• Nenhum resultado encontrado

A LÓGICA COMUNITÁRIA DA CDMD E O SENTIMENTO DE PERTENÇA

3.2 O catolicismo das Novas Comunidades

Para concluirmos esta parte, vamos discutir como o sentimento de pertença vivenciado e internalizado na CDMD através do carisma, pode levar a criar sentidos peculiares à vivência do catolicismo na Comunidade. Para isso nos deteremos nos relatos dos entrevistados, ao serem questionados sobre as possíveis mudanças em sua prática religiosa e em sua espiritualidade após a entrada na CDMD.

Ao falarem sobre os fatos que contribuíram para a mudança em sua vida, enquanto pessoas que têm e desenvolvem um tipo específico de espiritualidade, notamos que a pertença ao catolicismo ganha um significado mais forte, que os leva a reproduzirem a lógica tradicional da religião católica.

São diversas as mudanças destacas pelos entrevistados: autoconhecimento, melhoria nas relações interpessoais, no comportamento comunitário, além de fortalecimento de sentimentos sociais como a solidariedade e o altruísmo. Ações e sentimentos que contribuem para que seja fixado em suas vidas o significado do que é fazer parte da Comunidade.

Depois que passei a viver a vida comunitária fui me descobrindo e hoje eu já tenho uma imagem de outra Fernanda daquela que eu via antes. Então muita

coisa muda, com certeza né, não tem um que não passe pela vida comunitária e não mude, mesmo que não queira. Então essa graça dessa mudança né, tanto como pessoa quanto com o relacionamento com o Senhor, então isso muda com certeza.

Mas aqui dentro da vida comunitária eu aprendi a me abrir pras pessoas e me abrir principalmente para Deus. E essa abertura a Deus é se abrir para o mundo, doar para o mundo, a cada dia. Então isso mudou em mim, esse abrir-se para o mundo, abrir-se para o irmão (Fernanda, 20 anos, postulante de vida).

O autoconhecimento, destacado pela entrevistada, mostra que as mudanças vivenciadas a partir da Comunidade a levaram a ter uma nova ideia sobre si própria. Uma nova forma de se enxergar enquanto ser social. Sua autoimagem é reconstruída pelo carisma da Comunidade que é internalizado, num processo de socialização que marca a relação entre o seu EU e ME, para usarmos os termos de G. Mead, aplicados por Berger e Berger (1994).

Dessa forma, percebemos ainda que assim como muda a visão de mundo, as relações sociais e os valores sociais também sofrem alterações: valores morais têm o individualismo como uma máxima, marca do mundo fora da comunidade. Para os entrevistados, estes valores trazem grandes malefícios para os indivíduos que não experimentaram o contato com o Divino através da vida comunitária.

... Foi uma quebra de certos preconceitos que tantas vezes nós temos e a gente não se permite experienciar de tantas coisas que muitas vezes a gente só consegue realmente saber vivenciando, só consegue saber vivenciando. Então esse sair de nós mesmos, que inclusive é uma grande batalha da vida comunitária, porque a gente sai de um mundo individualista do mercado de trabalho e aqui nós pensamos em conjunto... então o eu vai saindo da nossa usualidade né e cada dia mais aplica o nós, então eu vou saindo de mim mesmo eu ganho um coisa, mas às vezes eu sei que o meu irmão precisa de mais, então esse renunciar é altruísmo né, a gente vê que há mais felicidade em dar do que em recebe (Ginaldo, 28 anos, postulante de vida).

A renúncia de vontades pessoais manifesta a reafirmação, para os postulantes, de que a sua tarefa de internalização do carisma e dos conselhos evangélicos está sendo realizada da melhor maneira: vencendo a luta contra o individualismo e contra o pensar egoisticamente, fortalecendo o sentimento comunitário da religião católica.

A mudança relatada fortaleceu a pertença religiosa dos membros da comunidade, sendo marcas que servem para relembrá-los de como foi dolorosa, psicológica e socialmente, a entrada na Comunidade.

Este fortalecimento da pertença ao grupo e à religião católica é vivido pelos postulantes de forma cada vez mais intensa quanto mais avançam no processo de

consagração. Quanto mais experimentam e desenvolvem uma espiritualidade especifica, dirigem-se ao ponto de só encontrarem razão existencial e significância social dentro do contexto da Comunidade, como relatou uma das jovens entrevistadas, pedagoga, 22 anos, antes atuante no Movimento de RCC.

Ela afirmou que a entrada na CDMD, através da consagração de aliança, deu-lhe um real sentimento de pertença e de identificação com a religião católica, coisa que ainda não sentia e nem possuía, mesmo fazendo parte da RCC. E isso, segundo ela, ficou mais patente quando teve que, depois de ter entrado na CDMD, fazer uma visita a sua antiga paróquia, quando concluiu: “ter se sentido como um peixe fora d’água (...) como uma visitante, que é o que eu sou lá hoje em dia”.

Outra jovem, com 26 anos de idade, relata que antes de sua entrada na CDMD foi membro de uma igreja protestante, mas nunca conseguiu deixar de se sentir devota de Deus e de “Nossa Senhora”, por isso sentia a igreja protestante não era o seu lugar. Quando terminou o relacionamento amoroso, motivo pelo qual foi levada a fazer parte da igreja protestante, decidiu voltar para o “lugar de onde não deveria ter saído”, afirma ela. Sobre isso ela relata:

(...) eu sempre busquei fazer a vontade de Deus aonde quer que estivesse (...) teve um tempo da minha vida que eu fui evangélica, por conta de um namorado e ele não aceitava me acompanhar na Igreja Católica, então eu renunciei, me afastei da Igreja Católica e fui para a igreja protestante, mas eu não me sentia completa, pois eu tinha a minha devoção por Nossa Senhora (...) eu sentia falta, também, da Eucaristia (...) foram dois anos assim, mas a decisão que tomei quando acabou foi voltar para a Igreja Católica e ser eu mesma (...) lá eu não me achei como meu lugar e aqui sim (...) na RCC eu me sentia como eu mesma e é diferente da paróquia, aqui é diferente, aqui tem acompanhamento tem oração (...)

O fazer parte da Comunidade leva os indivíduos a terem o sentimento de pertença religiosa fortalecido e, como relatado anteriormente, esta pertença ao catolicismo é experimentada no espaço da Nova Comunidade como forma de dar aos fiéis a possibilidade de desenvolverem a sua espiritualidade de uma forma mais intensa, coisa que não é notada pelos entrevistados no espaço da paróquia.

É que a Comunidade me ensinou a compreender mais o catolicismo, o catolicismo é uma religião muito rica e onde pra se ter um conhecimento precisa se aprofundar muito e eu não tinha nem muito tempo nem muitas pessoas pra me ajudarem, e a comunidade veio me mostrar muita coisa, o que significa o fogo numa missa, o passo a passo de uma missa, até o dia de hoje que a morte de Cristo hoje a gente comemora, nunca comemorei a morte de Cristo como hoje, onde é explicado passo a passo do que Cristo passou naquele dia, naquele dia que mataram ele. Então a comunidade, pode

a gente crescer e entender que a nossa religião católica é uma religião muito rica culturalmente falando (Thiago, 28 anos, postulante de aliança).

Diante disso, podemos formular alguns questionamentos sobre o tipo de catolicismo vivido e praticado no espaço da Nova Comunidade e no espaço da paróquia. Vemos que o tipo de espiritualidade proposta pela Nova Comunidade está pautado nos relacionamentos e emoções, podendo os indivíduos expressar a espiritualidade de várias formas. Religiosidade e espiritualidade que acabam por se confundir com práticas conservadoras.

Que tipo de catolicismo se vê na Nova Comunidade? Um catolicismo pautado numa espontaneidade das emoções, mas que é controlado pelas práticas tradicionais e litúrgicas da igreja (as missas, a liturgia das horas, a prática dos conselhos evangélicos etc.). Um catolicismo que se baseia na lógica emocional da RCC, mas que reproduz as ordens da Igreja paroquiana e tradicional, além de apresentar um catolicismo mais popular, místico, possível de ser consumido pela sociedade atual.

Dentre outras questões, estas serão ampliadas no próximo capítulo, em que pretendemos discutir como o catolicismo vivido nas Novas Comunidades pode trazer consequências para possíveis mudanças no catolicismo contemporâneo.

CAPÍTULO IV