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Causas da guerra e da permanência do confronto histórico até 1995

Capítulo 3. A guerra de 1995 e a experiência diplomático-militar da MOMEP

3.7.1. Causas da guerra e da permanência do confronto histórico até 1995

O primeiro dos dois autores que apresentamos neste subitem é Ramón Ortiz. Ele a- nalisa as causas materiais e simbólicas para ambos os lados.212 Confere maior importância

211 CERVO, Amado Luís. Os Objetivos da Política Exterior de Lula. Colunas de RelNet no. 10, mês 7-12, ano

2004. Disponível em http://www.relnet.com.br/Arquivos/html/2004/A_7873.html, acessado em 07/04/05.

212 ORTIZ, Ramón D. Ecuador-Peru: acuerdos para una paz definitiva. Papeles de Cuestiones Internaciona-

les, n°66, 1999. Grupo de Estudios Estratégicos. Disponível em www.gees.org/publicaciones/col/col06.html ,

às segundas. O valor econômico do território em disputa seria, segundo o autor, muito es- casso. Afirma que supostas existências de petróleo, ouro e urânio careceriam de fundamen- to. Além disso, uma eventual conquista de acesso ao rio Amazonas por parte de Quito não seria de grande valia devido à falta de infra-estrutura necessária que conectasse a região aos grandes centros do país. Considera que a disputa fronteiriça entre Equador e Peru esteve sendo alimentada, no último meio século, mais pela relevância política do conflito em am- bos os países que pela importância em termos estratégicos e econômicos do espaço geográ- fico em questão. No que respeita à MOMEP, argumenta que sua completa desativação seria inconveniente, pois deixaria peruanos e equatorianos como únicos responsáveis pela manu- tenção da recém-delineada fronteira, com as conseqüentes incertezas que essa situação po- deria alimentar. Sua opinião expressa um pessimismo compreensível, diante de um proble- ma fronteiriço existente desde a época mesmo da fundação daqueles Estados nacionais. Porém, parece equivocar-se neste ponto, pois a paz na região mostrava-se consolidada após cinco anos e meio de desativação da MOMEP. Além do que, o principal objetivo da MOMEP e dos esforços diplomáticos foi justamente construir uma situação a partir da qual equatorianos e peruanos, de fato, se tornassem os únicos responsáveis pela manutenção da estabilidade da demarcação fronteiriça e da paz na região. Suas afirmações sobre a pouca importância da região em disputa em termos de recursos econômicos é passível de questio- namento. Segundo English, o território ocupado pelo Peru em 1941 teria, talvez, mais re- servas de petróleo do que as remanescentes no atual território do Equador.213

Bonilla apresenta um interessante meio termo a respeito de motivos materiais e simbólicos da guerra: o papel do território como elemento de identidade nacional.214 Ou seja, as motivações de um e outro país em guerra não seriam encontradas no acesso privile- giado a recursos materiais ou econômicos, até porque as áreas em disputa não seriam de- senvolvidas, a despeito de abrigarem alguma atividade de mineração. A verdadeira motiva- ção estaria na questão territorial como fonte de identidade nacional e, portanto, como ins-

213 ENGLISH, Adrian, op. cit., p. 235. 214

BONILLA, Adrián. The Ecuador-Peru Dispute: The Limits and Prospects for Negotiation and Conflict. In MARCELLA, Gabriel and DOWNES, Richard (orgs.), op. cit, p. 67-89.

trumento de legitimação do próprio Estado. A dimensão territorial ofereceria, segundo o autor, sentido e legitimidade para a existência não apenas de ambos os governos e suas for- ças armadas, mas para os Estados em si. Observa Bonilla que, apesar de o Equador ter per- dido metade de seu território oficial para o Peru na guerra de 1941, o Estado equatoriano não havia integrado, não conhecia e não controlava aquela parte do território até então.

Bonilla sustenta que o desenvolvimento de maior interdependência econômica entre Equador e Peru poderia garantir sólida relação pacífica. Sua argumentação aqui enfoca a interdependência como paradigma das Relações Internacionais, na qual, segundo explica, não haveria hierarquia pré-definida entre questões de política externa e temas domésticos. Em tal contexto, tornar-se-ia improvável que duas sociedades interdependentes possuíssem Estados que recorressem à força para atingir seus objetivos.

Equador e Peru teriam uma ausência quase total de interdependência. Segundo o au- tor, o meio mais intenso de interação entre eles estaria no comércio, que mesmo assim seria irrelevante se comparado ao total de exportações de ambos os países. Lembra Bonilla que, em 1992, as vendas do Peru para o Equador representavam apenas 1% do total das exporta- ções peruanas. Aponta ainda que, imediatamente após o final dos combates de 1995, a fron- teira entre Equador e Peru ficou totalmente fechada para o comércio por seis meses, sem que houvesse nenhum sério dano nos centros financeiros ou estrutura produtiva de nenhum deles. Haveria ainda muito pouca migração e nenhuma troca cultural, nem mídia ou comu- nicação de massa de um país para outro. Tudo isso, segundo Bonilla, permitiria um cenário no qual políticas externas antagônicas podem ser desenvolvidas inclusive com o uso de meios hostis, pois não haveria atores sociais relevantes cujos interesses seriam afetados pela eventual interrupção de relações normais. Assim, sustenta o autor que a questão terri- torial assumiria hierarquia claramente superior a outros tópicos, como a economia e a inte- gração regional. Ainda segundo o autor, as questões de segurança e ameaça externa estimu- lam Equador e Peru a assumirem formas de interação tradicionais, mais próximas do Rea- lismo do que de qualquer outro paradigma de relações internacionais.

De acordo com Bonilla, os impasses subsistentes sustentados por ambas as partes acabaram por conduzir os países garantes de uma posição de mediadores da disputa para um papel mais próximo ao de árbitros. Tal pressentimento do autor se confirmaria no final

de outubro de 1998, quando Equador e Peru reconhecem a impossibilidade de chegarem a um acordo por si próprios e solicitam, em carta endereçada ao presidente Cardoso, uma proposta de solução por parte dos países garantes. Este fato ocorre meses depois de escrito o artigo em questão de Bonilla. Com relação à MOMEP, o autor observa que um dos mo- mentos mais importantes da Missão teria sido a incorporação de oficiais de Equador e Peru e a promoção de uma série de encontros entre esses militares com o objetivo de serem cria- das medidas de confiança mútua. Afirma Bonilla que tais iniciativas teriam melhorado o nível do diálogo entre as forças armadas dos dois países.

Enxergar o conflito Equador-Peru de acordo com determinados paradigmas de rela- ções internacionais, como faz Bonilla, traz uma contribuição no nível teórico para a análise do problema. A questão é colocada num patamar além das considerações das contingências históricas de um e outro país. Em outras palavras, aquelas contingências são utilizadas por Bonilla na tentativa de demonstrar a validade da asserção genérica de que a promoção da interdependência entre Estados-nacionais é um fator de desenvolvimento e promoção da paz.