figura 2.19.b). A força normal (FN) tem a direcção da linha de acção da engrenagem, e com o motor a funcionar em condições nominais toma o valor de 487,9 N. A força de atrito foi obtida a partir da força normal considerando um coeficiente de atrito de 0,25.

iii) RESULTADOS NUMÉRICOS E EXPERIMENTAIS

Nas Figuras 2.18.a) e b) podem observar-se as malhas de elementos finitos consideradas. Foram Utilizados elementos isoparamétricos de 20 nós com integração completa (3x3x3 pontos de integração). O número total de elementos e de nós foi de 7400 e 41938, respectivamente. Este modelo foi analisado pelo método dos elementos finitos utilizando o programa MARC-MENTAT 2000. A malha foi refinada junto do pé do cordão, onde a variação de tensão é mais importante (Henriot (1979)).

Figura 2.19 a) Geometria da roda dentada no programa de elementos finitos; b) Perfil do dente; c) Campo de tensões principais na raíz do dente; d) Variação das tensões ao longo da espessura do dente.

Na Figura 2.19.c) pode observar-se o campo de tensão principal máxima, podendo notar-se que esta é máxima no pé do dente, como seria de esperar. Na Figura 2.19.d) pode observar-se a variação desta tensão no pé do dente, ao longo da espessura da roda (z=0 corresponde ao meio da roda). Como se pode ver, a tensão principal máxima decresce significativamente junto das faces da roda, o que se explica pelo facto de aí haver menos constrangimento à deformação. As tensões são claramente superiores à tensão de rotura do material (30 MPa), pelo que se forem atingidas as condições nominais do motor é de esperar que ocorra a ruína do material (assumindo o critério da tensão principal máxima como critério de falha). Assim, a roda em material polimérico funciona como um fusível mecânico, isto é, a ocorrência de uma sobrecarga provoca a rotura dos dentes. É pois necessário ter um método de fabrico rápido que permita fazer a substituição da roda em tempo útil.

Analizado o comportamento mecânico da roda dentada em Isocianato Poliol, procedeu-se à sua materialização. Como existia o modelo digital do dente da engrenagem poder-se-ia obter a roda dentada por um processo de fresagem. No entanto, e visto tratar-se de uma roda num material termoendurecível, optou-se por recorrer ao fabrico de um molde de forma a obter os protótipos da nova roda por injecção de material termoendurecível. FN Fa 0 20 40 60 80 100 120 140 -5 -3 -1 1 3 z [mm] te n são p ri n ci p al 1 [ M P a] z a) d) c) b)

Figura 2.20 a) Roda dentada original com dentes recuperados; b) Câmara de mistura; c) Câmara de vazamento; d) Molde em elastómero de silicone; e) Injecção do molde por RIM; f) Modelo protótipo da roda.

Com vista à obtenção do molde em silicone para o fabrico da nova roda usando como modelo a roda danificada. O processo teve como inicio a reconstrução dos dentes danificados com recurso a uma resina e um pequeno molde com a forma dos dentes, permitindo assim a replicação da sua forma original (Figura 2.20.a)). Depois de recuperada a geometria completa da roda original, construiu-se uma caixa de moldação para posicionar a roda modelo. Em seguida foram definidas a linha de junta, o sistema de alimentação, o sistema de saída de ar e o sistema de apoio da roda-modelo. Uma vez concluída a preparação da caixa de moldação passou-se à preparação do elastómero de silicone com a mistura do silicone e do catalizador durante 10 min numa câmara de vácuo (Figura 2.20.b)). Depois da operação de mistura e da operação de vazamento do silicone na caixa de moldação seguiu-se a operação de cura durante 6 horas numa câmara de vácuo (Figura 2.20.c)). O molde em silicone resultante foi então aberto com recurso ao corte por bisturi pela sua superfície de apartação, permitindo assim a desmoldação da roda-modelo original (Figura 2.20.d)).

Após as diversas operações de obtenção do molde em silicone, procedeu-se ao seu enchimento por um processo de injecção RIM em condições de temperatura e pressão ambientes (Figura 2.20.e)). A nova roda obtida por injecção, assim como o molde em silicone que lhe definiu a geometria encontram- se ilustrados na Figura 2.20.f).

Figura 2.21 a). Fotografia do equipamento com a nova roda montada; b) Teste do equipamento em serviço. a) a) b) a) f) c) b) d) e)

Após a obtenção da nova roda, passou-se à fase de montagem no equipamento, bem como à realização dos testes em serviço necessários à validação da solução encontrada. Na Figura 2.21.a) pode ver-se o equipamento com a nova roda montada, enquanto na Figura 2.21.b) se mostra uma imagem dos testes em serviço realizados com a máquina de destruir papel. A nova roda mostrou-se bastante adequada ao serviço, pelo que não é de esperar que ocorra ruína para as condições de serviço usuais a que está sujeita.

iv) CONCLUSÕES

A combinação das técnicas de engenharia inversa, de projecto assistido por computador e de prototipagem rápida mostrou-se bastante adequada à recuperação do componente danificado, bem como à definição das condições máximas de serviço para o componente em estudo. A análise numérica permitiu verificar que a nova roda dentada pode funcionar como um fusível mecânico, podendo ocorrer rotura quando sujeita uma sobrecarga elevada, protegendo deste modo os outros componentes mecânicos. O procedimento aqui desenvolvido permite a sua substituição de modo expedito. No seguimento deste trabalho pode optimizar-se a roda dentada substituindo o material por outro mais resistente e alterando a geometria no pé do cordão. Desta forma, sempre que seja necessário recuperar um componente deste tipo, sem que existam peças de substituição, ou este se mostre subdimensionado para o seu serviço, a combinação destas três técnicas permite a obtenção da solução adequada de uma forma expedita e eficiente.