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Casos que reúnem as hipóteses de imparcialidade do júri, ordem pública e

3.2 ANÁLISE DOS CRITÉRIOS ADOTADOS PELO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE

3.2.1 Casos que reúnem as hipóteses de imparcialidade do júri, ordem pública e

sociais

O primeiro caso que reúne as três hipóteses de desaforamento ocorreu em 2016382 e consiste em um pedido defensivo negado pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina. O fundamento levantado pela defesa, em síntese, foi da grande comoção social gerada na pequena comunidade de Imaruí, tendo em vista que o crime de homicídio foi realizado nas festividades de ano novo e que o pai da vítima seria conhecido em toda a região, assim, o desaforamento do caso seria uma forma de garantir a ordem pública, além da própria segurança do acusado.

Os argumentos aventados pelo relator, a fim de indeferir o requerimento da defesa , foram de ausência de conteúdo probatório do que teria sido alegado, relatando de maneira geral que “[...] não houve comprovação de que o julgamento do crime contra a vida provocará intranquilidade na sociedade local, risco à segurança do acusado, tampouco se demonstrou a fundada suspeita acerca da imparcialidade dos jurados383”. Nesse sentido, o relator aponta que a simples menção em relação aos jurados puderem vir a agir com parcialidade, por ser uma comarca com população reduzida e também em razão do cancelamento das festividades do carnaval em razão do crime, não seriam suficientes, ainda, para legitimar o pedido de desaforamento384. Em verdade, não houve grande individualização entre as hipóteses legais na decisão.

Ademais, para corroborar a ausência de fatores que levassem ao desaforamento, foi pontuado que os fatos teriam ocorrido há mais de um ano, não havendo motivos razoáveis para

382 SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça. Desaforamento de Julgamento n. 4000912-27.2016.8.24.0000.

Relator: Desembargador Leopoldo Augusto Brüggemann. Florianópolis, 28 de junho de 2016. Diário de Justiça eletrônico, Florianópolis, 2016

383 Ibid., p. 5 384 Ibid., p. 5

crer que tal clamor social ainda permanecesse. Descrição corroborada pela magistrada do caso originário em suas informações, oportunidade na qual o relator arguiu a relevância da opinião do magistrado singular da causa385. Sendo assim, o pedido restou indeferido por unanimidade.

O segundo, e último, caso que tem em seu escopo a justificação pelas três hipóteses legais reunidas – imparcialidade do júri, ordem pública e segurança do réu - aconteceu recentemente. Originário da comarca de Garopaba386 e foi deferido pelo TJSC, deslocando a competência do julgamento para a comarca da Capital. O requerimento de desaforamento foi realizado pela defesa, diante do crime de homicídio qualificado por motivo fútil, no qual aduziu dúvidas quanto a imparcialidade do conselho de sentença, o interesse de ordem pública, o receio sobre a segurança pessoal do réu, além de dúvidas sobre a imparcialidade da atuação do Ministério Público387. As bases do pedido se deram em razão da grande pressão que os familiares da vítima e a mídia estariam exercendo sobre a pequena comarca de Garopaba, havendo certa possibilidade de contaminação dos futuros jurados388.

Diante desse cenário, observando a ordem pública, a defesa justificou que “a manutenção do julgamento na comarca de Garopaba seria temerário, frente a grande repercussão e comoção social que o delito trouxe à localidade, requerendo o desaforamento do julgamento para a Comarca da Capital389”.

Os fundamentos para o deferimento do pedido defensivo se deram, em suma, diante da grande comoção social gerada pelo caso na cidade, acabando por preencher as três hipóteses legais. Apenas negou-se a alegação de atuação imparcial do Ministério público, diante da ausência de respaldo legal e fático para sustentar uma suposta perseguição em razão do órgão ter realizado duas demandas contra o genitor do réu.

Quanto ao interesse de ordem pública, o relator descreve a comoção da população diante do crime de homicídio:

[...] quando da audiência instrutória (fls. 377-378), o jornal local Mais Garopaba (publicação no Facebook), noticiou que ‘duas a três dezenas de

385 Ibid., p. 6

386 SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça. Desaforamento de Julgamento n. 4005959-11.2018.8.24.0000.

Relator: Desembargador Luiz Neri Oliveira de Souza. Florianópolis, 10 de maio de 2018. Diário de Justiça eletrônico, Florianópolis, 2018

387 O relatório não apresenta em sua completude os argumentos levantados para apontar essa dúvida quanto

“imparcialidade do Ministério Público”. A fim de refutar a argumentação, o relator, ao final, explica não haver quaisquer questionamentos em relação a atuação do órgão, deixando transparecer que a alegação defensiva seria no sentido de suposta perseguição em relação ao acusado, finalizando com “inviável o conhecimento de suspeitas acerca da imparcialidade do membro do Ministério Público”.

388 Ibid., p. 2 389 Ibid., p. 3

familiares da vítima acompanharam a condução do réu por agentes penitenciários de Imbituba na frente do Fórum de Garopaba. Policiais militares do Pelotão de Patrulhamento Tático (PPT) fizeram a segurança externa’ (fls. 14). E ainda, ‘O crime comoveu a cidade e mobilizou familiares e amigos de Alisson, que realizaram pelo menos duas manifestações com cerca de 500 participantes, pedindo a prisão e depois para evitar que Jefferson respondesse ao processo em liberdade. Existe o temor de que a Justiça beneficie o jovem, filho de um ex-vereador da cidade390’.

Conforme a referida descrição, para o relator tal movimentação na cidade justificaria o interesse de ordem pública no desaforamento, tendo em vista que as possíveis manifestações e protestos trariam ao ambiente de julgamento conturbações na apreciação do caso391.

Em relação ao preenchimento da hipótese que versa sobre a imparcialidade do júri ao corroborar que a cidade é pequena, todos acabam se conhecendo e tal influência, por certo, atingiria o conselho de sentença, havendo praticamente um “pré-julgamento” da causa “advindos dos amigos, familiares e até mesmo dos posts em redes sociais a favor da condenação do acusado, retirando a imparcialidade dos veredictos392”. Sendo assim, o tamanho da comarca foi fator utilizado para o deferimento nesse caso e ignorado no caso anterior.

Já a argumentação apresentada pelo relator para a questão da “ameaça à segurança do réu” relaciona-se a mensagens postadas no facebook, as quais demonstram revolta, indignação, busca por vingança e desejo de “fazer justiça com as próprias mãos" dos indivíduos da região, em razão da grande repercussão do caso. Cabe mencionar algumas delas: "o querido paizinho dele é um ex vereador, dono da arma e que fugiu com o filho! (...) a polícia não faz nada pq (sic) eles não valem nada o certo era procurar ele e fazer o mesmo matar ele (...)393

Em face desse cenário, os desembargadores, de maneira unânime, concordaram com o relator que determinou o desaforamento para a Capital, tendo em vista as provas colacionadas que demonstraram risco à integridade física do réu, tendo em vista o clima de vingança presente no local do crime. Do mesmo modo, a dúvida quanto à imparcialidade do júri, justificou-se em razão da maioria moradores da localidade sofrerem influências pela grande repercussão no Município, comoção e manifestações clamando por justiça; mesmo cenário que condiz com o interesse da ordem pública na segurança dos julgadores para apreciar o caso394.

390 Ibid., p. 7

391 SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça. Desaforamento de Julgamento n. 4005959-11.2018.8.24.0000.

Relator: Desembargador Luiz Neri Oliveira de Souza. Florianópolis, 10 de maio de 2018. Diário de Justiça eletrônico, Florianópolis, 2018, fl. 8

392 Ibid., p. 8 393 Ibid., p. 9 394 Ibid., p. 12

Da análise dos dois julgados, verifica-se que o rigor teórico em relação às hipóteses de desaforamento aparece quando o pedido tende a ser deferido. Já para nega-lo surge um padrão de utilização dos argumentos genéricos como: ausência de provas, meras suposições sobre as dúvidas quanto imparcialidade do júri, além de descaracterização de determinados fatos para “natural comoção” gerada pelo crime, não havendo um rigor conceitual sobre o que, de fato, seria “interesse de ordem pública” ou “dúvida sobre a imparcialidade do acusado”, tampouco o que seria suficiente para determinar o desaforamento em relação à “segurança pessoal do acusado”.

3.2.2 Casos que unem a dúvida quanto a imparcialidade do júri e interesse da ordem