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Fonte: Arquivos da pesquisa

Como diz o jovem estudante de segurança do trabalho, a entrada na Comunidade, o levou a rever valores em relação aos seus relacionamentos amorosos e sentimentos, colocando em relevo algo que a “vida lá fora” há muito tinha atenuado, ou seja, o respeito para com as pessoas com quem se relacionava:

Foi a forma como as meninas se vestem na comunidade que também me fez decidir entrar e fazer parte dela... Não é tão extravagante como você vê com outras pessoas que não têm o conhecimento da comunidade... E isso me interessou! Foi isso que me atraiu!

A internalização dos valores da vida comunitária, pré-requisito básico para fazer parte das Novas Comunidades, dá aos postulantes uma nova forma de se relacionar e de se comunicar. Esta experiência na Comunidade concede-lhes a possibilidade de vivenciar uma

nova forma de sociabilidade que eles não puderam experimentar na vida religiosa dentro da Paróquia.

Relacionada à aceitação do novo estilo de vida está a perspectiva de reconstrução de planos e projetos de vida, tanto para serem vividos na Comunidade como fora dela.

Vemos isso na fala do José, administrador, 25 anos, postulante de vida:

Difícil também é renunciar aos seus sonhos né. Você que tem projetos, tem planos pra sua vida, meio que chamado de Deus, muitas vezes você no primeiro momento não entende, você renunciar tudo aquilo pra atender aquilo, e muitas vezes vem atender e entender aquilo que Deus tá te propondo (José, administrador, 25 anos).

Sobre isso, também, Fernanda, 20 anos, nos apresenta a sua maior dificuldade ao entrar na CDMD.

Uma grande dificuldade que tinha era de me relacionar com as pessoas. Acho que eu ainda tenho um pouquinho de dificuldade, mas eu tenho me aberto mais. Muitos veem que eu sou uma pessoa muito fechada realmente, mas aqui dentro da vida comunitária eu aprendi a me abrir pras pessoas e me abrir principalmente para Deus. E essa abertura a Deus é se abrir para o mundo, doar para o mundo, a cada dia. Então isso mudou em mim, esse abrir-se para o mundo, abrir-se para o irmão.

As falas se referem a uma adaptação que forma o comportamento interpessoal e que leva a uma espiritualidade conduzida pela lógica da vida comunitária. Um moldar social que visa à construção de uma rede de interdependência com vista a dar sentido às relações e à estrutura social. Como diz Elias,

Só podemos compreender muitos aspectos do comportamento ou das ações das pessoas individuais se começarmos pelo estudo do tipo da sua interdependência, da estrutura das suas sociedades, em resumo, das configurações que formam uns como os outros. (, p. 79)

Segundo Elias (2008), os indivíduos possuem uma interdependência adquirida mediante o processo de inserção no meio social desde o dia em que nascemos, ou seja, mediante o processo de socialização onde absorvemos os princípios e valores predominantes do estrato social em que estamos inseridos. Dessa forma, cada indivíduo desenvolve este papel de interdependência com seus pares a partir das necessidades que têm e que adquirem no desempenho de suas funções e de seus relacionamentos sociais. As redes de interdependência, entretanto, não são iguais em todas as configurações sociais. Por exemplo, nas configurações modernas, a interdependência se dá de forma objetiva em processos de produção e reprodução especializados, onde as funções se complementam sem que as pessoas

tenham a necessidade de se conhecerem ou se relacionarem face a face. Nas configurações holísticas ou relacionais, a interdependência se dá no nível da proximidade, onde cada membro é conhecido por seu grupo, e entre eles se estabelecem laços que ultrapassam as meras especificações dos papéis sociais.

É mediante a prática de trocas interativas de necessidades sociais que os indivíduos constroem sua realidade, atribuindo sentido e ordenamento ao cotidiano. Constroem-se teias de interdependência que assumem várias formas: família, religião, trabalho, cidade estado, aldeias, dentre outras. Para se compreender como cada uma destas configurações se desenvolve, Elias propõe que a análise seja feita mediante o modelo de jogo, ou seja, ele se utiliza da lógica da competição para entender como as configurações – teias de interdependência – são desenvolvidas pelos indivíduos e como servem para problematizar mais ainda a realidade.

A vida na CDMD aponta para um ideal de humanidade previsto na doutrina Católica já há muito séculos. Esse sentido é traduzido, por exemplo, por uma aspirante à consagração de aliança, “naquilo que ensina a ser gente”. Diz ela: “na Comunidade eu aprendi a ser gente (...) aqui é que eu pude ter um melhor relacionamento com as pessoas... Aqui eu pude entender o que é ser alguém”. “Ser gente”, neste caso, é abandonar um modelo de vida profano (moderno, consumista, “livre”, promíscuo) e abraçar outro, pautado na austeridade, obediência, parcimônia, comedimento e dedicação a Deus e ao próximo.

Desta forma, para os entrevistados, a entrada na CDMD é um tipo de conversão, suscitado por um chamado do Divino. Cada narrativa destaca o “chamado” e o “ingresso” como “divisor de águas”, operando mudanças radicais na alma social e na alma espiritual: mudanças de atitudes, de comportamentos e de propósitos e sentido de vida.

O mundo que ficou “lá fora”, continuará a desafiá-los com suas seduções e “prazeres”. O carisma que carregam, entretanto, torna-se a arma com a qual devem “combater o bom combate”, o que os amedronta deve ser a razão de sua força; sociologicamente falando, as ameaças que se impõem sobre o grupo, ameaçando seus ideais, são pretexto para fortalecer as identidades coletivas e incentivar os laços de interdependência comunitária. Contra um inimigo comum celebram-se orações e ritos coletivos.

Em suma, as novas comunidades trazem às pessoas, em seus eventos e ações, a possibilidade de desenvolverem e fortalecerem a espiritualidade, não apenas na vida comunitária, mas também nos diversos espaços da vida cotidiana. Espiritualidade que

introduz os indivíduos numa nova realidade em irmandade e comunhão fortalecendo a ideia de solidariedade social e de partilha.