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Cassação do PCB e o destino dos Comitês Populares em Salvador

Em início de 1947, o PCB foi acusado de ser financiado pela União Soviética, sendo formada uma Comissão Parlamentar para examinar a contabilidade do mesmo. O funcionário da polícia responsável pelo levantamento solicitou um exemplar do Estatuto partidário e verificou que este diferia bastante do registrado no Tribunal Eleitoral, redigido apenas para cumprir a formalidade legal267. Baseado nessa informação, o deputado federal Barreto Pinto solicitou o fechamento do PCB, sendo a questão levada ao STF que, por 3 votos a 2, aceitou o parecer do vice-procurador da República, Alceu Barbedo, cujo argumento era de que o PCB era um partido estrangeiro. Em 07 de maio de 1947, foi declarada a ilegalidade do PCB, mas os mandatos de seus parlamentares só foram cassados em 07 de janeiro de 1948.268 As ruas estiveram vazias e nenhuma grande manifestação se realizou para a defesa do PCB, talvez porque os trabalhadores estivessem obedientes às diretivas da agremiação, que temia que manifestações de rua gerassem a desordem, o que seria um pretexto a mais para a ação dos reacionários269.

Em estudo realizado por Marcos Pinheiro sobre os Comitês Populares Democráticos da cidade do Rio de Janeiro, foi constatado que, com o retorno do PCB à ilegalidade, esses organismos transformaram-se em associações de moradores, visando burlar a repressão policial. No caso dos Comitês Democráticos de Salvador, as fontes não permitiram concluir que o mesmo teria ocorrido na capital baiana. Em mapeamento empreendido por Maria Victoria Espiñeira, na década de 1940 foram identificadas em Salvador seis associações de bairro, não havendo aumento na quantidade desses órgãos no período imediato à cassação do registro do PCB.270 As associações de moradores se difundiram com maior intensidade na capital da Bahia a partir da década de 1950, o que, entretanto, não descarta totalmente a hipótese  não confirmada  de que os Comitês Democráticos foram importantes para a organização de diversas associações de bairro, de maneira similar ao que aconteceu no Rio de Janeiro.

Após a anulação do registro do PCB, as atividades dos Comitês Populares Democráticos desapareceram das páginas da imprensa comunista local.271 Através deste

267

PACHECO, Eliezer, op.cit., p.196. 268

CHILCOTE, Ronald H., op.cit., p. 100. 269

SENA JÚNIOR, Carlos Zacarias de, op.cit., p.349. 270

Relação de Associações de Bairro  período 1940-70. Apud: ESPIÑEIRA GONZALEZ, op.cit., p. 111.

271

Em relação aos jornais da grande imprensa, com exceção de O Imparcial, que, no ano de 1945, publicou ocasionalmente informações sobre os Comitês Populares Democráticos de Salvador, de modo geral a atuação desses organismos foi pouquíssimo privilegiada pelos periódicos. Dessa forma, apenas o

estudo, foi possível concluir que os pecebistas tinham uma considerável penetração nos Comitês Populares e eram, em grande parte, responsáveis pelo seu funcionamento. Sendo assim, supõe-se que a atuação desses organismos foi impossibilitada pela clandestinidade à qual os membros do Partido foram conduzidos. O retorno à ilegalidade estabeleceu outras prioridades aos principais sujeitos que dirigiam os Comitês, como a sobrevivência do PCB em meio à perseguição policial, de modo que, nessas circunstâncias, provavelmente não houvesse mais condições de sustentar e dar prosseguimento à iniciativa dos Comitês Populares Democráticos nos bairros de Salvador.

jornal comunista O Momento acompanhou e divulgou as atividades dos Comitês Democráticos nos anos de 1945 e 1946. Contudo, foi diminuindo gradativamente a amplitude do destaque dado a esses núcleos, até que eles finalmente desapareceram de suas páginas após a cassação do PCB, em 1947.

CAPÍTULO 3 – O PCB e as massas: a interação entre os comunistas e a população dos bairros em Salvador

Neste capítulo, o objetivo é conferir a maneira pela qual os comunistas procuraram organizar a população dos bairros soteropolitanos, nos Comitês Populares Democráticos, em defesa das necessidades imediatas das massas em seus locais de moradia. Para tanto, foi realizado um levantamento das reivindicações mais frequentes feitas através dos Comitês, buscando descobrir quais eram as demandas de maior recorrência da população da capital baiana, num contexto de pós-guerra e de redemocratização. Também serão abordadas neste capítulo as campanhas financeiras empreendidas pelos Comitês Populares e o modo pelo qual esses organismos se situaram dentro da linha política de ―ordem e tranquilidade‖, adotada pelo PCB.

Em seu texto sobre a festa negra na Bahia no século XIX, João Reis relata a dificuldade de saber como os negros percebiam e significavam o que se passava em suas celebrações, devido à escassez de fontes que traduzem diretamente a sua visão de mundo. É mais fácil saber o que se passava na cabeça dos que detinham o poder de denunciar, reprimir ou permitir. A história da festa negra chega assim pela pena de policiais, religiosos, jornalistas, governantes. Portanto, ―como pouco sabemos do que sabiam os negros sobre seus modos de celebrar, terminamos por importar para nosso tempo a confusão dos brancos daquele tempo‖ 272

. Neste trabalho o desafio é semelhante, pois também não se encontra disponível documentação que reflita diretamente os sentimentos e inquietações das pessoas que se interessaram em participar dos Comitês Democráticos. Existem, na verdade, relatos de reivindicações populares que aparecem na grande imprensa e, sobretudo, na imprensa comunista, além de um depoimento oral de um militante pecebista da época, sem esquecer a bibliografia já existente sobre o assunto. Dessa forma, resta como alternativa conhecer as exigências populares a partir do crivo dos comunistas, de modo a perceber as necessidades do povo segundo o PCB. Assim, convém perguntar sobre a Salvador em que os comunistas pretendiam instalar organismos da natureza dos Comitês Populares Democráticos. Como eram as condições de vida na cidade? Quais as principais queixas de sua população? Quais seriam as reivindicações mais frequentes feitas através dos Comitês?

Dentre as principais reivindicações levantadas pelos Comitês Populares Democráticos de Salvador junto à população dos bairros, foram recorrentes as queixas

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em torno da questão da habitação e da carestia de vida. Para efeito de organização, neste capítulo a discussão desses problemas foi dividida em subseções. Contudo, é preciso ter em mente que as necessidades imediatas relativas aos locais de moradia não eram interdependentes entre si, mas compunham um conjunto de demandas, resultantes de uma conjuntura em que a maior parte da população da capital baiana era afligida por todo tipo de carência. Dessa forma, como afirma Maria Victoria Espiñeira, as ações reivindicatórias eram dirigidas contra o Estado, por ser o único com condições de atender às exigências e em resultado disso se identificando como opositor.273