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A categorização ao diagnosticar

Durante as intervenções e entrevistas do robotista foi possível notar um padrão ao diagnosticar problemas que seguia por níveis de ataques a serem considerados. Esses ataques se orientavam pela frequência do que aparecia em casos anteriores e que poderiam influenciar na soldagem. Portanto, embasado em experiências anteriores, fazia mais sentido o robotista verificar primeiro os consumíveis de solda utilizados pelo robô - como arame, gás e tocha, por exemplo - antes de analisar componentes eletrônicos da máquina de solda ou de programação. Para o experiente, a programação é o último ataque a ser feito para resolver o problema de uma máquina. Segundo o robotista, uma vez que o robô é programado, seus parâmetros não devem ser modificados5. Esta informação, no entanto, não tem o mesmo sentido para o

eletricista que, em uma das intervenções, buscou na reprogramação de parâmetros a solução para o problema do robô.

5 Apesar de, na idealização de micromundos a modelagem ser feita para não ser alterada, na prática pode-se

acompanhar casos em que fatores aleatórios que não tinham sido previstos na programação do robô (como o caso de colisões, materiais de consumo de baixa qualidade e falta de manutenção preventiva) demandem alterações na programação.

Ao reprogramar os parâmetros a intenção do aprendiz era de que o problema fosse resolvido, porém tanto o experiente quanto o fabricante dos robôs orientaram posteriormente que esta opção deve ser evitada. A orientação dada pelo fornecedor do robô ao eletricista sobre esse problema que o robô apresentou foi de que ao dar manutenção nos robôs era importante que não se fizesse tentativas aleatórias. Ele sugeriu que seria sensato seguir a sequência de intervenções em itens relacionados à soldagem, motor, máquina de solda e por último a programação da máquina.

4 DISCUSSÃO

Durante a pesquisa foi possível acompanhar que os robôs de soldagem constantemente demandavam a intervenção humana. Quando situações não previstas, como colisão do braço do robô ou a presença de impurezas no bico de soldagem ocorriam, a intervenção dos operadores ou do robotista era necessária para regular o sistema. Assim foi possível perceber que a construção do micromundo exige um papel de atuação do ser humano. Portanto, o conhecimento sobre a atividade passível de objetivação não basta para a máquina atuar na atividade.

A presença de aleatoriedades demanda a capacidade de lidar com o contexto. O robotista é quem adapta a máquina a realidade deste contexto. É ele que está habilmente preparado para conduzir os robôs de acordo com as situações. O robotista julga relevância e irrelevância das informações do contexto para tomar suas decisões. Além disso, é ele quem assume riscos caso algo deva ser feito fora do prescrito.

O micromundo criado para atender a atividade executada pela máquina não contemplava todas as possibilidades que poderiam ocorrer no contexto da linha de produção A criação do micromundo do robô pressupõe a supervisão por parte do experiente durante a atividade. Essa limitação não se deu por falha do programador, e sim, porque formalizar uma atividade em regras leva a maquina à regressão das regras. Isso significa que não é possível conter nas as regras prescritas para os robôs todas as possibilidades para serem aplicadas. Caberá ao experiente tomar essa decisão.

Além disso, foi possível perceber a importância das habilidades do processo de soldagem durante a atuação dos experientes. O eletricista não conseguia atuar com sucesso em todas as intervenções porque lhe faltava informações relativas à atividade final. A convergência de

possíveis soluções levantadas pelos que tinham experiência com a soldagem evidencia a influência das habilidades adquiridas nesse processo.

Os operadores e o robotista antecipavam possíveis problemas observando o funcionamento da máquina. A experiência com o processo de soldagem garantia, por exemplo, que ao ouvir o som que era emitido na soldagem da peça os operadores julgassem necessária a intervenção. Essa percepção era embasada em experiências anteriores que faziam com que o operador identificasse que o som produzido pelo robô estava diferente do normal. Seus ouvidos estavam “treinados” e conseguia perceber a diferença, algo que não era possível para visitantes ou novatos.

A solda também “dizia” muito para os experientes. A percepção da solda “alta” não apareceu para o eletricista porque seus olhos não estavam “abertos” para isso. O problema talvez seja que o eletricista não possui experiência suficiente em identificar a solda normal. Os experientes com o processo de soldagem veem uma solda fria e sem fusão. Para eles a solda deveria se distribuir entre as peças, além disso, sabem que se a peça for mal soldada poderá acarretar em defeitos no uso. Essa diferença de percepção de sentido é justificada pela vivência na atividade de soldagem.

Nesse caso foi possível também perceber como a experiência é um pré-requisito para julgamento de relevância. O eletricista ao receber as orientações do robotista optou por não executar as etapas de acordo com o experiente. Questionado sobre o motivo ele compartilhou que não havia se atentado as etapas sugeridas. Para o eletricista os possíveis sugeridos pelo experiente não estavam carregados de sentido. O robotista havia sugerido possibilidades vinculadas às justificativas com base na sua experiência. Ele sabia que uma solda fria poderia ocorrer durante o processo de soldagem por falta de fusão no arame.

O caso descrito sobre a reprogramação de parâmetros evidenciou que a prática na atividade também é necessária para intervir nos parâmetros dos robôs. O eletricista consegue executar a parametrização de pontos mais fáceis que não exigiam tanta experiência com a soldagem. Porém, como pode ser percebido o aprendiz não conseguiu atuar em todos os pontos porque não sabe executar uma solda filetada que exigia sincronização com a atividade de soldagem. A importância do processo de soldagem é reforçada também na priorização para intervir nas máquinas. Para resolver problemas do robô o foco na solda e seu processo é o primeiro passo a ser dado. O eletricista poderia ter resolvido o problema da solda alta de forma mais rápida se

seguisse essa instrução e não teria tentado reprogramar o robô. Esses ataques demonstram que a atividade principal do robô, mesmo automatizada, ainda diz muito sobre como a máquina atua.

5 CONCLUSÃO

Foi possível perceber que os robôs de soldagem, mesmo que idealizados para soldarem sem paradas, demandam a atuação do robotista quando algo não previsto acontece. O experiente detém habilidades incorporadas de programação, manutenção e soldagem e sua capacidade de percepção também o auxilia na adaptação da máquina ao contexto. A falta dessas habilidades não se resolveria complementando as informações na criação do micromundo para a atuação da máquina. O conhecimento existente na modelagem do micromundo do robô é limitado e deve ser tacitamente entendido e adaptado pelo experiente responsável pela operação.

Pessoas sem habilidades em soldagem podem até dar manutenção no micromundo criado para os robôs, porém a falta de experiência no processo de soldagem poderá refletir no desempenho das intervenções. Indivíduos sem a prática de soldagem não estão sincronizados com os sinais da cena perceptiva durante a atividade. Eles “ouvem, mas não escutam”, “veem, mas não enxergam”, portanto, não são capazes de perceber sentido nos elementos existentes no contexto. É através da prática que o experiente adquire essa habilidade e consegue apresentar uma atuação diferenciada.

A criação de micromundo de fato consegue proporcionar que os robôs atuem na soldagem substituindo parte da tarefa humana. Entretanto, as habilidades humanas são fundamentais para garantir a atuação das máquinas. Neste estudo, foi possível perceber que o robotista, com toda a sua experiência, é quem detém estas habilidades. É ele o responsável por antecipar possíveis problemas, diagnosticar falhas e manter o funcionamento das máquinas. Sendo assim, a experiência prática possui uma contribuição fundamental para a manutenção do micromundo do robô. O projetista é o responsável pela criação do micromundo de um robô de soldagem, mas é o robotista quem garante que a atuação dos robôs seja a mais aderente possível de acordo com o ambiente de operação.

Agradecemos ao apoio da empresa onde esta pesquisa foi desenvolvida e a todos os funcionários que participaram de forma direta ou indireta para o resultado deste trabalho. Àqueles funcionários que estiveram diretamente envolvidos na pesquisa e que foram parte dos casos empíricos, nosso agradecimento especial.

Agradecemos também ao Curso de Especialização em Ergonomia pela oportunidade de desenvolver esta pesquisa e a todos os professores desta especialização pelos conceitos relacionados à ergonomia conosco compartilhados. Agradecimento especial ao professor Francisco de Paula Antunes Lima pela orientação neste trabalho.

Agradecemos ao Professor Rodrigo Ribeiro pela coordenação desta pesquisa junto à empresa e pela orientação na elaboração deste artigo.

Agradecemos ainda ao Professor Alexandre Queiroz Bracarense pelas informações e dados passados sobre robôs de soldagem e suas particularidades.

REFERÊNCIAS

DREYFUS, H. & DREYFUS, S. Mind Over Machine, Free Press, Nova York. 1986. Edição: Reprint (12 de setembro de 1988) p. 70-74

DREYFUS, Hubert. O que os computadores não podem fazer. A casa do livro, Rio de Janeiro 1972. p. 234-238

DREYFUS, Hubert What Computers Still Can't Do: A Critique of Artificial Reason, MIT Press, Cambridge. 1992.

LIMA, Francisco; SILVA, Carlos. A objetivação do saber prático na concepção de sistemas especialistas: das regras formais à situações de ação. In Duarte, F. (ed) Projeto e Produção. Rio de Janeiro: Lucerna. 2000. p. 3-33

RIBEIRO, Rodrigo. The Role of Experience in Perception. Human Studies. 2014. 37, 559- 581. Disponível em: https://link.springer.com/article/10.1007/s10746-014-9318-0. Acesso em: 03 fev 2020.

THE EXPRESSIVENESS OF PRACTICE IN MAITAINING MICRO-WORSD: THE

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