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5. Resultados e discussão

5.8. Categorias a posteriori

5.8.2 Categoria ―Receio‖ e suas subcategorias

Liberdade, para Freire (1996), começa com o reconhecimento de um sistema de relações de opressão, e seu próprio lugar nesse sistema. A tarefa da pedagogia da criticidade é trazer membros de um grupo oprimido a uma consciência crítica de sua situação como um ponto de início de sua práxis libertadora. Mudança na consciência e ações concretas são ações consequentes para Freire, e a maior barreira contra a única possibilidade de libertação é uma crença, enraizada na inevitabilidade e necessidade de um status quo injusto. Seria necessário, também por uma questão social, que a consciência crítica cidadã fosse estimulada e os esforços dos alunos nesse sentido igualmente bem recebidos. Entretanto, as categorias que se seguem refletem a situação em que o sistema autorregulador da sala de aula ainda fornece impacto repressor na criatividade e iniciativa desses jovens pesquisadores: a categoria ―receio‖ mostra que, por vários motivos, os alunos não progrediram nas buscas com temor de algo. Foi relatado um receio por parte dos alunos que não os deixava ousarem muito mais nas suas pesquisas, ir mais além. Quando questionados, as respostas eram as mais variadas, relacionadas nas subcategorias seguintes:

Figura 13: Teia ATLAS Ti com as categorias e subcategorias “Receio”

O receio que a figura do professor-detentor do saber desperta nos alunos, fazendo com que tudo que a professora fala seja respeitado e até temido. Isso faz com que os alunos não sigam adiante em suas buscas simplesmente porque ―a professora disse que é assim‖, perdendo a oportunidade de reelaborar seu raciocínio. Essa subcategoria emergiu em falas como:

S2: aí você escreve no caderno e mostra a professora

S3: eu sei que tava certo porque era o site que a professora mandou pesquisar

S4: por que a professora disse S4: eu pergunto a professora

Essa subcategoria expressaria com muita força o medo de errar, diante de alguém que detém todo o conhecimento.

Semelhante a essa subcategoria, há ainda a de ―Receio- da avaliação‖. Isso significa dizer que algumas atividades foram contadas como exercício para atribuição de notas, e os alunos não ousaram pesquisar de modo diferente com medo de tirar notas baixas durante a atividade. Vejamos:

Entrevistadora: o que você achou de mais importante na sua pesquisa? S2: achei muita coisa importante, mas também era para ganhar a nota [dá a entender que o trabalho com a nota influenciou o no seu momento de pesquisa deixando-o mais preso]

Dessa maneira, o que o impediu de ir além e criar algo como imaginava ou desejava foi a obrigatoriedade de se ter um resultado de pesquisa ―como o professor quer‖, não importando então se a construção feita posteriormente com seu próprio pensamento e direção seria bem mais construtiva e emancipatória. O seu pensamento crítico esbarrou na burocracia da avaliação.

Outra subcategoria que aparece na análise é a de ―Receio-frustração‖. Os alunos demonstram receio em quebrar as regras de pesquisa estabelecidas, obedecem a esse receio e acabam frustrados em sua busca. A aula se encerra sem que o aluno tenha satisfeito sua curiosidade e explorado todo seu potencial:

Entrevistadora: E você ficou satisfeito com a resposta?

S1: mais ou menos. A aula acabou e eu não vi o labirinto direito... Entrevistadora: E depois? Você conseguiu ver mais alguma coisa? S3: Depois eu fui ver o labirinto... aí acabou!

Entrevistadora: pronto? Você fez mais alguma coisa depois? S5: não aí acabou a pesquisa [aparenta frustração]

Fosse por vontade própria ou pelo modo como foram propostas as situações de pesquisa, os alunos fizeram o encerramento de suas buscas de modo precoce, indicando que desejariam ter ido um pouco mais além. Havia um potencial a ser explorado ainda e eles desejariam ter feito isso, porém não foram colocadas condições favoráveis para essa nova exploração e por receio, finalizaram. Essa situação nos lembra das palavras de Demo:

A aula que apenas repassa conhecimento, ou a escola que somente se define como socializadora de conhecimento, não sai do ponto de partida, e, na prática, atrapalha o aluno, porque o deixa como objeto de ensino e instrução. Vira treinamento. É equivoco fantástico imaginar que o ―contato pedagógico‖ se estabeleça em um ambiente de repasse e cópia, ou na relação aviltada de um sujeito copiado (professor, no fundo também objeto, se apenas ensina a copiar) diante de um objeto apenas receptivo (aluno), condenado a escutar aulas, tomar notas, decorar e fazer prova. A aula copiada não constrói nada de distintivo, e por isso não educa mais do que a fofoca, a conversa fiada dos vizinhos, o bate-papo numa festa animada (1998, p. 15)

As avaliações e notas que, segundo Demo, parecem um fim em si mesmo, continuam tendo um peso muito grande no dia a dia de nosso aluno. Por consequência, a aula copiada e não construtiva parece ter seu lugar garantido, é como procurar novas formas de produzir e vivenciar algo antigo. Conteúdos, currículos, habilidades, tudo na escola contemporânea precisaria passar pela reformulação, reorientando-se os objetivos e trazendo uma visão mais aberta do que é que realmente estaria por trás de certas competências e habilidades dos alunos, tendo como modelo uma escola que não ensina a copiar, mas a produzir, vivenciar, questionar, reelaborar, reformular.

Podemos falar também em outro tipo de receio: ―Receio-ausência crítica”. É o receio ligado à ansiedade e ao medo de pensar diferente. Podemos ver isso bem expresso na fala a seguir:

S2: eu aprendi muita coisa nova e diferente mas às vezes eu vou volto a pensar como antes.

É preferível, diante de tudo que foi visto, voltar a ―pensar como antes‖. Intuitivamente, essas crianças observam que o pensamento muito diferente seria até certo ponto indesejável. Conforme as palavras de Demo (1998), vemos que ―... a criança é por vocação um pesquisador pertinaz, compulsivo. A escola muitas vezes atrapalha esta volúpia infantil, privilegiando em excesso a disciplina, ordem, atenção subserviente, imitação do comportamento adulto‖ (p. 11). E é esse excesso de disciplina que traz atitudes como essa por parte do aluno: a imitação dos ―iguais‖, e o receio de parecer diferente. Essa subcategoria aparece intimamente ligada à outra subcategoria, a de ―receio-medo de ousar‖. O que diferencia essa última é que nela o medo de ousar é expresso conscientemente, na fala dos meninos:

S1 eu anoto o primeiro no meu caderno ao lado e vejo se está certo.

Nessa fala, o aluno expressa que tem medo de ousar nas suas buscas e no final da pesquisa chegar a conclusão que percorreu um caminho diverso dos demais. Ele tem consciência do próprio receio e faz a anotação para não ―errar‖. Na subcategoria ausência crítica, o aluno não tem a consciência desse receio, apenas expressa-o através das atitudes; na categoria medo de ousar, esse receio é consciente.

educacionais estariam influenciando esse processo de construção da pesquisa escolar e do laptop educacional. Uma questão importante é observar que os professores não realizaram as etapas de formação previstas no programa, por uma razão de suporte tecnológico mesmo. O portal e-Proinfo não funcionou, nem a própria pesquisadora enquanto formadora conseguiu entrar e visualizar os módulos. Sendo assim, a comunicação da equipe de formação com a escola ficou prejudicada. Ao mesmo tempo, a escola não teve a figura do multiplicador, que seria a pessoa que faria o acompanhamento mais próximo do andamento do projeto e das principais dificuldades dos professores no trabalho com as tecnologias. Acreditamos que um trabalho de formação mais próximo ao professor e um acompanhamento mais efetivo seria desejável para uma visão mais positiva da implementação do Projeto UCA na escola. De acordo com Demo (2011), ―seria ‗pedagogismo‘ inventar impactos facilmente transformadores, em ambiente tão precário na maioria das vezes‖ (p.86). Nesse contexto, seria desejável que as mudanças que precisamos ver nas escolas não iniciem através de alguma política pública em educação ―milagrosa‖, salvadoreira, mas que seja um fruto da formação inicial acadêmica do professor emancipadora, não limitadora, com profissionais de sala de aula de mente aberta e crítica. Caso contrário, o ―fruto dessa limitação, depois, é atuação caricatural na sala de aula e sobretudo tolhimento no exercício da cidadania do professor‖(IBIDEM).