• Nenhum resultado encontrado

Indeferimento: a inexistência de dúvidas sobre a imparcialidade do júri como fator

3.2 ANÁLISE DOS CRITÉRIOS ADOTADOS PELO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE

3.2.3 Casos que mencionam apenas a hipótese legal de “dúvida sobre a imparcialidade

3.2.3.2 Indeferimento: a inexistência de dúvidas sobre a imparcialidade do júri como fator

Apresentando o outro lado do preenchimento da hipótese legal de dúvida quanto a imparcialidade do conselho de sentença, isto é, em relação aos pedidos indeferidos pelo Tribunal, o primeiro caso tem origem na comarca de Seara, com seu desaforamento para Chapecó negado481. O pedido formulado pela defesa dos réus apontou a veiculação midiática como depreciativa ao acusado, ventilando notícias hábeis a influenciar negativamente os futuros jurados da pequena comarca482. Ademais, citou “inúmeros equívocos de avaliação e excesso por parte dos agentes estatais (Delegado de Polícia, Ministério Público e Juiz de Direito)483”, fatos esses suspostamente reproduzidos pela mídia local.

Os argumentos descritos no acórdão de 2016, em suma, tratam da análise das notícias veiculadas na mídia local, além da ideia de que a comoção social é inerente aos crimes de competência do Tribunal do Júri. Ademais, alega a inexistência de abuso na atuação das autoridades competentes pelo caso, bem como cita-se trechos do parecer do Procurador de Justiça.

478 Ibid., p. 4

479 Ibid., p. 5 480 Ibid., p. 5

481 SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça. Desaforamento de Julgamento n. 4000243-71.2016.8.24.0000.

Relator: Desembargador Paulo Roberto Sartorato. Florianópolis, 22 de março de 2016. Diário de Justiça eletrônico, Florianópolis, 2016

482 Ibid., p. 3 483 Ibid., p. 3

Inicialmente, o relator realiza um certo juízo de valor acerca das informações veiculadas na mídia local, apresentadas pela defesa, abordando que as notícias apenas trouxeram dados sobre o caso de homicídio em análise484. Nesse sentido, relata que “[...] a informação foi prestada, em todas as oportunidades, de maneira sutil e sem a utilização de expressões que choquem a população485”. Ainda, o relator complementa que a menção a "ato de selvageria e desrespeito ao próximo" e outros termos que pudessem gerar maior temor à comunidade apenas reproduziu os argumentos apontados pelo juízo de origem quando decretou a prisão preventiva dos acusados486.

Corroborando o fato de que as notícias não exacerbariam uma suposta normalidade, colaciona julgados do próprio Tribunal que apresentam a comoção social como fator inerente aos casos, assim, não preenchendo a hipótese de dúvida quanto a isenção do conselho de sentença487. Ainda, a fim de ratificar tal posicionamento, cita o parecer do Procurador de Justiça, o qual alega que os crimes se tornarem rumorosos e chamado a atenção da mídia local e da população da comunidade, por si só, não são suficientes para o deferimento do pedido de desaforamento488.

Nesse âmbito de discussão, relata o procurador ser “imprescindível que a comoção social gerada seja de tal forma intensa que o resultado provável seja único, seja em favor da defesa ou da acusação489”.

484 Ibid., p. 5

485 Ibid., p. 6 486 Ibid., p. 5

487 Destaca-se o precedente de 2010 do TJSC com a seguinte ementa: PEDIDO DE DESAFORAMENTO.

REQUERIMENTO FORMULADO PELOS ACUSADOS. ALEGADA DÚVIDA ACERCA DA IMPARCIALIDADE DOS JURADOS (...) ADEMAIS, COMOÇÃO PÚBLICA INERENTE AOS FATOS APURADOS. PLEITO INDEFERIDO. "O pedido de desaforamento, regulado pelo art. 427 do Código de Processo Penal, configura hipótese excepcional de deslocamento da competência, o qual somente será acolhido quando manifestamente demonstrado um dos seus requisitos. Desse modo, em não restando comprovadas as suspeitas quanto à imparcialidade dos jurados ou à segurança do réu, reputa-se improcedente o aludido pleito". SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça. Pedido de Desaforamento n. 2009.069985-9. Relatora: Desembargadora Salete Silva Sommariva. Florianópolis, 03 de março de 2010. Diário de Justiça eletrônico, Florianópolis, 2010.

488 SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça. Desaforamento de Julgamento n. 4000243-71.2016.8.24.0000.

Relator: Desembargador Paulo Roberto Sartorato. Florianópolis, 22 de março de 2016. Diário de Justiça eletrônico, Florianópolis, 2016, p. 8

489 SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça. Desaforamento de Julgamento n. 4000243-71.2016.8.24.0000.

Relator: Desembargador Paulo Roberto Sartorato. Florianópolis, 22 de março de 2016. Diário de Justiça eletrônico, Florianópolis, 2016, p. 8

Ao final do voto, apenas se registra a negativa aos alegados abusos na atuação das autoridades competentes, abordando que as conclusões por elas apresentadas foram decorrentes da consequência lógica de suas funções e não tiveram o condão de influenciar os jurados490.

O segundo caso é do ano de 2017, originário da comarca de Pinhalzinho e teve seu pedido de desaforamento para Capital negado491. A defesa embasou o requerimento em razão da grande comoção gerada pelo delito de homicídio, bem como na notoriedade do acusado e vítima na região, pois eram pastores da Igreja Evangélica Assembleia de Deus492. Ainda, alegou que a vítima atuava em trabalhos comunitários, conhecida por inúmeras pessoas na região de Pinhalzinho e Descanso, acrescentando o papel da mídia como desabonadora do acusado, o que certamente influenciaria o conselho de sentença493.

Novamente, o voto retrata a comoção social e veiculação na mídia como algo natural e inerente aos crimes vinculados ao Tribunal do Júri, não havendo o preenchimento da hipótese de desaforamento. Ratificando esse posicionamento, precedentes do Superior Tribunal de Justiça são citados no voto494. Nessa senda, os fundamentos defensivos em relação ao cometimento do crime, profissão dos envolvidos e o fato da vítima ter sido atuante na região são tratados como meras suposições, não sendo suficientes para ensejar a modificação da competência do caso495.

Por fim, destaca as informações apresentadas pelo Juiz do Tribunal do júri de Pinhalzinho, que nega a necessidade de aplicação do instituto tendo em vista, ainda, o lapso temporal de um ano do cometimento do delito.

Em relação ao terceiro pedido de desaforamento indeferido pelo TJSC, trata-se de requerimento realizado pela defesa descrevendo o temor da população do pequeno município de Urubici em relação ao réu, havendo dúvidas em relação a imparcialidade do júri a ser

490 Ibid., p. 9

491 SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça. Desaforamento de Julgamento n. 4025832-31.2017.8.24.0000.

Relator: Desembargador Rodrigo Collaço. Florianópolis, 1º de dezembro de 2017. Diário de Justiça eletrônico, Florianópolis, 2017

492 Ibid., p. 2 493 Ibid., p. 2

494 Nessa linha, o Superior Tribunal de Justiça tem decidido que, "dada a excepcionalidade da medida de

desaforamento, a eventual manifestação da comunidade local, num ou noutro sentido, consoante percepção do magistrado onde ocorrerá o Júri não é motivo suficiente para o deslocamento territorial do julgamento, até porque o conselho de sentença é formado por sorteio" (Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus 14.704/RS. Relator: Fernando Gonçalves. Brasília, 2001. Diário de Justiça eletrônico, Brasília, 13 mar. 2001)

495 SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça. Desaforamento de Julgamento n. 4025832-31.2017.8.24.0000.

Relator: Desembargador Rodrigo Collaço. Florianópolis, 1º de dezembro de 2017. Diário de Justiça eletrônico, Florianópolis, 2017, p. 7

formado496. O elemento probatório defensivo se refere ao depoimento de um agente da Polícia Militar que teria declarado, em juízo, o medo da comunidade local após a revelação do delito a ser julgado. Segundo esse depoimento, diversas pessoas teriam ligado para guarnição por conta “de qualquer barulho que ouviam em suas residências497” e, ainda, após a prisão do réu diversos membros da comunidade teriam agradecido, pois não saiam mais de suas casas por medo do acusado.

A descrição do voto nega qualquer possível temor em relação ao réu, tendo em vista que o crime de homicídio a ele imputado teve como vítima sua ex-companheira, quando soube que ela iniciou um novo relacionamento498. Sendo assim, não haveria o que se falar sobre medo da população, pois o fato criminoso não se deu de maneira aleatória499.

Ademais, reafirma a tese de que meras suposições sobre a atuação parcial dos jurados, em razão do temor de parte da população, não constitui causa legítima para aplicação do instituto de desaforamento500, corroborando o posicionamento com precedente do Superior Tribunal de Justiça501.

Do mesmo modo, pugna pela ausência de elementos probatórios que demonstrassem temor da população hábil a influenciar o julgamento pelo conselho de sentença502. Ao final, mais uma vez, o posicionamento do magistrado do Tribunal do Júri da causa é apresentado, indicando ter ocorrido certa repercussão na época dos fato, no entanto não extrapolado à “normalidade”, apenas ratificando os argumentos expostos ao longo do voto503.

496 SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça. Desaforamento de Julgamento n. 4016674-49.2017.8.24.0000.

Relatora: Desembargadora Cinthia Beatriz da S. Bittencourt Schaefer. Florianópolis, 28 de setembro de 2017. Diário de Justiça eletrônico, Florianópolis, 2017

497 Ibid., p. 3 498 Ibid., p. 4 499 Ibid., p. 4 500 Ibid., p. 4-5

501 Um dos precedentes colacionados na decisão: HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO.

DESAFORAMENTO. DÚVIDA QUANTO À PARCIALIDADE DOS JURADOS. NÃO OCORRÊNCIA. ORDEM NÃO CONHECIDA. (...) 2. A eventual repercussão que o delito tenha causado na localidade e a costumeira movimentação dos parentes da vítima constituem atitudes normais em crimes de grande gravidade - notadamente em casos como este, em que a vítima era um adolescente que, à época, tinha apenas 14 anos de idade -, de modo que não justificam, por si sós, o desaforamento do julgamento. 3. A simples presunção de que os jurados poderiam ter sido influenciados por ampla divulgação do caso pela mídia e a mera suspeita acerca da parcialidade dos jurados não justificam a adoção dessa medida excepcional. 4. Habeas corpus não conhecido (Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus 210.693/MS. Relator: Rogerio Schietti Cruz. Brasília, 2015. Diário de Justiça eletrônico, Brasília, 03 dez. 2015).

502 SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça. Desaforamento de Julgamento n. 4016674-49.2017.8.24.0000.

Relatora: Desembargadora Cinthia Beatriz da S. Bittencourt Schaefer. Florianópolis, 28 de setembro de 2017. Diário de Justiça eletrônico, Florianópolis, 2017, p. 6

O último caso a ser relatado foi recentemente decidido pelo TJSC e é originário da comarca de Brusque504. Em face do delito de homicídio, o pedido de desaforamento realizado pela defesa teve como fundamento a notoriedade do ofendido na região, bem como a grande repercussão na mídia local, consistindo em hipótese de dúvida quanto a imparcialidade do júri.

A negativa do Tribunal foi fundamentada, sobretudo, na alegação de inexistência da dita notoriedade da vítima, no teor das reportagens juntadas pela requerente, além da contagem de comentários hostis dirigidos a ela. Tendo em vista a descrição do voto, a vítima teria exercido cargo eletivo na primeira metade da década de 2000, posteriormente foi presidente do “Brusque Futebol Clube” e da “Sociedade Esportiva Bandeirante”, no entanto esses fatores não levariam a crer, para o relator, que toda a comunidade o teria alta estima, ademais diante da grande população do município tal alegação não seria razoável505.

Além disso, menciona que a defesa juntou documentos indicando ter acontecido referência à morte da vítima em sessão ordinária da Assembleia Legislativa de Santa Catarina, porém esse ato apenas demonstraria o pesar de um dos deputados que aproveitou do momento que lhe foi concedida a palavra para prestar breve homenagem506.

Com relação às notícias veiculadas na mídia local, o desembargador pondera sobre o conteúdo das reportagens507, mencionando que apenas doze comentários demonstrando animosidade à ré não seriam evidências de prejulgamento da causa508.

Por fim, as informações do juiz presidente do Tribunal do Júri da comarca de origem relataram a inexistência de comoção pública que viesse a comprometer a imparcialidade do júri e complementa que a repercussão e destaque do delito na mídia não seriam diferentes de tantos outros que recorrentemente se apresenta na comarca de Brusque e pelo Brasil, exemplificando com os casos “da morte de Tim Lopes, repórter da Rede Globo de Comunicações, assassinado no Rio de Janeiro, ou do próprio crime de feminicídio recentemente ocorrido na cidade de Guarapuava, no Estado do Paraná, envolvendo a advogada Tatiana Spitzner509”. Para o magistrado, ambos os crimes exemplificados teriam repercussões internacionais, e nem por isso caberia a hipótese de desaforamento.

504 SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça. Desaforamento de Julgamento n. 4020351-53.2018.8.24.0000.

Relator: Desembargador Sérgio Rizelo. Florianópolis, 05 de setembro de 2018. Diário de Justiça eletrônico, Florianópolis, 2018 505 Ibid. pp. 5-6 506 Ibid., pp. 5-6 507 Ibid., pp. 5-6 508 Ibid., pp. 5-6 509 Ibid., p. 3

Nesse sentido, aponta que “pela repercussão e divulgação dos crimes, nenhuma comarca estaria apta a acolher o desaforamento510”, repetindo o argumento apresentado em outros relatos presentes nessa pesquisa.

3.2.4 Principais argumentos utilizados pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina para