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GT 18 Estudos sociais do trabalho, da tecnologia e da expertise

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Academic year: 2021

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ANAIS VIII SITRE 2020 – ISSN 1980-685X

GT 18 – Estudos sociais do trabalho, da tecnologia e da expertise

Coordenadores: Prof. Dr. Francisco de Paula Antunes Lima (UFMG); Prof. Dr. Rodrigo Ribeiro (UFMG)

Ementa: Este GT tem como objetivo discutir pesquisas teóricas e de intervenção em torno da relação entre formação escolar e a prática profissional. A diferença entre as competências desenvolvidas na formação inicial e as competências profissionais é amplamente reconhecida, assim como as dificuldades na passagem entre escola e trabalho. Propomos neste GT discutir temas situados na interface entre escola e trabalho, como:

1) especificidades dos conhecimentos escolares e da expertise profissional;

2) relações entre conhecimentos teóricos e habilidades e saberes situados ou práticos; 3) conhecimentos e conceitos pragmáticos;

4) competências transversais.

Apresentação Oral

Alisson Souza de Moura; Natália Alves Oliveira; Lilian Bambirra de Assis

Enfraquecimento dos vínculos, trabalho e competências: pensando o processo decisório para além do paradigma funcionalista

Natalia Radicchi; Luciana Detoie; Rodrigo Ribeiro

A expressividade da prática na manutenção de micromundos: o caso do robô soldador Renato Silva dos Santos; Geraldo Márcio Alves dos Santos

Trabalho e educação nas atividades dos técnicos de segurança do trabalho: prevenção, prescrição e fazer educativo na análise das trajetórias

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ANAIS VIII SITRE 2020 – ISSN 1980-685X Apresentação Oral

ENFRAQUECIMENTO DOS VÍNCULOS, TRABALHO E

COMPETÊNCIAS: PENSANDO O PROCESSO DECISÓRIO PARA

ALÉM DO PARADIGMA FUNCIONALISTA

doi: 10.47930/1980-685X.2020.1801 MOURA, Alisson Souza de – alisson.s.m@hotmail.com

Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais Av. Amazonas 7675- Nova Gameleira

30.510-000 – Belo Horizonte – Minas Gerais – Brasil OLIVEIRA, Natália Alves – nataliveiras@gmail.com Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais Av. Amazonas 7675- Nova Gameleira

30.510-000 – Belo Horizonte – Minas Gerais – Brasil ASSIS, Lilian Bambirra de – lilianbassis@hotmail.com Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais Av. Amazonas 7675- Nova Gameleira

30.510-000 – Belo Horizonte – Minas Gerais – Brasil

Resumo: O presente artigo objetiva complementar a discussão acerca dos processos

decisórios, incorporando novas perspectivas e levando em consideração a precarização do trabalho que, em conjunto com fatores como aumento de carga horária, baixa remuneração e pressão por produtividade, é capaz de desencadear o enfraquecimento dos vínculos sociais. Os estudos acerca dos processos decisórios modernos contam com contribuições de importantes áreas acadêmicas, como a economia, filosofia, estatística, dentre outras. A partir desses, quatro modelos se tornaram seminais no âmbito dos estudos organizacionais: racional, processual, político e anárquico. O racional é orientado para objetivos, guiado por regras, rotinas e programas de desempenho. O processual possui fases e ciclos que estruturam as atividades decisórias complexas e dinâmicas, através de rotinas de busca, conhecimento, criação e avaliação das alternativas de decisão. O político possui objetivos e interesses conflitantes e a certeza sobre abordagens e resultados preferidos. O modelo anárquico faz uma avaliação de regras de busca, de atenção e decisórias, bem como possui ambiguidade nos objetivos e procedimentos. No entanto, mesmo apresentando perspectivas diferentes e ricas, os modelos compartilham um ponto em comum: partem de um viés funcionalista, baseando-se na visão Taylorista do homem-máquina e desconsiderando a subjetividade no processo decisório. Nesse contexto, torna-se necessário a inclusão do

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sujeito no processo decisório, permitindo um pensamento sobre suas ações e tornando possível que essa troca gere novas possibilidades a serem aplicadas nas organizações.

Palavras-chave: Processos decisórios. Vínculo social. Organizações.

1 INTRODUÇÃO

No mundo do homem máquina, do the best way e da otimização a qualquer custo, os danos a subjetividade humana imergem no âmbito individual, em forma de adoecimento psíquico, e no social, no enfraquecimento dos vínculos. Autores como Enriquez (2006), Navarro e Padilha (2007) e Castro e Zanelli (2010) abordam esses fenômenos como uma consequência direta da evidência das contradições capitalistas. Nas organizações empresariais, o poder de decisão está concentrado nas mãos de pequenos grupos, que sujeitam os maiores a lógica da produtividade, condenando-os a uma atividade laboral que constrói significado ao mesmo tempo em que o destrói.

As visões do homem máquina e do the best way propostos por Taylor em 1911 tem reforçado essa lógica em todos os segmentos da administração. Observamos isso nos trabalhos de Simon (1970), Mintzberg (2010) e Choo (2006), onde a tomada de decisão pode ser racionalmente limitada, definida por relações de poder e até mesmo aleatória, mas nunca subjetiva. Concebida para ser um processo direto, um meio para se chegar ao fim, os processos decisórios da linha funcionalista eliminam a subjetividade das tarefas, provocando uma dicotomia de construção e destruição do significado do trabalho, colocando em risco o vínculo sócio organizacional.

Nesse contexto, o objetivo do presente artigo é jogar luz sobre as possibilidades de se pensar os processos decisórios através de outro paradigma. Para tal, usaremos princípios da sociologia e da ergologia. Estamos cientes que as convicções que norteiam as principais teorias dos processos decisórios são opostos aos das Clínicas do Trabalho. No entanto, frente a predominância do mecanicismo e a iminência de uma crise psicossocial, propomos elucidar e difundir o que o paradigma vigente não é o único caminho possível. Como dito por Enriquez (2006), o vínculo social não será reconstruído a menos que o desejo de reconstruí-lo seja compartilhado por várias pessoas.

No que tange ao diálogo entre psicossociologia e ergologia, ambas partilham o mesmo desafio: “integrar um olhar mais plural sobre a experiência dos trabalhadores em nossas

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análises, entendendo a complexidade dessa experiência; compreender saberes e valores operantes nas situações de trabalho, tendo em vista sua transformação” (CUNHA, 2014). Por meio da compreensão do sujeito inserido em agrupamentos diversos e da expressão do homem no trabalho enquanto ser singular e sociocultural, é possível pensar na ampliação das possibilidades de agir em função de melhorias das condições de trabalho.

Primeiramente, iremos apresentar as principais correntes teóricas de estudos dos processos decisórios, seguidas de estudos acerca do perecimento dos vínculos sociais nas sociedades pós-modernas. Em seguida, faremos uma proposta baseada no reconhecimento de saberes apresentado por Louis Durrive em seu livro Compétence Et activité de travail, publicado em 2016.

2 OS PROCESSOS DECISÓRIOS

Antes de adentrar na discussão, é necessário compreender quais são as teorias e práticas mais atualmente no que diz respeito aos processos decisórios. Apesar de ser construída dentro do

mainstream funcionalista, as abordagens dos processos decisórios são múltiplas e complexas.

Para Mintzberg (2010) a tomada de decisão é um processo de raciocínio que ocorre na cabeça de quem decide e pode ser considerada conforme Tsoukiàs (2008), uma atividade diária, que envolve desde decisões simples até as mais complexas, do nível individual até organizacional e interorganizacional. Enquanto Hansson (2005) cita o fato de não tomarmos decisões continuamente e que temos períodos em que as tomadas de decisões são feitas e nos outros períodos a implementação dessas decisões é realizada, a teoria da tomada de decisão tentar auxiliar na primeira etapa, ajudando na tomada de decisão. A teoria moderna de tomada de decisões foi desenvolvida na metade do século XX, com contribuições de várias disciplinas acadêmicas, como economia, estatística, psicologia filosofia e ciências sociais e políticas. Já Simon (1970) define que no processo decisório as alternativas consideradas são os meios adequados para se atingir os fins desejados, e que os fins são instrumentos para conseguir atingir objetivos mais distantes, gerando assim uma cadeia de meios e fins. Simon (1970), inclusive, compreende a tarefa de decidir em três etapas, sendo a primeira relacionar todas as possíveis estratégias, a segunda é determinar as consequências que serão geradas pelas estratégias e a terceira é avaliar a comparação dos grupos de consequências.

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De acordo com Porto (2004) a tomada de decisão é o processo de escolha para a resolução de um problema, que, em geral envolve a diferença entre a situação desejada e a situação real em que se encontra, onde é identificada soluções, os cursos de ação são avaliados e o plano escolhido é implementado. Lousada e Valentim (2011) destacam que a organização que não possui informação para subsidiar suas decisões estratégicas está em desvantagem em relação às concorrentes em seu segmento, pois não conseguirá analisar as alternativas de decisão em um tempo mínimo e reproduzir eficazmente o resultado da decisão tomada.

A informação é considerada insumo do processo decisório das organizações, portanto para que o gestor tome a decisão certa ele necessitará de informações internas e externas selecionadas, tratadas, organizadas e acessíveis para conseguir reduzir as incertezas. Assim, se faz importante que o acesso à informação ocorra no tempo certo, que a informação seja confiável e consistente.

Neste sentido Amaral e Sousa (2011) afirmam que o excesso de informação disponível e a necessidade de rapidez na tomada de decisão tende a relativizar a necessidade de se ter informações de qualidade, pois se torna mais difícil selecionar a informação realmente relevante e a concorrência global aliada aos meios de comunicação instantâneos força a tomada de decisão acelerada. Corroborando com a afirmação de Choo (2006, p. 324) de que “Uma decisão totalmente racional exigiria informações que a organização não tem capacidade de obter, e um processamento da informação que o ser humano não tem capacidade de executar”.

Dentro desta lógica, Choo (2006) apresenta quatro importantes modelos do processo de tomada de decisões, presentes na Figura 1, sendo eles o modelo racional, desenvolvido inicialmente por Simon, March e Cyert, o modelo processual, desenvolvido por Mintzberg, Raisinghani e Théorêt no artigo “The Structure of ‘Unstructured’ Decision Processes”, o modelo político, do trabalho de Allison, denominado “Essence of Decision: Explaining the

Cuban Missile Crisis” e por fim o modelo anárquico, que possui referências do trabalho de

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Figura 1 – Quatro modelos de tomada de decisões

Fonte: Choo (2006, p. 276)

O modelo Racional é orientado para objetivos, guiado por problemas e com comportamento regulado por normas e rotinas, possibilitando que toda a organização atue de forma procedimental e intencionalmente racional. O modelo trabalha com simplificações, como o uso de programas de desempenho, para contornar as limitações da mente humana e a complexidade dos problemas enfrentados (CHOO, 2006).

Os programas de desempenho podem possuir especificações sobre as atividades de trabalho, sobre produtos e sobre o ritmo de trabalho, mas eles não são totalmente rígidos, permitindo o discernimento do indivíduo, dependendo de estímulos ambientais e de dados de outras fontes. Os procedimentos operacionais são considerados a memória da organização, oferecendo estabilidade e orientação para execução de atividades e tomadas de decisões (CHOO, 2006). Os quatro conceitos do modelo de decisões desenvolvido por Cyert e March, representados na Figura 2, são (1) a quase resolução do conflito, na qual são utilizadas estratégias para resolver os conflitos de interesses entrecruzados, como cada unidade resolver racionalmente os problemas em seu campo de especialização, uso de regras aceitáveis para todos, no lugar das melhores regras e a preocupação com um objetivo por vez, permitindo que a organização continue a operar. (2) Evitam a incerteza tentando controlar o ambiente através associações comerciais e acordos formais, assim variáveis como preço e política de custos podem ser decididas conforme as normas acordadas, e também são utilizadas regras decisórias enfatizando o curto prazo, facilitando assim uma reação no lugar de prever fatos incertos de longo prazo. (3) A busca motivada por problemas, é resultado da ocorrência de um problema, dando início à busca de meios para resolver o problema, acabando quando é encontrada a

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solução, caso não seja encontrada na vizinhança do sintoma ela continua na vizinhança da alternativa atual. (4) O aprendizado organizacional ocorre por adaptação de objetivos com base no desempenho e experiência passada, adaptação de regras de atenção de acordo com o aprendizado sobre o ambiente, permitindo dar atenção a alguns critérios e ignorar outros, e adaptação de regras de busca, quando não é possível encontrar uma solução viável (CHOO, 2006).

Figura 2 - Modelo racional de tomada de decisões

Fonte: Cyert e March (1992, p.175)

O modelo processual, conforme Figura 3, aponta fases e ciclos que estruturam as atividades decisórias aparentemente complexas e dinâmicas. O modelo de Mintzberg e seus associados possui como elementos três fases decisórias principais, três rotinas de apoio às decisões e seis grupos de fatores dinâmicos. As fases decisórias são identificação, desenvolvimento e seleção.

Figura 3 - Modelo processual de tomada de decisão estratégica

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A primeira é composta por rotinas de reconhecimento onde são reconhecidos os problemas, as oportunidades e crises, iniciando a atividade decisória e rotinas de diagnóstico com objetivo de compreender relações causais relevantes para a situação decisória e também os estímulos que levaram à decisão, consultando antigos e abrindo novos canais de informação para esclarecer e definir os problemas (CHOO, 2006).

A segunda possui as rotinas de busca, em que são identificadas quatro tipos: A busca na memória, em que é realizada uma procura na memória que a organização possui, a busca passiva, onde ocorre a espera de alternativas não procuradas, a busca-armadilha que ativa geradores de busca, como permitir que fornecedores saibam o que se planeja comprar, e a busca ativa, procurando ativamente informações sobre alternativa. Outras rotinas encontradas são de criação que ocorrem com o desenvolvimento de soluções customizadas ou modificações de alternativas convencionais (CHOO, 2006).

A terceira é onde são avaliadas as alternativas e decidida qual a solução irá ser colocada em prática, ela possui as rotinas de sondagem, onde são eliminadas as alternativas que não são possíveis, reduzindo assim as opções que serão consideradas, a rotina de avaliação-escolha, em que ocorrem o julgamento, onde o indivíduo escolhe sua própria alternativa, a barganha, onde um grupo com interesses conflitantes tentam chegar em um acordo, e a análise, onde as alternativas e consequência são avaliadas de acordo com critérios para alcançar a melhor solução, e sua última rotina é de autorização, que define a trilha dentro da hierarquia organizacional de forma a conseguir apoio interno e externo, garantindo sua implementação. (CHOO, 2006).

Os seis grupos de fatores dinâmicos são interrupções, adiamento ou adiantamento de prazos, feedback, ciclos de compreensão e ciclos de fracasso. As interrupções ocorrem por forças ambientais, por desacordos internos, bloqueios causados por forças externas ou até mesmo o surgimento de novas opções durante o processo decisório. Os adiantamentos ou adiamentos de prazos, usados para regular o tempo de decisão, de forma a conseguir alguma vantagem. Os adiamentos de feedback ocorrem quando os responsáveis pelas decisões esperam pelo feedback das ações colocadas em prática. Os ciclos de compreensão são para compreender melhor as questões mais complexas, passando de uma rotina para outra de forma a entender e avaliar as alternativas disponíveis com seus múltiplos objetivos. Os ciclos de fracassos ocorrem quando não é possível encontrar uma solução aceitável, forçando o tomador de

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decisão a recuar para a fase de desenvolvimento, afrouxar os critérios de avaliação ou adiar o prazo de decisão (CHOO, 2006).

O modelo político analisa o mecanismo de decisão quando diferentes jogadores exercem diferentes graus de influência em posições variadas, resultando em uma decisão menos voltada para o racional. O modelo foi desenvolvido através de uma análise das tomadas de decisões durante a crise dos mísseis de Cuba, em que os modelos de tomada de decisões anteriores não conseguiam explicar as decisões tomadas, assim foi desenvolvido o modelo para mostrar que ações e decisões são resultados da barganha entre os jogadores (CHOO, 2006).

Neste modelo as ações e decisões são analisadas de acordo com quatro questões, a primeira é “quem são os jogadores?” que são os indivíduos que possuem interesses e ações impactando sobre o processo decisório, a segunda é “quais as posições dos jogadores?” esta é determinada pelos objetivos, interesses, ponto de vista e por suas reações aos prazos e eventos. A terceira pergunta é “qual a influência de cada jogador?” sendo esta o poder do jogador, como ele consegue barganhar, sua capacidade de influenciar outros jogadores, seu controle sobre as informações e sua autoridade. A quarta questão é “como a posição, a influência e os movimentos de cada jogador combinam-se para gerar decisões e ações?”, para o jogador exercer sua influência ele deve estar em alguma posição ligada aos canais que levam à ação, podendo assim interferir em alguma questão, que geralmente estão em canais estabelecidos, sendo assim os canais que estruturam o jogo decisório, determinando quem pode jogar, suas vantagens e desvantagens (CHOO, 2006).

O modelo anárquico, que possui como referência o modelo garbage can, trabalha com organizações que possuem preferências problemáticas, mal definidas e incoerentes, tecnologias obscuras, com processos e procedimentos desconhecidos pelos seus membros, e participação fluida com dedicação à diversas atividades com tempo e esforço variados, são definidas aqui como anarquias organizadas. A ideia principal é que as organizações são latas de lixo, onde são atirados os problemas e as soluções, neste caso as decisões são resultados de correntes independentes de problemas, soluções, participantes e situações de escolha (CHOO, 2006).

Sendo os problemas consequências da insatisfação com as atividades ou desempenho, as soluções são as ideias propostas, são respostas em busca de uma pergunta, elas existem

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independentemente dos problemas, os participantes vêm e vão de acordo com suas demandas, possuindo preferências e ideias para definir um problema ou solução, as oportunidades de escolha são os momentos em que a organização deve tomar uma decisão, oferecendo o ambiente para o encontro dos fluxos de problemas, soluções e participantes (CHOO, 2006). Dentro do método existem três maneiras diferentes de se tomar as decisões, sendo elas por resolução, onde o problema é pensado por determinado tempo antes da decisão ser tomada, por inadvertência, onde uma escolha é feita incidentalmente para realização de outra, e pela decisão por fuga, onde o problema original desaparece, deixando a escolha que pode ser feita sem resolver problema algum. Sendo as duas últimas maneiras as mais comuns dentro de anarquias organizadas, e são consideradas funcionais, pois podem gerar decisões sob condições incertas e conflituosas, com objetivos não definidos, com problemas não compreendidos e com participantes dedicando tempo e esforços variáveis ao problema (CHOO, 2006).

Comparando os quatro modelos com base nas suas pressuposições, sobre ambiguidade e congruência de objetivos, e incerteza ou complexidade técnica temos a Figura 4. O modelo racional possui clareza em seus objetivos e concordância de forma a orientar a decisão para eles, controlando a incerteza através de regras e programas de desempenho para simplificar as decisões. O modelo processual pressupõe também clareza nos objetivos, mas possui incerteza técnica cada vez maior à medida que os problemas oferecem múltiplas opções, tendendo a ser mais dinâmico e aberto. O modelo político possui foco nos objetivos conflitantes sobre as tomadas de decisões, possui incerteza técnica baixa já que cada jogador é claro sobre as preferências dentro do seu campo e os objetivos que busca alcançar. O modelo anárquico possui ambiguidade tanto em seus objetivos quanto em seus procedimentos (CHOO, 2006).

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Figura 4 - Busca e uso da informação na tomada de decisões

Fonte: Choo (2006, p. 301)

3 CRÍTICA AO MODELO FUNCIONALISTA E UMA NOVA FORMA DE PENSAR OS PROCESSOS DECISÓRIOS

O vínculo social tem se desfeito mais rapidamente devido ao aumento da violência por excesso, que visa reprimir o sujeito e aliená-lo do sentido de seus atos. A partir do século XIX - e mais intensamente durante o século XX, percebeu-se a predominância da racionalidade instrumental/econômica que submete todos os seres ao reino do dinheiro. Esse “endeusamento” do capital permite que aqueles que o detenham em maior quantidade possam usá-lo para rebaixar, intimidar e dominar aqueles que não o possuem (ENRIQUEZ, 2006). Nesse cenário, o trabalhador abre mão do sentido do labor enquanto atividade fundadora do ser social e passa a atender os interesses do capital, de forma que o produto de seu trabalho é estranho a ele. Esse fenômeno cria barreiras para o desenvolvimento dos potenciais naturais humanos e reduz o trabalho a um meio alienado de seu fim (NAVARRO; PADILHA, 2007). Paugam (1999) aponta que as dificuldades encontradas no meio profissional estão diretamente relacionadas ao enfraquecimento dos vínculos sociais. Dentre essas dificuldades, citamos a exploração física e psíquica do trabalhador. Durante o período de ascensão do Taylorismo e,

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posteriormente, do Fordismo, existe uma perda significativa do controle do trabalhador sobre o processo laboral e a apropriação de seu tempo por meio da gerência, desencadeando um distanciamento significativo entre a concepção e a execução do trabalho. Em meados dos anos 70, esse formato se torna obsoleto e dá lugar a um modelo mais flexível, o Toyotismo, que mantém as formas objetivas e aumenta as formas subjetivas de controle e exploração do trabalho (NAVARRO; PADILHA, 2007).

Aumento da carga de trabalho, pressão com relação ao tempo e à produtividade, falta de controle e autonomia sobre as tarefas, aumento da complexidade do trabalho, baixas remunerações e a falta de suporte por parte de supervisores, gerentes e colegas são algumas das consequências da aplicação desenfreada desses modelos. Nesse cenário, corresponder aos ideais de produtividade e excelência exigidos pelas empresas é uma tarefa cada vez mais inviável. A lógica organizacional carrega uma contradição paradoxal entre o que é possível ser e o ideal de ser, contribuindo para o crescimento do mal-estar no trabalho, podendo levar ao adoecimento psíquico do sujeito (burnout). Nesse sistema, evidencia-se “um crescimento da força serializante do sistema de produção atual, capaz de engendrar a luta individualizada, a perda dos laços sociais e a desconstrução das identidades coletivas” (CASTRO; ZANELLI, 2010, p. 51). Em função desse processo, o trabalhador perde a dimensão do seu trabalho: ele só cabe saber qual tarefa deve cumprir, e nada mais a respeito disso. Se perguntassem a ele qual o motivo de estar fazendo aquele trabalho, ou porque o faz daquela maneira, ele não saberá a resposta. "Seu significado [da atividade] se esgota completamente em sua utilidade" (DURRIVE, 2016, p.37, tradução nossa). Nesse contexto, o trabalhador é mero objeto e o processo de construção do significado do trabalho é destrutivo, evidenciando as contradições ilógicas do sistema.

Afora os efeitos causados pelas contradições que o capitalismo compele ao trabalho, o desemprego também carrega aspectos que contribuem para o enfraquecimento do vínculo social. Percebese que aquele que se encontra em uma situação de fracasso profissional -dificuldade de encontrar o primeiro emprego ou recolocação no mercado de trabalho, por exemplo - toma consciência da distância que existe entre ele e a maior parte da população, sendo levado a crer que seu fracasso é notável diante da sociedade. Essa experiência é especialmente dolorosa quando atinge indivíduos de classes mais baixas que estão no auge da vida ativa. Na situação em que a ausência de atividade laboral remunerada gera a diminuição da sociabilidade, é mais difícil obter auxílio vindo de seu meio. Procurar apoio em redes de

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assistência comunitária não é uma opção considerada em função da carga de inferioridade que essa situação carrega. “Como a desclassificação social é uma experiência humilhante, ela desestabiliza as relações com o outro, levando o indivíduo a fechar-se sobre si mesmo” (PAUGAM, 1999, p. 74).

O visível crescimento do mal-estar no trabalho, bem como casos de adoecimento em função da atividade laboral (como, por exemplo, o burnout), permite pressupor que vigora um processo de perda de laços e de reciprocidade grupal dentro das organizações. Parte desse mal-estar é gerado pela centralização do poder gerencial em um grupo cada vez menor, o que faz com que grande parte do coletivo de trabalhadores se veja em uma situação contraditória e precária. A mecanização, a divisão do trabalho e o estímulo contínuo a competição serializa o campo sócio organizacional, transformando as relações interpessoais em um campo de batalha (CASTRO; ZANELLI, 2010). Como fortalecer o vínculo social em um ambiente onde, ora deve-se trabalhar como equipe, ora deve-se lutar contra o colega da mesa ao lado?

Enriquez (2006) ainda aponta que o crescimento do poder do estado é um problema fundamental que corroboram com a desarticulação dos vínculos. No contexto norteado pelo dinheiro e pela condição econômica, homem é submetido a esse poder, de forma que o estado tem autonomia para determinar quem “merece” fazer parte do estado-nação e quem pode ser descartado - o autor cita, como exemplo, o que ocorreu na Alemanha Nazista. Dessa forma, o governo pode exigir que o cidadão se identifique completamente com os seus valores, transformando o “homem-camponês”, “homem-comerciante” e o “homem-artesão” em apenas “homens”, genéricos, rebaixados à condição de sub-homens.

Atualmente, percebe-se que, nas grandes organizações empresariais, o poder decisório se encontra concentrado em um pequeno grupo de indivíduos dotados de um projeto de gestão institucional paradoxal guiado pelo novo espírito do capitalismo. Tomando como exemplo as corporações de capital aberto, os acionistas majoritários detêm o poder de decidir quem será o presidente da empresa, quais os padrões de gerenciamento adotados, os meios de produção, determinar a rentabilidade considerada satisfatória e quais os caminhos serão percorridos para alcançá-la. Dessa forma, detém um projeto organizacional que força a maior parte dos membros da empresa a viver e produzir em um ambiente contraditório, alienados dos objetivos finais de suas tarefas, de forma que o significado do trabalho é construído e aniquilado mutuamente. A relação entre os grupos supracitados se dá em um processo

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serilizado caracterizado por “antagonismos, contradições, tensões, oposições e acordos, como fatores inerentes ao processo organizacional em curso.” (CASTRO; ZANELLI, 2010, p. 49). Nesse contexto, para recompor os vínculos sociais, é necessário pensar os processos decisórios na organização de forma que (1) o objetivismo dê lugar a um paradigma antropológico, com foco na compreensão dos sentidos; (2) se faça oposição ao funcionalismo e às suas contradições enraizadas; (3) a análise de variáveis inertes seja substituída por uma abordagem clínica, que elucide as experiências vividas pelos trabalhadores em seu meio; e (4) compreenda-se o sujeito como produtor e produto do processo organizacional (CASTRO; ZANELLI, 2010). Para pensá-los dessa forma, implicamos a proposição realizada por Durrive (2016), de dar protagonismo aos saberes do sujeito durante a tomada de decisão.

De acordo com Navarro e Padilha (2007), a divisão do trabalho e o processo de disciplinarização dos trabalhadores precarizou o labor e implicou em um processo de apropriação dos saberes, antes pertencentes aos artesãos, por meio de mecanismos de controle social ardilosos. As organizações tayloristas veem os operários como um cérebro vazio, unicamente operacional e guiado pelas relações hierárquicas. Ao ver, aceitar e internalizar que as capacidades daqueles trabalhadores se limitam a ações mecânicas e repetitivas, a empresa suprime seus saberes, limitando a representação do trabalho (DURRIVE, 2016)

Na atual conjuntura, a participação direta dos protagonistas das situações de trabalho nos processos decisórios se mostra essencial para desenvolver as respostas rápidas e adaptadas exigidas pelo mercado em função dos avanços tecnológicos ocorridos nas últimas três décadas. Nesse sentido, as grandes corporações têm optado por promover a coletivização dos saberes, ou seja, a troca de conhecimentos e experiências entre os membros da empresa, de modo a implicar efetivamente as experiências práticas nos processos. No entanto, Durrive (2016) aponta que esse processo é comprometido pela dificuldade de se promover essa troca em níveis hierárquicos diferentes, de forma que, novamente, a perspectiva do trabalhador não alcance o nível hierárquico onde o processo decisório ocorre.

O primeiro passo para pensar o processo decisório como meio de inserção do trabalhador no meio de trabalho para fortalecimento do vínculo é "compreender que a realidade não é apenas um conjunto de fatos sobre os quais podemos todos acordar e sobre os quais em seguida podemos todos intervir com toda objetividade" (DURRIVE, 2016, p. 143, tradução nossa). É preciso considerar os processos de desaderência do sujeito, levando-se em consideração que

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as normas postas são interpretadas de maneira subjetiva, de modo que nunca poderão ser neutras. Por meio desses processos, o sujeito pode intervir eficazmente nos processos, incluindo noções de valores que não servem apenas à lógica do capital, mas os valores que são trabalhados no meio social, os valores humanos.

O equívoco é pensar na subjetividade sem considerar as competências e os processos de desaderência. Os gerentes contemporâneos incrementam a subjetividade nos processos decisórios de forma a tentar elaborar uma árvore de decisão que contemple todas as possibilidades, contextos e comportamentos possíveis. Esses interpretam as competências como uma combinação de elementos que pode ser descrita com um algoritmo fixo. No entanto, este só pode resultar em um número limitado de ações, fazendo com que a proposição falhe em si mesma.

Como uma árvore de possibilidades poderá comportar uma infinidade de sub-ramos e ainda funcionar como uma árvore de decisão? Acima de tudo, como uma combinação pode produzir um comportamento inédito? Por definição, ele combina elementos já presentes. Por inédito, devemos, portanto, apenas ouvir o que ainda não foi encontrado na experiência do agente, mas que um cientista teria por previsível. Este agente é simplesmente revertido para uma associação bem conhecida, mas ignorada por ele. Novamente, portanto, não há espaço para uma infinitude. (DURRIVE, 2016, p. 63, tradução nossa).

Para incluir, efetivamente, o trabalhador no processo decisório é importante compreendê-lo enquanto protagonista da atividade laboral, direcionando a visão para além dos condicionantes da atividade, mas para como o trabalhador constrói e é construído, influencia e é influenciado, interfere e sobre interferência do meio. E dessa maneira, assimilar a presença da subjetividade como atividade em si, incorporando os saberes, as noções de aderência-desaderência, a historicidade, os valores e o uso de si. É indispensável reconhecer que “não somente cada indivíduo é uma fonte de saberes de experiência, mas, além disso, ele vai gerar novos saberes, graças às relações que ele estabelece com seus pares” (DURRIVE, 2016, p. 8, tradução nossa) possibilita incluí-lo ativamente no processo decisório de forma a promover a expropriação desses saberes; consequentemente diminuindo as contradições e antagonismos existentes no processo de significação do trabalho e reestruturando o vínculo social do trabalhador.

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4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O objetivo do presente ensaio foi jogar luz a uma possibilidade de se pensar os processos decisórios para além do viés funcionalista. Utilizando-se os caminhos propostos por Louis Durrive em seu livro Compétence Et activité de travail, é possível levar em conta os saberes particulares de cada sujeito envolvido ou afetado por esse processo, diminuindo a serilização e a fragilidade dos vínculos sociais. É preciso compreender que a tomada de decisão é feita baseada em valores e saberes particulares, presentes na subjetividade daquele a quem cabe a decisão (CUNHA, 2014).

Mostra-se, também, que o campo dos processos decisórios é fértil para a elaboração de trabalhos científicos que busquem se debruçar sobre o objeto através de uma lupa que vá além do homem máquina. Como apontado por Durrive (2016), a tomada de decisão do sujeito não é produto das normas, mas da interpretação das mesmas, de forma que essa não possa ocorrer de forma neutra, racionalizada ou prevista por meio de um algoritmo.

Retomando a fala de Enriquez (2006), é cada vez mais comum que os sujeitos se deem conta dos problemas que confrontados e se questionem acerca dos mesmos. A presença de uma pessoa capaz de ajudá-los a pensar sobre suas ações, para que possam conceber outras possibilidades e construir novas instituições é de suma importância. Essa interação é capaz de promover a experimentação social necessária para avaliar as regras vigentes, se livrando daquelas que não fazem sentido e reincorporando aspectos importantes que foram esquecidos. Talvez, dessa forma, possamos construir uma forma social e humana de conceber o mundo.

REFERÊNCIAS

AMARAL, Sueli Angelica; SOUSA, Antonio José Figueiredo Peva. Qualidade da informação e intuição na tomada de decisão organizacional. Perspectivas em Ciência da Informação, v. 16, n. 1, p. 133-146, 2011.

CASTRO, Fernando Gastal; ZANELLI, José Carlos. Burnout e perspectiva clínica:

contribuições do existencialismo e da sociologia clínica. Revista Psicologia: Organizações e Trabalho, v. 10, n. 2, p. 38-53, 2010.

CHOO, Chun Wei. A organização do conhecimento: como as organizações usam a informação para criar conhecimento, construir conhecimento e tomar decisões. 2. ed. São Paulo: Senac São Paulo, 2006.

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WEAKENING OF BONDS, WORK AND COMPETENCIES: THINKING

THE DECISION-MAKING PROCESS BEYOND THE FUNCTIONAL

PARADIGM

Abstract: This article aims to complement the discussion on decision-making processes,

incorporating new perspectives and taking into account the precariousness of work, together with factors such as increased workload, low salaries and pressure for productivity, that are likely to trigger or weaken social bonds. Studies on modern decision-making have contributions from important academic areas, such as economics, philosophy, statistics, among others. From these, four models became seminal in the scope of organizational studies: rational, procedural, political and anarchic. The rational is goal-oriented, guided by rules, routines and performance programs. The procedural has phases and cycles that structure complex and dynamic decision-making activities, through routines of search, knowledge, creation and evaluation of decision alternatives. The politician has conflicting goals and interests and the certainty about preferred approaches and results. The anarchic model makes an assessment of search, attention and decision rules, as well as ambiguity in objectives and procedures. Even with different and rich perspectives, the models share a common point: they start from a functionalist bias, based on the Taylorist view of the man-machine and disregarding subjectivity in the decision-making process. In this context, it is necessary to include the subject in the decision-making process, allowing a thought about their actions and making it possible for this exchange to generate new possibilities to be applied in organizations.

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ANAIS VIII SITRE 2020 – ISSN 1980-685X Apresentação Oral

A EXPRESSIVIDADE DA PRÁTICA NA MANUTENÇÃO DE

MICROMUNDOS: O CASO DO ROBÔ SOLDADOR

doi: 10.47930/1980-685X.2020.1802 RADICCHI, Natália – nradicchi@ufmg.br

UFMG, Escola de Engenharia, Departamento de Engenharia de Produção Av. Presidente Antônio Carlos, 6627

31270-901 – Belo Horizonte – Estado – Brasil RIBEIRO, Rodrigo– rodrigoribeiro@ufmg.br

UFMG, Escola de Engenharia, Departamento de Engenharia de Produção Av. Presidente Antônio Carlos, 6627

31270-901 – Belo Horizonte – Estado – Brasil DETOIE, Luciana – ldetoie@ufmg.br

UFMG, Escola de Engenharia, Departamento de Engenharia de Produção Av. Presidente Antônio Carlos, 6627

31270-901 – Belo Horizonte – Estado – Brasil

Resumo: A Inteligência Artificial (IA) enfrenta algumas limitações quando o ser humano

busca, por meio de regras, dar todas as condições para o funcionamento das máquinas. A regressão ao infinito de regras desafia os programadores a buscarem todas as situações possíveis do contexto em que as máquinas irão atuar. O conceito de micromundo - um modelo com regras definidas para uma situação específica - é uma alternativa em que se pressupõem ambientes controlados nos quais as máquinas possam atuar com relativo sucesso. Entretanto a criação de um micromundo gera outro problema que é saber quais dados são relevantes para todas as situações que a máquina encontrará. A criação de um modelo fechado demanda, durante a ação da máquina, a atuação de um experiente com habilidades incorporadas construídas por meio da prática na atividade. A questão é que no mundo real, condições externas e não previstas influenciam diretamente o funcionamento das máquinas e para enfrentá-las, o ser humano passa a ter que atuar com sua percepção sobre as coisas.

Para discutir este assunto, o presente artigo traz alguns conceitos abordados por Dreyfus sobre as limitações existentes na construção de micromundos. Além disso, aborda-se que essas limitações geram a dependência da atuação humana que detém a capacidade de interagir com o contexto. Para isso, alguns casos reais são apresentados como forma de

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mostrar como as habilidades adquiridas com a prática da atividade são necessárias para dar condições de funcionamento às máquinas, ou em outras palavras, para adaptar seus micromundos.

Palavras-chave: Micromundo. Prática. Percepção. Soldagem.

1 INTRODUÇÃO

O aumento do uso de robôs industriais demanda um novo profissional: o “robotista”. Com perfil multidisciplinar, o robotista é responsável pela criação e manutenção dos “micromundos” nos quais os robôs irão atuar.1 O problema, como Dreyfus (1988: 74) já

previa, é que o “micromundo” do robô é limitado, fechado em si mesmo. O robô opera com sucesso em um ambiente controlado, mas falha quando algo do mundo real, não antecipado pelo robotista ou pelos projetistas do robô, ocorre durante a execução de uma rotina. O robô não antecipa problemas ou resolve imprevisto, como o faz um operador humano.

As principais atribuições de um robotista são, entre outras (i) dominar as especificações da atividade que o robô irá reproduzir (ii) programar e adaptar programas para que os robôs executem a atividade e (iii) diagnosticar problemas e dar manutenção para reestabelecimento dos sistemas robóticos. Ou seja, sem o robotista o robô não funciona dentro da qualidade e precisão projetadas.

Pode-se pensar que, entre as habilidades do robotista, a de programar o robô é a mais significativa, mas isso não é verdade. A intervenção em ambientes automatizados demanda uma bagagem histórica e prática que é traduzida em habilidades incorporadas que o robotista usa para fazer julgamentos e regulações no ambiente de produção do robô, no seu micromundo. Em outras palavras, a experiência do robotista naquilo que o robô executará tem grande contribuição para que ele seja um robotista de alto nível.

A experiência na execução da atividade é o que dá ao robotista noção do é relevante ao interagir com as máquinas. De acordo com Dreyfus (1972, p.236) essa relevância percebida

1 Em sua crítica à Inteligência Artificial (IA), Dreyfus argumenta que modelos criados são incompatíveis com a

realidade que pretendem retratar, ou seja, a IA seria o local onde “cada modelo - ou ‘micromundo’ ... fala sobre um país das fadas no qual as coisas são tão simplificadas que quase todas as afirmações sobre eles seriam literalmente falsas se afirmadas sobre o mundo real” (Minsky e Papert, 1970: 39, citado por Dreyfus, 1988, pag 74).

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pelo indivíduo não possui um modo fixo e sim se dá em função do objetivo humano, caracterizada pela situação. Portanto cabe ao robotista, de acordo com seus objetivos durante a ação, julgar como adaptar o micromundo da máquina ao contexto.

Este artigo tem como proposta entender a contribuição do robotista no processo de manutenção de micromundos para robôs industriais. Para tal foi observada a atuação de um robotista responsável por robôs de soldagem em uma indústria automobilística. Pressupõe-se que a criação de um micromundo para permitir a atuação do robô na atividade demanda a ação do robotista durante a atividade. Como resultado, verificou-se que as habilidades do robotista de soldagem refletem no diagnóstico, antecipação e solução de problemas que ocorrem no micromundo do robô.

Esse artigo foi divido da seguinte forma. Após essa breve Introdução, discute-se a relevância do robotista em ambientes automatizados e como a experiência prática ajuda na sua percepção. Aborda-se então sobre a necessidade do micromundo para atuação dos robôs. (Seção 2). Em seguida, apresenta-se o caso analisado e a metodologia de pesquisa adotada (Seção 3), assim como os resultados da mesma. Posteriormente apresenta-se a relação entre o embasamento teórico e os resultados obtidos (Seção 4) e, por último, na quinta seção, pretende-se consolidar a análise de como a prática em soldagem contribuiu para a atuação do robotista.

2 A CONTRIBUIÇÃO DA PRÁTICA PARA MANUTENÇÃO DE MICROMUNDOS

Para programar parte das tarefas humanas em um sistema técnico é necessário extrair do indivíduo as regras que definirão como fazer e o que fazer, tentando evidenciar ou objetivar o que for possível do saber prático. A objetivação de funções cognitivas não antecede a substituição ou eliminação do trabalho humano, mas apenas daquelas funções com similaridade ao funcionamento das máquinas (“atos maquinais”, cf. Collins, 1989). A atividade humana é subjetiva e consequentemente ganha mais relevância a medida que são objetivadas tarefas para as máquinas (LIMA; SILVA, 2000, p.4).

Entre os aspectos da atividade humana, um que não pode ser automatizado é a habilidade do trabalhador de interagir conscientemente com o processo em curso, antecipando-se à ocorrência de fatos diversos. Essa interação é contínua e enriquece a estrutura do

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comportamento humano, impregnado pela flexibilidade, adaptabilidade, desenvolvimento e aperfeiçoamento das formas de regulação (LIMA; SILVA, 2000, p.32).

2.1 O micromundo e suas fronteiras

Em suas críticas a IA, Dreyfus apresenta algumas ideias que se demonstraram insuperáveis pela Inteligência Artificial e introduzem fronteiras à idealização de micromundos. Parte do problema de repassar inteligência para máquinas é que não existe possibilidade de seres humanos agirem somente seguindo regras. Os seres humanos interagem em situações usando a relevância, algo que os modelos não conseguem replicar. Por uma visão gestáltica entende-se que o entende-senso de relevância humano é holístico diferentemente do modelo simbólico que entende-se demonstra mais simplista.

De acordo com Wittgeinstein (2009) não basta aprender as regras para aplicá-las. As regras são situacionais, requerem experiência e são aprendidas por socialização. Para ele, seguir uma regra depende do contexto, então a ideia de automatizá-la por completo se torna algo contraditório. Os programadores enfrentam então a regressão ao infinito das regras, ou seja, a impossibilidade de definição de todos os aspectos relevantes para execução de uma atividade qualquer.

O contexto ou situação em que o ser humano está inserido orienta o comportamento humano que pode ser ordenado, mas sem ser normativo, ou seja, ao agir o indivíduo segue regras não previsíveis. Em situações de livre contexto, sem delimitações formais, determinar o que deve ser considerado entre os fatos relevantes é algo complexo. Nem todos os fatos passíveis de objetivação devem ser considerados para determinada situação, como o caso, por exemplo, da relevância de saber o peso das peças em um contexto de jogo de xadrez. (DREYFUS, 1972, p. 234)

Dreyfus compartilha que a relevância apresenta então um dilema para a criação de micromundos para máquinas: O programador deve optar entre imputar inúmeros dados ou excluir alguns dados que julga serem irrelevantes. A ideia de se criar um micromundo é uma alternativa para limitar a atuação da máquina identificando o que deve ser relevante. A questão é que mesmo restringindo o universo ao problema particular, a dificuldade é saber qual informação é realmente necessária para a situação.

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Ao delimitar um número de regras específicas, os eventos não previstos que surgem durante a situação podem comprometer o funcionamento da máquina. É o caso, por exemplo, quando se espera que um computador preveja a melhor aposta em uma corrida de cavalos. Na construção do micromundo do programa o programador pode não ver relevância no estado emocional de um jóquei em uma corrida de cavalos. Entretanto, caso o jóquei brigue com o proprietário ou perca um ente próximo, o resultado da corrida pode ser comprometido, mesmo o computador tendo em sua base de dados uma infinidade de informações. (DREYUS, 1972, p.238)A resposta para essa limitação das máquinas não é encontrada em avanço tecnológico que permita delimitar de forma clara o micromundo ou até mesmo ampliar a capacidade de processamento do programa. A presença do indivíduo atuando junto à máquina não se limita à criação do programa. Mesmo um micromundo projetado para uma situação específica depende de antecipação, controle e regulações feitas pelo ser humano no curso da atividade para funcionar corretamente. No caso de robôs de produção o fabricante que projeta o modelo não consegue prever todas as variáveis presentes na atividade. Desta forma, para garantir o bom funcionamento da máquina, é preciso dar constante manutenção em seu micromundo e é sob esse aspecto que este artigo analisará a atuação do robotista.

Trazer para o micromundo experiências reais, vivenciadas, de um ambiente não controlado auxilia na escolha de quais variáveis são relevantes para a construção do modelo. A prática exercida pelo experiente com a atividade é o que cria uma bagagem para intervenção no micromundo. Essa experiência prática se traduz em habilidades incorporadas no ser humano e pressupõe a presença de um corpo capaz de socializar. A forma como o corpo é essencial na percepção humana pode esclarecer o quê da experiência humana contribui para o micromundo.

2.2 Os tipos de Conhecimento e as características da Percepção Humana

Considerando os dois tipos de conhecimento – tácito e explícito – aborda-se nesse artigo uma visão de que ambos não estão em extremidades distintas e se complementam. Polanyi (1969, p. 144), compartilhou que “o conhecimento explícito deve apoiar-se em ser tacitamente entendido e aplicado”. Portanto objetivar parte do saber para a máquina acarreta perdas que deve ser compensada pela presença do ser humano.

O reconhecimento do que aparece para o ser humano não se limita a um processamento mental e essa percepção é descrita na Fenomenologia da Percepção. A percepção humana se

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comporta de forma bem mais complexa do que a abordagem simbólica pode explicar. Merleau-Ponty (2012 [1945]) compartilha, em sua obra, fundamentos gerais da percepção e aspectos situados vividos por experiências individuais. Para ele, quando o indivíduo interage pela primeira vez com uma situação, ocorre o nascimento do sentido, o que é chamado de sincronização. Para que algo nos apareça com sentido, é necessário sincronizarmos de forma personalizada com o que nos aparece (sensível).

Sem esse histórico de exploração da atividade, que está presente no indivíduo, o sensível não é nada mais que uma solicitação vaga. Lidar com o mundo habilmente implica em utilizar as experiências incorporadas, registradas no campo fenomenal2 do indivíduo, de forma a

transformar o que será percebido. Isso explica porque indivíduos sem experiência não conseguem, ao ver uma unidade figura-fundo, perceber sentido, fato que ocorre com o resultado de vivências anteriores. A ideia de figura-fundo se dá no sentido de que existe um campo por trás do que é percebido. (RIBEIRO, 2014).

A percepção é personalizada, pois indivíduos possuem seus corpos polarizados de formas distintas. Essa polarização ocorre como linhas de força que ligam os indivíduos ao mundo perceptivo. Ribeiro (2014) então complementa que uma situação aparece de forma distinta para quem tem experiência3. Um novato pode olhar, mas não enxergar risco em uma situação

em que um experiente claramente percebe estar fora do normal.

As habilidades vivenciadas e incorporadas são o que permite ao experiente essa percepção de relevância, diferença e risco e que justifica a atuação humana como sendo fundamental em ambientes automatizados. Não é intenção de que esse artigo aborde o limite da atuação da máquina. Busca-se, entretanto, entender como a experiência adquirida pelo robotista durante a prática da atividade torna-se relevante para a atuação junto aos robôs.

3 RESULTADOS

Em uma planta industrial que produz máquinas destinadas ao setor de construção apresentou-se a necessidade de buscar um sucessor para a função de robotista. Atualmente somente um funcionário executa esta função, que possui demanda intensa e necessita de muita experiência

2 Campos Fenomenológicos são moldados de acordo com a experiência do indivíduo (Ribeiro, 2014, p.3) 3 O autor ainda complementa que “É a experiência que colore o mundo e atribui significado. No entanto esse

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acumulada. Considerando que o atual robotista tinha toda essa experiência necessária para a função, a maior dificuldade encontrada pela empresa para resolver o seu problema de sucessão era a de identificar como compartilhar habilidades do robotista com os demais funcionários.

Nessa pesquisa de campo com foco na análise ergonômica do trabalho, o robotista foi observado durante nove meses, sendo possível acompanhá-lo em diversas atividades diárias. Além do robotista, outros funcionários também foram observados quando atuavam junto ao experiente ou quando precisavam substituí-lo4.

O trabalho junto aos robôs de soldagem exige habilidades de manutenção, programação e soldagem. O robotista possui experiência prática no processo de soldagem, além disso, trabalhou durante muito tempo na empresa fabricante dos robôs, onde adquiriu experiência na manutenção das máquinas e conhecimento sobre a fabricação delas. Ao longo de sua experiência ele compartilhou que teve dois “padrinhos” que ensinaram sobre solda e robótica. Somado a esse histórico o robotista possui amplo domínio de programação, ou seja, agrega em si as múltiplas expertises necessárias para a atuação junto aos robôs, o que justifica o diferencial deste funcionário perante a empresa.

Com a promoção do robotista e consequente redução da sua disponibilidade na planta, um eletricista foi designado para substituí-lo em suas atividades. Esse novo cenário permitiu evidenciar a importância das habilidades relacionadas ao processo de soldagem na manutenção do micromundo dos robôs. O eletricista possui ampla experiência em manutenção elétrica, porém não tem histórico de prática relacionada ao processo de soldagem. Além disso, apesar de já participar de algumas aulas ministradas pelo robotista sobre programação, ainda é iniciante em relação a esse assunto. Ou seja, é um substituto que não apresenta o mesmo nível de desenvolvimento das habilidades necessárias para a função, quando comparado ao próprio robotista.

Para o robotista, os robôs têm como objetivo fazer uma solda bem feita, como um “ser humano perfeito” ou seja, replicar a ação humana. Além disso, o “olhar” para a solda deveria ser o principal caminho. Esse “olhar” fica mais claro para quem tem experiência com soldagem conforme um Operador de Solda compartilhou, ao explicar sua ação. Para ele, na

4 Durante a pesquisa o robotista foi promovido a uma posição de nível mundial na empresa. Em função disso, ele

teve que se ausentar por alguns períodos, sendo necessário que outros funcionários realizassem atividades de sua responsabilidade.

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execução da atividade manual você consegue perceber quando a solda está “respingando demais e muito dura”.

“Soldador quando ele tá soldando, ele sente, ele vai maciinho, entendeu, a solda vai derretendo certa. Agora, começou a pipocar, bater, tem alguma coisa errada. (...). Aí eu julgo muito por causa do robô, né? O robô é o mesmo sistema, só que ele é automático” Operador C.

Para melhor exemplificar a contribuição do robotista para o funcionamento dos robôs, serão apresentados a seguir casos em que os experientes usam suas habilidades na execução das atividades e casos em quem não tem experiência, tem dificuldade em atuar na manutenção do micromundo dos robôs. Além disso, será possível perceber que a experiência com o processo de soldagem se mostra fundamental para a intervenção nos robôs.

3.1 Como a solda contribui para o diagnóstico

Durante um dia de produção um robô apresentou um problema na distância entre o bico da tocha e a peça soldada (chamada stick out), que deveria ser constante, mas aumentava com o tempo. Este defeito deixava a solda alta, ou seja, sem a correta distribuição entre as duas peças a serem soldadas. De acordo com o Operador que atuava naquele dia na máquina, a solda deveria se abrir mais entre as peças, sem deixar uma concentração no meio da solda conforme estava acontecendo (ver “Figura 1”).

Figura 1- Solda alta x Solda Normal

Fonte: Os autores

O eletricista era o responsável pela manutenção do robô naquele dia, pois o robotista estava ausente. Os operadores dos robôs, principalmente quando o robotista não estava presente, usualmente contribuíam para resolução do problema, uma vez que conheciam bem o funcionamento das máquinas e tinham experiência no processo de soldagem.

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No dia da ocorrência, o operador responsável pelo robô solicitou a presença do eletricista relatando o problema. Após analisar o cenário, o eletricista tomou algumas iniciativas para tentar resolver o problema, cuja sequência é possível ver na “Tabela 1”. Além disso, ele enviou uma foto da solda para o robotista por mensagem de celular, relatando também o que estava acontecendo com o robô. O robotista por sua vez orientou remotamente o eletricista sobre quais intervenções deveriam ser feitas (ver “Tabela 1”). O que se observou, no entanto, é que mesmo recebendo orientações do robotista, o eletricista seguiu um caminho diferente.

Tabela 1 - Resolução do problema da solda alta

Eletricista Robotista

Caminhos para resolução do

problema

 Cabo terra e terminais  Memória da placa  Stick out  Placa de controle da máquina de solda  Parâmetros da solda  Cabeçote (Roldana)  Gás  Máquina de Solda

 Teste no Robô 2 com ca-beçote e máquina de sol-da do Robô 4  Cabeçote  Alimentação do arame  Cabo da tocha  Tocha  Cabo terra Fonte: Os autores

Após analisar as diferentes tentativas feitas pelo eletricista e pelo robotista, foi possível perceber que o caminho do robotista versava sob a ótima da sua experiência em manutenção elétrica, enquanto que o do robotista considerava a solda como um fator determinante. Para o eletricista a solda apareceu como um problema, mais nada, além disso. Já para o robotista, mesmo que remotamente, a solda mostrou mais. Ele viu na foto uma solda fria e alta, mesma opinião do operador de solda, que também tem grande experiência no processo de soldagem. O robotista ainda compartilhou que quando isso ocorre, o arco de solda fica instável e dá para “perceber o problema com a orelha sem ver nada”.

Para ambos a solda estava precisando de mais fusão, pois não havia se distribuído de forma homogênea em ambas das peças metálicas, fato que foi determinante para o diagnóstico

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assertivo. O robotista em uma entrevista posterior a atividade compartilhou que a dificuldade apresentada pelo eletricista de ver o problema dependia de experiência com atividade.

“E no robô é muito difícil mesmo. Você tem que trocar componentes por componentes até achar (...) aí você tem que entender um pouco de solda, processo de solda. Nada a ver com o robô” Robotista.

O robotista e o operador tiveram percepções distintas, em relação ao eletricista, ao verem a solda concentrada e isso teve impacto nas ações de manutenção tomadas na sequência. O eletricista escolheu uma série de ações, totalizando nove diferentes intervenções, que totalizaram três dias de trabalho e cinco dias de parada na operação da máquina (2 dias de final de semana). As escolhas feitas pelo eletricista, que versaram sob um viés elétrico, acabaram prolongando o tempo em que o robô apresentou problema. O relevante neste caso era analisar a solda e verificar a partir dela todas as ações necessárias para corrigi-la. Sob este aspecto, as orientações dadas pelo robotista seriam as mais adequadas para resolver o problema e com isso, reestabelecer mais rapidamente as condições de operação do robô. 3.2 As percepções relacionadas ao processo de soldagem

A importância do conhecimento em soldagem para o diagnóstico de problemas e para a manutenção do micromundo dos robôs também foi evidenciada em outras situações. Em uma nova parada de um robô em que o eletricista foi chamado para resolver, o operador do turno compartilhou que a solda estava com um defeito – havia nela a presença de poros, além de respingos na peça.

De acordo com o operador, a presença de poro indica a liberação errada do volume de gás, em menor ou menor quantidade, o que leva a necessidade de verificar o nível de fluxo de gás, logo que este problema for percebido. Além disso, o poro pode ser sinal de sujeira ou obstrução no bocal da tocha de soldagem, pois está associado à contaminação da superfície. Para o eletricista, que era o responsável pela manutenção no robô, essas possibilidades inicialmente não apareceram e ele se embasou na opinião do operador para buscar uma solução para este problema. Neste caso, sugeriu a troca do cabo ou do conduíte, que são dois componentes elétricos, para resolver o problema.

Outro elemento que pode auxiliar os experientes no processo de soldagem é o som. Tanto os operadores quanto o robotista afirmam que o que se ouve durante a soldagem “diz” muito sobre como ficará a solda. Este som deveria ser constante, mas por vezes acontecem estalos,

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barulhos metálicos ou em intensidade mais forte do que o normal e isso é sinal de problema no processo. O desafio para alguém com menos experiência em soldagem, é saber como era o som normal e como ele contrasta com sinais de problema. O eletricista, por exemplo, buscava sempre ouvir o robô soldando para tentar ampliar esta habilidade que, até então lhe faltava. Ainda em relação às habilidades incorporadas do processo de soldagem, por vezes era possível verificar que os experientes na atividade já conseguiam notar se algo estava fora do padrão apenas olhando para as faíscas que saíam durante a soldagem. É o caso, por exemplo, do termo “pipocar” que era usado para quando a solda tinha faíscas mais intensas e provocava pequenos estouros.

Quando um operador de solda percebe um problema no processo de soldagem, seja pelo som ou pelas faíscas, ele logo consegue parar a máquina para verificar a situação e fazer os ajustes necessários ou até chamar a equipe de manutenção. Afinal, uma peça soldada de forma errada pelo robô deve ser mandada para a operação manual para ser refeita. Ele consegue minimizar perdas de uma peça mal soldada, se identificar logo no início um problema no robô.

3.3 O caso da limpeza da superfície de soldagem

Em uma das suas explicações sobre como a solda pode ser influenciada por diversos fatores o robotista compartilhou sobre a influência de impurezas na superfície de soldagem. No dia, a equipe de manutenção havia acionado o experiente novamente para ver um robô que já havia sido verificado do ponto de vista elétrico e mecânico. O robô estava com a solda ruim e ao se deslocar ao problema o robotista observou que na célula de trabalho havia um ventilador ligado, pois o ambiente era muito quente. Ele pediu que o operador desligasse o aparelho que ventilava e depois observasse a solda. O resultado foi que os poros sumiram e a solda voltou a ter seu aspecto normalizado. A explicação dada pelo experiente foi a de que o vento produzido pelo ventilador atrapalha o arco de solda e pode contaminar a superfície de soldagem.

3.4 A complexidade da solda ao reprogramar o robô

Conforme foi dito, a programação de um robô não é uma atividade a ser revista com frequência, pois segundo os especialistas, uma vez programado, o robô repete as tarefas sem que este processo necessite de revisão. Há, no entanto, alguns momentos em que surge a

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necessidade de reprogramar uma máquina e o processo de soldagem pode contribuir para um melhor resultado. Para o robotista a parametrização do robô é condicionada a saber ver como soldar bem.

“A parte mais difícil na soldagem robotizada é parametrizar a máquina. É difícil, é, mas agora parametrizar... ver como soldar bem, você precisa de muita experiência” Robotista.

Em outro caso observado a necessidade de reprogramação surgiu a partir de um ajuste que teve que ser feito em um dos robôs. O robô que já havia recebido várias intervenções mecânicas e ajustes provisórios para adaptar-se a linha de produção, começou a soldar fora do ponto correto da peça. Esses ajustes provisórios eram feitos pelo próprio robotista que optava por adaptar a programação do robô para resolver os problemas que apareciam na solda ao invés de dar manutenção em seus componentes. Essa decisão que somente o experiente conseguia tomar, por vezes era necessária quando fatores como o atraso de produção criavam um cenário para quebrar as regras previstas para execução da atividade.

Seria preciso então verificar todos os pontos de soldagem do robô e, se necessário, fazer a reprogramação dos pontos que estavam fora da marcação correta. Esta verificação estava sendo feita pelo eletricista, que novamente substituía o experiente. Ele estava conseguindo realizar a reprogramação da maioria dos pontos, no entanto, alguns pontos que dependiam de uma interpretação com base na experiência em soldagem se mostraram como desafios para ele.

Foi o que aconteceu no momento de programar os pontos que rodeiam os furos da peça, onde entrará um cilindro metálico (ver “Figura 2”).

Figura 2- Parte da peça com cilindro metálico

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Nesta parte, a peça recebe uma solda chamada filetada (Ver Figura 3), que é composta por três passes de solda parcialmente sobrepostos que servem para deixar este local mais reforçado. A programação da solda filetada necessita de um posicionamento especial do arame, com atenção para o ângulo e para o ponto em si e, por isso, o conhecimento de solda se faz necessário. Segundo o robotista, até um soldador manual tem que ser muito bem treinado para fazer este tipo de programação. Ou seja, as habilidades adquiridas com a experiência prática no processo de soldagem eram fundamentais para resolver este caso. Foi por isso que o eletricista teve dificuldades em solucionar este problema e preferiu aguardar a chegada do robotista para realizar esta atividade.

Figura 3- Representação da solda filetada

Fonte: Os autores

3.5 A categorização ao diagnosticar

Durante as intervenções e entrevistas do robotista foi possível notar um padrão ao diagnosticar problemas que seguia por níveis de ataques a serem considerados. Esses ataques se orientavam pela frequência do que aparecia em casos anteriores e que poderiam influenciar na soldagem. Portanto, embasado em experiências anteriores, fazia mais sentido o robotista verificar primeiro os consumíveis de solda utilizados pelo robô - como arame, gás e tocha, por exemplo - antes de analisar componentes eletrônicos da máquina de solda ou de programação. Para o experiente, a programação é o último ataque a ser feito para resolver o problema de uma máquina. Segundo o robotista, uma vez que o robô é programado, seus parâmetros não devem ser modificados5. Esta informação, no entanto, não tem o mesmo sentido para o

eletricista que, em uma das intervenções, buscou na reprogramação de parâmetros a solução para o problema do robô.

5 Apesar de, na idealização de micromundos a modelagem ser feita para não ser alterada, na prática pode-se

acompanhar casos em que fatores aleatórios que não tinham sido previstos na programação do robô (como o caso de colisões, materiais de consumo de baixa qualidade e falta de manutenção preventiva) demandem alterações na programação.

Referências

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