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2. O DISPOSITIVO TECNOLÓGICO NA TROCA DE CONHECIMENTO INTERGERACIONAL E

4.3 Análise e discussão dos registros da atividade 2 | Entrevistas individuais

4.3.1 Discussão e análise | Avós

4.3.1.3 Categoria | Relação intergeracional

A proximidade habitacional foi o primeiro item analisado relativamente à categoria ‘relação intergeracional’. Todos os participantes apontaram morar na mesma cidade que a outra geração, mas a proximidade de residências variava de acordo com cada dupla/trio. Dos entrevistados, 3 duplas participantes moram no mesmo bairro – o que aponta uma distância de até três quilómetros de distância –, 2 duplas moram em casas vizinhas – portas vizinhas, literalmente –, 1 dupla mora na mesma casa – brasileiras que

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69 moram em Aveiro – e as últimas dupla e trio moram na mesma cidade, mas com distância superior a três quilômetros entre casas.

Tendo em mente a proximidade habitacional das duplas e trio, os dados coletados com referência à intimidade, paciência e relacionamento em si foram contrastados. Nesta ótica, observa-se se a proximidade de casas e frequência de contato pode alterar o comportamento dos participantes.

Ainda que a residência tivesse proximidades diferentes, todos os participantes veem a outra geração mais de 2 vezes por semana. Ainda, tais encontros possuem em torno de 3 a 8 horas, com casos – como o da avó Sônia e neta Valentina que moram na mesma casa – que os encontros são diários e duram todo o dia. Destaca-se, aqui, o fato de 4 das 8 duplas entrevistadas relatarem cerca de 6 encontros semanais com os netos. Tais encontros são decorrente de os avós terem um papel de cuidadores dos netos no horário pós-escolar.

No âmbito de avós cuidadores, como relatado por Pires e Coelho (2010), Oliveira e Pinho (2013) e diversos outros autores, a grande maioria dos avós – 7 dos 8 participantes – apontaram serem os responsáveis pelo cuidado com os netos na ausência dos pais. A única participante que não relatou desenvolver o papel de cuidadora foi a avó Maria Olga que, em vista das limitações de saúde, não poderia desempenhar tal papel.

"A minha filha teve-as, ela morava aqui (...) e eu criei-as desde os, acho que, 5 ou 6 meses que é quando acaba a licença de maternidade e volta a trabalhar. E eu fiquei com elas sempre, até... este ano ainda ia buscá-las à escola e tudo."

(Joaquina, 63 anos)

Quando nos confrontamos com a informação de que praticamente todos os avós foram ou são responsáveis pelo cuidado dos netos, algumas informações chamam a atenção. Os avós, como apontado por Dias e Silva (2003), desempenham importante papel na educação dos netos. A participante Elisabeth, inclusive, reconhece a importância dos avós neste sentido.

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"Mas ele não passa a maior parte do tempo com os pais, a maior parte do tempo é sem eles, não é? E nós aqui temos um papel muito preponderante na educação dele. E se ele passava aqui todos os dias em casa, eu acho que era mais do que justo, nós intervirmos."

(Maria Elisabeth, 69 anos)

Quanto ao cuidado com os netos, em encontros semanais constantes ou esporádicos, observa-se a troca de conhecimento no âmbito dos mais diversos temas. Ainda além da troca em volta ou a respeito dos dispositivos tecnológicos, observou-se que todo o tipo de conhecimento é passível de troca, como citado em Forghani e Neustaedter (2014). Como é o caso de avós como Rosário, Fernanda e Arminda, que transmitiram a suas netas o gosto pelo cuidado da casa e, mais ainda, os trabalhos manuais.

“É, e ela está a apanhar. Desde pequenita. (...) Mas esta é uma perdição, a minha neta é uma perdição. (...) Ela está mais tempo comigo quando se mete lá no quartinho de costura. Ainda ontem teve lá a fazer as coisas para o gato, esteve lá até muito tempo.”

(Arminda, 66 anos)

"Depois estou também a tentar que ela não seja só na parte, digamos, profissional, entre aspas, mas comece também nesta vertente de fazer mais alguma coisa de mãos."

(Maria do Rosário, 66 anos)

No entanto, não é sempre simples a aproximação intergeracional. A diferença na vivência e nos assuntos de interesse são um obstáculo a ser ultrapassado por alguns dos avós entrevistados. A maioria dos avós participantes, mostra uma preocupação no que toca a aproximar-se dos netos, mas a avó Elisabeth e o avô Jorge – ambos com netos homens – relatam a dificuldade em encontrar temas de interesse comum.

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"Realizamos poucas atividades juntos. Por que as atividades deles são divergentes das minhas. Ele tem as suas atividades e ele tem os seus passatempos, digamos assim, e eu tenho as minhas, eu não consigo." (Jorge, 72 anos)

A avó Elizabeth, ainda, aponta o gênero como possível fator de afastamento no caso da sua relação com o neto.

“Se fosse uma rapariga talvez fosse mais fácil, digo eu. Nunca tive nenhuma rapariga. Mas eu reparo que as mulheres também tem mais cumplicidade umas com as outras. Os homens são mais reservados, eu acho. (...) Eles fecham-se mais, são mais herméticos. Não são tão comunicativos a respeito.”

(Maria Elisabeth, 69 anos )

Na contramão do afastamento vivenciado e relatado pelos avós Jorge e Elisabeth, pode- se observar exemplos de amizade entre gerações. Dos participantes entrevistados, 4 avós relatam terem com suas netas uma relação de cumplicidade. É o caso de avós como Fernanda e Sônia, que se mostram preocupadas em ser para as netas um porto seguro.

"E somos cúmplices por que não contamos... a ninguém, nem a mãe nem nada, não contamos a ninguém. Isso é ser cúmplice. Cumplicidade."

(Maria Fernanda, 68 anos)

Nos encontros intergeracionais, são diversas as atividades realizadas. Desde a conversa corriqueira até as refeições – as quais 7 dos 8 avós entrevistados apontam como rotina no relacionamento – os encontros entre avós e netos são espaços para a convivência. Quando da troca efetiva de conhecimento, até mesmo a concepção deste termo causa discussão. Os avós dividem-se entre aqueles que reconhecem vivência como conhecimento – 3 dos 8 entrevistados –, aqueles que vem no conhecimento escolar o conhecimento efetivo – 2 dos 8 participantes – e aqueles que reconhecem o

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72 conhecimento, atualmente, sendo aquele voltado ao mundo tecnológico. Neste último, temos a avó Joaquina, por exemplo.

"Educar sim, agora ensinar coisas... o que eu sei eles sabem mais do que eu... coisas modernas."

(Joaquina, 63 anos)

Quando questionados da sua capacidade de troca e recebimento de conhecimento, bem como das capacidades de seus netos, os avós mostram-se bastante divididos. Dos 8 avós entrevistados, 6 consideram-se mediana ou altamente habilitados a transmitir conhecimento. Já duas das avós entrevistadas, não se consideram hábeis a ensinar os netos por serem muito velhas, corroborando Hurme, Westerback e Quadrello (2010). Coincidentemente, ou não, as avós com baixa habilidade de transmissão de conhecimento não reconhecem vivência como tal. Em adição, os avós com alta capacidade de transmissão são aqueles que citam, sim, vivência como conhecimento adquirido.

Já em relação ao outro como potencial fornecedor de conhecimento, a maioria dos avós – 6 dos 8 entrevistados – aponta seus netos como mediana ou altamente habilitados a transmitir conhecimento. Contudo, todos os avós, neste caso, se referiam ao conhecimento tecnológico. As outras duas entrevistadas que apontaram os netos como pouco qualificados a transmitir conhecimento relataram que, por serem ainda novos, não tinham capacidade de ensinar ao outro.

“Ela faz algumas coisinhas, mas, coitadinha, tem só 12 anos não é? Mas puxa-lhe para aquilo, mas ensinar é até capaz de ensinar uma mais nova que ela já. Agora, mais velha não.”

(Arminda, 66 anos)

Inclusive, durante a entrevista pode-se observar a troca de conhecimento acontecer, naturalmente. No momento do relato acima citado da avó Fernanda, a neta mostrou-se confusa a respeito do significado da palavra cumplicidade, ao passo que a avó a explicou,

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73 corroborando Forghani e Neustaedter (2014) na afirmação de os avós serem, também, fonte de conhecimento geral e diverso para os netos.

Neste contexto, da partilha em si do conhecimento, os dados coletados apontam uma diferença perspectiva. De todos os avós participantes, apenas uma – mesma avó que se considerou com baixo potencial de partilha – diz haver troca mediana com a neta. Todos os demais avós apontam alta troca de conhecimento com os netos no dia a dia.

No relacionamento, a metade dos avós entrevistados mostrou-se orgulhosa da rapidez de raciocínio e execução dos netos. Neste contexto, ainda mais quando se cita a questão tecnológica, os avós teciam elogios e reconhecimento ao conhecimento e habilidade dos netos.

"Mas é engraçado, eles desde pequeninos que pegavam nos comandos da televisão e faziam com a maior das facilidades. Por exemplo, ir à televisão – ver o que está na BOX, anterior (...), mas naturalmente eles - vêm com mais neurônios, dizem – naturalmente pegam num comando. A pequenita admirava-me como ela conseguia. E eu dizia ‘Como é que fizeste Ritinha?’ e ela ‘ Já está avó!’. Naturalmente."

(Maria Fernanda, 68 anos)

Por fim, quando inqueridos sobre a sua satisfação em relação ao relacionamento a maioria dos avós afirma não querer mudar nada no mesmo. Mais ainda, 4 dos 8 avós, compara o relacionamento atual com o do passado e afirma ter, no presente, uma liberdade maior com seus netos.

"O que é melhor é que os netos têm mais liberdade hoje em dia com os avós né?! Mas acho que não piorou nada não. Mais liberdade para conversar. Não existe aquela distância que antigamente existia entre os avós e os netos. Senhor, senhora... mesmo a hierarquia."

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