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2 A PRISÃO PREVENTIVA E OS CRITÉRIOS PARA A VERIFICAÇÃO DA

2.4 OS CRITÉRIOS PARA VERIFICAÇÃO DA DILAÇÃO INDEVIDA DA PRISÃO

2.4.1 Caso de Wemhoff v Alemanha (TEDH)

Inicialmente, cumpre destacar o caso do Tribunal Europeu de Direitos Humanos (TEDH), o mais importante deles, por ser o caso no qual se deu o primeiro passo em direção à identificação dos de critérios para valorar a duração indevida da prisão preventiva, que foi o caso Wemhoff, sentenciado em 27 de junho de 1968. (Lopes Junior, 2013).

A discussão do caso gravitou sobre a excessiva duração da prisão preventiva, e, por serem assuntos conexos, discutiu-se também sobre a duração do processo criminal. (Pastor, 2002).

O alemão Wemhoff foi investigado em seu país em razão de uma grande fraude bancária que alcançou consequências internacionais. Foram vários os crimes a ele imputados, tais como fraudes, abusos de confiança dentre outros crimes do mesmo gênero. A investigação perdurou por mais de dois anos, resultando no exame de 159 (cento e cinquenta e nove) contas bancárias de instituições alemãs e suíças. Dezenas de testemunhas foram inquiridas, os laudos técnicos ocuparam mais de 1.500 (mil e quinhentas) páginas e, no momento da acusação, os autos compreendiam 45 (quarenta e cinco) volumes com aproximadamente 10.000 (dez mil) páginas. (Pastor, 2002).

Em 09 de novembro de 1961 Wemhoff foi preso e sua condenação ocorreu no dia 07 de abril de 1965. No dia 12 de dezembro de 1965 foi denegado o recurso apresentado pela defesa contra a sentença. Portanto, até a condenação em primeira instância, Wemhoff havia cumprido três anos e cinco meses de prisão. (Pastor, 2002).

Em razão disso, o caso foi levado ao Tribunal Europeu de Direitos Humanos (TEDH) por violação do prazo razoável com a seguinte questão: “Qual era o alcance da expressão ‘razoável’?” Assim, frente às dificuldades encontradas para definir o termo, em

razão de ser um órgão internacional, a Comissão adotou a doutrina dos “sete critérios”, capazes de responder se o prazo seria ou não razoável. Destaque-se que, com variações, os sete critérios foram aplicados tanto na verificação da prisão cautelar, quanto na razoabilidade da duração de todo o procedimento. (Pastor, 2002).

Lopes Junior (2013, p. 196) leciona que, segundo a Comissão, os sete critérios para verificar a razoabilidade da duração da prisão cautelar e do processo são:

a) a duração da prisão cautelar;

b) a duração da prisão cautelar em relação à natureza do delito, à pena fixada e à provável pena a ser aplicada em caso de condenação;

c) os efeitos pessoais que o imputado sofreu, tanto de ordem material como oral ou outros;

d) a influência da conduta do imputado em relação à demora do processo;

e) as dificuldades para a investigação do caso (complexidade dos fatos, quantidade de testemunhas e réus, dificuldades probatórias etc.);

f) a maneira como a investigação foi conduzida; g) a conduta das autoridades judiciais.

Os critérios deveriam ser apreciados de forma conjunta, tendo cada um deles valor e importância relativos, admitindo-se que apenas um deles pudesse ser tomado como decisivo na aferição do excesso de prazo. (Lopes Junior, 2013).

No entanto, Pastor (2002) alerta para o fato de que a Comissão não atribuiu o valor que cada um desses critérios teria, não definiu a forma como deveriam ser combinados e nem sequer considerou que estes poderiam ser os únicos pontos de vista a considerar para determinar quando a duração da detenção era razoável ou não.

Embora os sete critérios permitam uma interpretação coerente e impeçam a aparência de arbitrariedade, a conclusão do caso particularmente deve resultar de uma avaliação geral dos elementos. Note-se que o exame de alguns dos critérios pode levar a um raciocínio sobre a duração da prisão, mas o exame de outros permite levar a uma opinião divergente. A conclusão decisiva e definitiva dependerá do valor e da importância relativa dos critérios, portanto, da subjetividade interpretativa do juiz, que não excluirá a possibilidade de apenas um deles ter uma importância decisiva. (Pastor, 2002).

No que se refere à decisão do caso Wemhoff, a Comissão considerou que os critérios (a), (b) e (c) indicavam suficientemente que, naquele caso, a prisão preventiva sofrida por Wemhoff havia violado o artigo 5.3 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH). Decidiu-se, também, que nem o réu nem as autoridades haviam contribuído com a

dilação do procedimento (critérios (d), (f) e (g)). A Comissão concluiu ainda que a complexidade do caso havia contribuído com a demora do processo (critério (e)). (Pastor, 2002).

Quanto à infração ao artigo 6.1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH), concernente ao direito do acusado de que o processo tenha um prazo de duração razoável, a Comissão entendeu que, apesar da interpretação dessa regra ser parecida com a interpretação do artigo 5.3, a qualidade de razoável da prisão preventiva pode ser distinta da duração do processo. Entendeu a Comissão que no caso Wemhoff a duração da prisão preventiva havia sido exageradamente extensa, porém, a duração do processo foi razoável, dada a sua complexidade. (Pastor, 2002).

Quanto às argumentações do governo alemão, destaca-se a alegação de que a doutrina dos sete critérios não se prestaria a resolver, de forma absoluta, o problema interpretativo criado em torno da definição de prazo razoável. Argumentou-se que a doutrina dos sete critérios apenas escondia uma impotência para se alcançar essa determinação e que o método não permite estabelecer com objetividade se a duração da prisão cautelar foi razoável ou não, conforme o artigo 5.3 da CEDH, nem fixar a linha que divide o tempo razoável daquele que não o é. (Pastor, 2002).

Apesar de toda a argumentação da Comissão o Tribunal Europeu de Direitos Humanos (TEDH) não compartilhou dessa alegação e afastou a tese dos sete critérios. Esclarece Pastor (2002) que no julgamento da Corte, tal doutrina serve apenas de uma "medida de disciplina intelectual" para a avaliação das circunstâncias, de uma variedade extrema, capaz de ser levada em conta na avaliação da razoabilidade do prazo ou não.

Assim, o Tribunal decidiu que a prisão de Wemhoff havia se mantido dentro do razoável, considerando-se a complexidade da causa, a presteza das autoridades durante a investigação e o fato de que Wemhoff não havia demonstrado categoricamente sua decisão de prestar garantias monetárias em caso de encarceramento. Portanto, não houve violação do artigo 5.3 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH). (Pastor, 2002).

No que se refere ao prazo de duração do processo, o Tribunal entendeu que, ante a diligência com que as autoridades abordaram o assunto, a duração do processo e a complexidade da causa, o prazo de duração do processo havia sido razoável, ou seja, não havia ferido o artigo 6.1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH). (Pastor, 2002).

Com base nessas observações do TEDH, Lopes Junior e Badaró (2009, p. 40) esclarecem que a doutrina dos sete critérios não foi expressamente acolhida pelo Tribunal

Europeu de Direitos Humanos (TEDH) como referencial decisivo, porém, não foi completamente rejeitada, tendo sido utilizada posteriormente pela Comissão em diversos casos, denominando-se por teoria dos três critérios, que levaria em conta:

a) complexidade do caso;

b) a atividade processual do interessado (imputado); c) a conduta das autoridades judiciárias.

Lopes Junior (2013, p. 197) esclarece que: “esses três critérios têm sido sistematicamente invocados, tanto pelo TEDH, como também pela Corte Americana de Direitos Humanos. Ainda que mais delimitados, não são menos discricionários.”

Tem-se, portanto, que o caso Wemhoff demonstrou que a Comissão deliberou que a prisão havia ultrapassado seu limite razoável de duração, no entanto, sem fundamentos jurídicos racionais, enquanto que o Tribunal, por sua vez, sentenciou que tal limite não havia sido violado, também sem fundamentação. (Pastor, 2002).

Para Pastor (2002), o caso Wemhoff demonstra não apenas as sérias dificuldades interpretativas da expressão "prazo razoável", mas, antes de tudo, demonstra o enorme campo da abertura que ele proporciona, pois, para o mesmo caso, a Comissão Europeia e a Corte descobriram, com a mesma arbitrariedade, diferentes interpretações e consequências.

É diante desse impasse de arbitrariedades que Lopes Junior (2013) defende que o ideal seria a clara fixação da duração máxima do processo e da prisão cautelar, impondo-se uma sanção processual em caso de descumprimento, podendo ser a extinção do processo ou a liberdade automática do imputado. No entanto, para que se possa falar em dilação “indevida”, é necessário que o ordenamento jurídico interno defina limites ordinários para os processos e para a prisão preventiva, portanto, um referencial claro do que seja a “dilação devida”.

Assim, é na indefinição da referida “dilação devida” que residem as arbitrariedades no julgamento do que vem a ser o prazo razoável de duração do processo ou da prisão preventiva. Não se desconsidera, no entanto, as peculiaridades de cada caso e suas implicações na duração dos processos ou no prolongamento da prisão, mas a inexistência de um prazo limite, de normatização, permite tal subjetividade judicial. (Andreucci; Louback, 2019).

Nucci (2010, p. 333), no entanto, discorda da necessidade e da possibilidade de se fixar um prazo, no que se refere à duração razoável do processo:

Note-se o binômio da economia processual: razoável duração do processo + celeridade de tramitação. Não se fixou um fator temporal rígido, mencionando-se apenas o critério do razoável. Sem dúvida tratou-se da

melhor opção, pois somente cada caso concreto poderá permitir ao Judiciário avaliar o grau de razoabilidade ínsito no trâmite do feito.

Por outro lado, diante de um Poder Judiciário cuja capacidade de julgamento não se mostra capaz de reduzir o acervo de processos, o que influencia diretamente na sua morosidade, não parece ser a melhor opção aquela que permite que a razoabilidade da duração da prisão preventiva possa ser decidida pelo julgador no caso concreto. Pois, assim, autoriza- se que questões relacionadas à própria morosidade, tais como a quantidade excessiva de processos ou a falta de serventuários da justiça, por exemplo, possam ser consideradas e utilizadas pelo julgador no momento de decidir se a duração da prisão é razoável ou não, fazendo com que o imputado suporte encargos aos quais não deu causa.

Assim, diante do fato de que o direito à duração razoável do processo é um direito fundamental elencado na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, cabe ao legislador, refletir acerca do que seria razoável e determinar um limite máximo de duração da prisão preventiva, instituindo sanções processuais caso o motivo determinante para a prisão preventiva não deixe de existir.

No entanto, embora pareça a melhor opção, a fixação de prazo máximo para a duração do processo ou da prisão cautelar não foi a opção do legislador brasileiro.

Assim, Lopes Junior (2013, p. 197) destaca que cabe: “[...] a análise da demora processual ser feita à luz dos critérios anteriormente analisados e acrescido do princípio da razoabilidade.”

Ressalte-se que esta pesquisa não tem a pretensão de enfrentar a distinção discutida na doutrina acerca do princípio da razoabilidade e da proporcionalidade, mas oportuna é a descrição de Nucci (2010, p. 333) acerca da razoabilidade:

A razoabilidade condutora do tempo máximo para o trâmite do processo, dentro dos parâmetros garantistas constitucionais, cinge-se à prudência, à sensatez, à moderação, enfim, a critérios subjetivos do Judiciário para avaliar o caso concreto, dentro de suas particularidades.

Nas palavras de Lopes Junior (2013, p. 198) acerca do princípio da razoabilidade ou proporcionalidade: “[...] por sua abertura conceitual deve, no processo penal, estar necessariamente conectado ao princípio da dignidade da pessoa humana [...]”.

Ademais, a Emenda Constitucional nº 45, de 30 de dezembro de 2004, que alterou a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, por motivos já expostos, não definiu prazo de duração do processo ou da prisão preventiva. O art. 5º, LXXVIII, da Constituição

Federal, introduzido pela referida Emenda, adotou a “doutrina do não prazo”, instituindo uma indefinição de critérios e conceitos.