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Capítulo 2. Metodologia

2.3 Categorias de análise

Por forma a analisar as interações sociais ocorridas durante o processo de escrita colaborativa, através dos vídeos das tarefas de produção escrita sincronizados com os registos áudio, com os registos do traço da caneta e com o resultado final do texto produzido, foram consideradas duas grandes vertentes de análise: as dinâmicas de coelaboração e as funções da leitura durante o processo de escrita colaborativa.

Por forma a analisarmos as dinâmicas de coelaboração baseámo-nos nos estudos de Gilly (1988), nos quais o autor tipificou as quatro dinâmicas decorrentes do trabalho colaborativo, de acordo com as interações desenvolvidas ao longo do processo de coelaboração e através da observação das alternâncias sistemáticas de momentos de trabalho individual e de momentos de interação:

(i) colaborações concordantes – um dos elementos propõe uma resolução que é aceite pelo par, sem indícios de submissão, resultando de um acordo cognitivo;

(ii) coconstrução – Um dos parceiros inicia uma ação ou frase que é retomada ou continuada pelo outro. Não há desacordos, no entanto não se pode ter a certeza de que os elementos do par teriam chegado à mesma construção trabalhando

individualmente, poderá um dos elementos ter acabado por orientar o outro para uma solução em que não tinha pensado, mas que aceitou;

(iii) confrontações contraditórias – os dois elementos do par avançam com propostas contraditórias, em desacordo explícito, implicando uma confrontação de pontos de vista na procura de uma solução conjunta.

(iv) confrontações com desacordo – um dos parceiros propõe uma solução que é automaticamente recusada pelo outro, no entanto este não lhe dá nenhuma

alternativa ou justificação, remetendo o primeiro para trabalho individual ou para uma retirada do processo;

Após uma atenta reflexão sobre o corpus, considerámos que destas quatro dinâmicas, apenas três constituem subcategorias de análise deste estudo, uma vez que nesta tarefa não se verificam confrontações com desacordo, a última dinâmica apresentada. Em todas as interações em que ocorreu uma confrontação de soluções ou propostas, a díade trabalhou para as resolver, tendo sempre em vista a conclusão da tarefa, pertencendo assim à subcategoria das confrontações contraditórias.

A segunda vertente está relacionada com os diferentes propósitos que a leitura serve, durante o processo de escrita, particularmente durante a revisão, ocorrendo a mesma após ou mesmo durante a produção do texto. Como abordado anteriormente, Hayes (2012), no seu mais recente modelo representativo dos processos de escrita, alerta para o importante papel que a leitura desempenha durante as tarefas de produção textual. De facto, após uma leitura e análise minuciosa do corpus foi possível verificar que ao longo das produções escritas em múltiplos momentos a díade recorria à leitura servindo diferentes funções. Importa relevar que esta análise apenas é permitida através da visualização do filme-sincro, dando-nos acesso, em tempo real, às leituras que são realizadas pela díade ao longo da produção textual. Na realidade, há poucos estudos na investigação da escrita com estas características, sendo normalmente utilizados para o efeito protocolos verbais e entrevistas realizadas após as produções escritas. Assim, considerámos relevantes a distinção e identificação das funções a que se destinam essas leituras e criámos cinco diferentes categorias, as quais descrevemos de seguida:

(i) Ler para verbalizar silabicamente - separação fonológica das sílabas de cada palavra, repetindo-as várias vezes, permitindo a verificação da correção ortográfica da mesma e acesso à clarificação da dúvida por parte da colega de díade;

(ii) Ler para confirmar o sinal de pontuação - entoação do final de uma frase ou de uma palavra, procurando descobrir qual o sinal de pontuação a utilizar e permitindo, mais uma vez, a participação ativa da colega de díade;

(iii) Ler para detetar erros - decisão individual ou conjunta de ler (ou reler) uma parte (ou partes) do texto com o objetivo de identificar possíveis erros ortográficos que possam não ter sido detetados no momento da escrita (com a carga cognitiva que a grafia ainda representa nesta faixa etária);

(iv) Ler para verificar o sentido do texto - ato de ler (ou reler) uma parte (ou partes) do texto, focando-se no sentido do texto, na sequência cronológica da narrativa, na correta utilização de conetores ou procurando substituições lexicais;

(v) Ler para descobrir a continuidade temática - ato de ler a última sequência textual escrita, procurando obter ideias para a continuação da narrativa.

Sobre as funções da leitura, destacamos também o trabalho de investigação do grupo “PROTEXTOS – Ensino da produção de textos”, do Departamento de Educação e Psicologia da Universidade de Aveiro, que se debruçou sobre o tema em diversos estudos. Assim, procedeu-se à visualização dos filme-sincro, atrás mencionados, com o objetivo de identificar, registar e analisar as interações que ocorrem ao longo das quatro produções escritas, tendo em conta as duas vertentes mencionadas. Para tal, foi criada uma tabela de registo contendo as seguintes informações (ver Figura 3):

(i) Tempo (hh:mm:ss) - tendo como base cronológica o filme-sincro, atrás apresentado, foi registado o tempo exato de início e de fim de cada uma das dinâmicas;

(ii) Duração (s) - através da diferença entre tempo registo de início e de fim da dinâmica, foi possível calcular a duração, em segundos, da interação;

(iii) Fase - registo da fase do processo escrita em que a dinâmica foi identificada, considerando para o efeito três grandes etapas (Planificação, Textualização e Revisão);

(iv) Categoria - identificação da vertente a observar nessa interação (leitura ou dinâmica de coelaboração);

(v) Subcategoria – identificação da subcategoria a que a interação registada pertence, considerando para o efeito as três dinâmicas de coelaboração acima mencionadas (Coconstrução, Colaborações concordantes e Confrontações contraditórias) ou uma das funções de leitura, descritas anteriormente;

(vi) Observações - espaço dedicado ao registo de diversas observações acerca da interação observada.

De seguida, para que fique claro o nosso processo de análise, apresentamos dois exemplos para cada dinâmica de coelaboração identificada, através da cópia da respetiva transcrição, acompanhada de uma breve explicação da sua categorização.

Texto

(e título)

Transcrição

(exemplo 1 – Coconstrução)

Texto 3: “O ovo especial”

Tabela 2 - Exemplo 1: Coconstrução Texto (e título) Transcrição (exemplo 2 – Coconstrução) Texto 1: “O palhacinho”

Tabela 3 - Exemplo 2: Coconstrução

Nos exemplos de coconstrução presentes na Tabela 2 e na Tabela 3, é possível verificar a sucessão alternada das intervenções na elaboração de uma solução comum sem manifestações observáveis de desacordo ou contradição. As duas alunas são elementos ativos explícitos no processo de produção textual.

Texto

(e título)

Transcrição

(exemplo 1 – Colaborações concordantes)

Texto 2: “O rei e os

criados”

Tabela 4 - Exemplo 1: Colaborações concordantes

Texto

(e título)

Transcrição

(exemplo 2 – Colaborações concordantes)

Texto 2: “O rei e os

criados”

Tabela 5 - Exemplo 2: Colaborações concordantes

Na Tabela 4, temos um exemplo de colaboração concordante, no sentido em que consideramos que as intervenções de um dos elementos têm o valor de controlo e de reforço positivo da atividade do outro, reconhecendo-lhe legitimidade. Trata-se de uma colaboração passiva, em que um elemento tem um papel ativo de reflexão e o outro acaba por aceitar, implicitamente refletindo. No exemplo da Tabela 5, detetando a possível dúvida de B perante a correta ortografia da terminação da palavra queriam, L esclarece de imediato, permitindo a simples continuação do trabalho e implicando a aceitação por parte da colega.

Texto

(e título)

Transcrição

(exemplo 1 – Confrontações contraditórias)

Texto 4: “A Capuchinho e o homem aranha com o lobo”

Tabela 6 - Exemplo 1: Confrontações contraditórias

Texto

(e título)

Transcrição

(exemplo 2 – Confrontações contraditórias)

Texto 1: “O palhacinho”

Tabela 7 - Exemplo 2: Confrontações contraditórias

As tabelas 6 e 7 representam exemplos de confrontações contraditórias, na medida em que há um desacordo argumentado, acompanhado ou não de uma proposta de resolução, seguida de uma tentativa observável de procura de ultrapassagem das ideias opostas, tendo sempre em vista a continuação do trabalho. É neste caso que se pode falar de conflito sociocognitivo, no sentido estrito, com presença efetiva de uma coordenação interindividual subsequente ao desacordo.

Após o preenchimento da tabela para cada produção textual, procedeu-se à (re)organização dos dados, permitindo contabilizar e comparar a duração total (e por texto) de cada dinâmica de coelaboração, bem como do número de ocorrências para cada episódio de leitura.

Capítulo 3. Apresentação e discussão