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Diante dos elementos que presenciei, identifica-se que o CEIGBM na prática acontece de maneira diferenciada se comparada às escolas da cidade, porém nota-se que este, como indicam os discursos dos professores da aldeia, tem influência na representação que os alunos criam sobre a cidade, o que pode indicar parte das motivações destes para estudar fora da aldeia.

Outra forma formalizada desse incentivo ocorre, entre os Ramkokamekrá-Kanela, pela atuação do CTI através da “Escola Timbira”. Esta tem suas especificidades, já que foi proposta para limitar a migração de “índios” para estudar na cidade, porém repassa também

158 No Curso de Formação Continuada denominado Magistério Indígena que ocorreu em janeiro de 2009 em

Barra do Corda teve um momento em que os participantes debateram e fizeram algumas deliberações sobre este último item.

conteúdos que afloram o desejo de experimentar a cidade. Voltarei a uma análise mais detalhada dessa modalidade de educação escolar destinada aos Ramkokamekrá-Kanela no tópico 4.4 deste trabalho. Antes me deterei à discussão das estratégias multiculturais de educação escolar indigenista.

4.3 – A estratégia multicultural e o “respeito à diferença”: alterações em torno da “assimilação natural” implícita

Na segunda metade do século XX o Estado brasileiro passou a adotar novos eixos para direcionar as políticas indigenistas. Este processo se deu, segundo Meliá (2000, p. 15), devido aos movimentos de resistência e de reivindicação de direitos sobre a terra e contra a discriminação, os quais foram organizados em conjunto por indígenas e setores da sociedade civil.

Com a CFB de 1988, ocorreram algumas alterações, legais, em relação à atuação do Estado frente às sociedades indígenas, se comparada a dispositivos oficiais anteriores. A legislação do país passou, como coloca Coelho (2001) a pautar-se em princípios multiculturalistas. A utilização do termo multiculturalismo aparece como possibilidade de jogar com as tensões entre igualdade e diferença. Como lê-se em Santos; Nunes (2003, p. 25) apud Pacheco (2005, p. 32):

Multiculturalismo, justiça multicultural, direitos coletivos, cidadanias plurais são hoje alguns dos termos que procuram jogar com as tensões entre a diferença e a igualdade, entre a exigência de reconhecimento da diferença e de redistribuição que permita a realização da igualdade. Essas tensões estão no centro das lutas de movimentos e iniciativas emancipatórias que, contra as reduções eurocêntricas dos termos fundamentais (cultura, justiça, direitos, cidadania), procuram propor noções mais inclusivas e, simultaneamente, respeitadoras da diferença de concepções alternativas da dignidade humana.

O (re)direcionamento das políticas são gerados à partir do reconhecimento oficial de que o Brasil é um país multicultural, o que também se dá a partir da Constituição Federal de 1988. Segundo o texto constitucional, o Estado deverá proteger as “manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional” (BRASIL, 1988, art. 215, inciso 1º). No entanto, simultaneamente a esse reconhecimento, há a inserção dos “índios” e de outras minorias nas instituições nacionais de assistência social, de educação e de saúde. Neste

período ocorre a transferência da atenção à educação escolar indigenista para o MEC159, órgão oficial não específico das causas indígenas.

A garantia de proteção às manifestações culturais indígenas, “sua organização social, costumes, línguas, crenças, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam...” (BRASIL, 1988, art. 231) parece obedecer princípios multiculturais. Todavia, o respeito formal à diversidade cultural é tolhido na prática e no próprio discurso legal, onde há políticas e leis advogam um tratamento igual a todos os “brasileiros” (BRASIL, 1988, art. 5º, caput).

A dificuldade no respeito à diferença pode ser constatada com o entendimento da maneira como o Estado se coloca frente à questão da educação escolar para “índios”, pois por um lado garante que as manifestações culturais específicas serão respeitadas e protegidas (dentre estas as formas próprias de ensino-aprendizagem de cada sociedade) e por outro lado define que “serão fixados conteúdos mínimos para o ensino fundamental, de maneira a assegurar formação básica comum e respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais e regionais” (BRASIL, 1988, art. 210). Tem-se ai o paradoxo da garantia à diferença confrontada com a exigência de que todos teriam os mesmos direitos. A cidadania tem assim seus “custos”. Como lê-se em Souza (1983, p. 42):

A cidadania necessariamente implicará o gozo de certos direitos e o respeito a certos deveres. Direitos e deveres iguais para todos. Significará, pois, que tornará o índio igual em direitos e deveres ao cidadão brasileiro. O índio, portanto, terá de deixar de ser índio para ser cidadão. Pois participar plenamente da sociedade significa também tornar-se súdito do estado e obedecer às regras impostas. Acontece, porém – e este porém é fundamental -, que as referidas regras revelam necessariamente a concepção de mundo, a forma de organização para produzir, o modo de ganhar a vida, os valores da sociedade nacional. (...) pretender a cidadania nesse caso é, e só pode ser, transformar o índio num marginal. (...). A história, tanto brasileira como de outros países, está repleta de exemplos que confirmam essa conseqüência fatal.

Percebe-se, assim que o reconhecimento oficial da importância de se utilizar elementos indígenas (língua nativa, por exemplo) no processo de escolarização indica que existe a compreensão de que vivemos num país multiétnico, mas os encaminhamentos

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O Estado formaliza para o Ministério da Educação, através do Decreto nº 26 de 24 de fevereiro de 1991 (BRASIL, 1991), a competência para coordenar as ações referentes à educação escolar para sociedades indígenas. Segundo Coelho (2001, p. 26), até então “as escolas das aldeias não estavam subordinadas à estrutura burocrática nacional. Um aluno de uma escola de aldeia precisava ter seus estudos revalidados para ingressar numa escola de branco".

tomados e os conteúdos a serem ministrados continuam mantendo uma perspectiva ambígua.

A compreensão, na atualidade, de que o Brasil é um país multicultural não se efetiva completamente na atuação estatal, a qual coloca as línguas indígenas em status inferior frente à língua portuguesa. Em Brasil (1988, art. 210) vê-se que há predominância do ensino do português: “o ensino fundamental regular será ministrado em língua portuguesa, assegurada às comunidades indígenas também a utilização de suas línguas maternas e processos próprios de aprendizagem”. O “também” do texto oficial indica a maior relevância/importância da primeira em detrimento da segunda. Vê-se que o reconhecimento legítimo da diversidade étnica está imerso a retrocessos explícitos, de modo especial quando se refere às sociedades indígenas. Portanto o paradigma da “pluralidade” defronta-se com o paradigma do Estado-nação.

A formalização dos princípios que guiarão a política educacional indigenista, a partir dos anos 1990, ocorre com a elaboração da Portaria Intermisterial nº 559 de 16 de abril de 1991 (BRASIL, 1991a), dos Ministérios da Justiça e da Educação, que manteve a retórica da Constituição Federal de 1988 de respeito à diferença, na tentativa de camuflar sua ambigüidade. Nesta lê-se que constitui um dever do Estado:

Art. 1º - garantir às comunidades indígenas uma educação escolar básica de qualidade, laica e diferenciada, que respeite e fortaleça seus costumes, tradições, língua, processos próprios de aprendizagem e reconheça suas organizações sociais;

Art. 2º - Garantir ao índio o acesso ao conhecimento e o domínio dos códigos da sociedade nacional, assegurando-se às populações indígenas a possibilidade de defesa de seus interesses e a participação plena na vida nacional em igualdade de condições, enquanto etnias culturalmente diferenciadas.

A mudança do órgão gestor oficial da educação escolar para “índios”, revela a vinculação dessa educação escolar “específica” ao sistema nacional de educação. Sendo assim, exige-se conteúdos mínimos, carga horária a ser cumprida e etc. Ocorre, como denomina Ferreira (2001, p. 32), uma “abertura condicionada”, mediante a qual elabora-se uma série de documentos.

Dos documentos específicos produzidos sobre a educação escolar para “índios”, têm-se as Diretrizes para a Política Nacional de Educação Escolar Indígena (BRASIL,

1993, p. 9), que foi considerada sem precedentes na história das relações entre as populações indígenas e o Estado brasileiro, pois seria baseada em “regras multiculturais”.

Em Brasil (1993, p. 9) lê-se as bases para a “formalização” do respeito à diversidade étnica e pluralidade dos indígenas, pois os direitos constitucionalmente reconhecidos, seriam o “instrumento essencial na implantação de uma política que garanta, ao mesmo tempo, o respeito à especificidade das populações indígenas (frente aos não- indígenas) e à sua diversidade interna (lingüística, cultural, histórica)”. Pelo menos oficialmente, as sociedades indígenas não mais estavam sendo percebidos como transitórios ou em vias de extinção.

Mas as ambigüidades se sustentam. Uma base nacional comum de educação escolar pode ser positiva ou negativa para a comunidade atingida, já que altera valores de um lado, mas também sugere possibilidades de atuação em outros campos dentro e fora das aldeias.

Ora o discurso volta-se para a autonomia das populações indígenas ora para sua adequação a conhecimentos alienígenas. Em Brasil (1993, p. 12) lê-se que o objetivo da escola na aldeia é:

(...) a conquista da autonomia sócio-econômico-cultural de cada povo, contextualizada na recuperação de sua memória histórica, na reafirmação de sua identidade étnica, no estudo e na valorização da própria língua e da própria ciência – sintetizada em seus etno-conhecimentos, bem como no acesso às informações e aos conhecimentos técnicos e científicos da sociedade majoritária, e das demais sociedades, indígenas e não-indígenas.

Esse discurso demonstra que as escolas nas aldeias deveriam significar um instrumento de auto-determinação e reafirmação étnica, mas também incentiva o valores externos que podem fragilizar o primeiro objetivo. Isto configura desafios que perpassam as escolas em aldeias e que são percebidos por D’angelis (1999, p. 22) nos termos que seguem:

É preciso reconhecer que, sendo a escola uma instituição não indígena, surgida em contextos de sociedades radicalmente distintas das sociedades indígenas, criar hoje a “escola indígena” é ainda um desafio. O que temos conseguido são escolas mais, ou menos, indianizadas (por vezes, indigenizadas do que indianizadas). Na esmagadora maioria dos casos são tentativas de “tradução” da escola para o contexto indígena.

A política educacional para “índios’, elaborada a partir de 1993, é formalizada pela Lei nº 9.394 de 20 de dezembro de 1996 (BRASIL, 1996), que destaca em dois artigos (78

e 79, grifos meus) as disposições sobre a educação escolar para sociedades indígenas. Estabelece:

Art. 78 - O sistema de Ensino da União, com a colaboração das agências federais de fomento à cultura e de assistência aos índios, desenvolverá programas intergrados de ensino e pesquisa, para oferta de educação escolar bilíngüe e intercultural aos povos indígenas, com os seguintes objetivos: I – Proporcionar aos índios, suas comunidades e povos a recuperação de suas memórias históricas; a reafirmação de suas identidades étnicas, a valorização de suas línguas e ciências;

II – Garantir aos índios suas comunidades e povos, o acesso as informações, conhecimentos técnicos e científicos da sociedade nacional e demais sociedades indígenas e não-indígenas.

Art. 79 - A União apoiará técnica e financeiramente os sistemas de ensino no provimento da educação intercultural às comunidades, desenvolvendo programas integrados de ensino e pesquisa.

§ 1º os programas serão planejados com a audiência das comunidades indígenas. § 2º os programas, a que se refere este artigo, incluídos Planos Nacionais de Educação terão os seguintes objetivos:

I - fortalecer as praticas sócio-culturais e a língua materna de cada comunidade indígena;

II - manter programas de formação de pessoal especializado, destinado a educação escolar nas comunidades indígenas;

III - desenvolver currículos e programas específicos, neles incluindo os conteúdos culturais correspondentes às respectivas comunidades;

IV - elaborar e publicar sistematicamente material didático específico e diferenciado.

Estes dois artigos colocam, com força de lei, a forma como a educação escolar para os indígenas deveria ser gerenciada, reafirmando parte do que é exposto nas Diretrizes para a Política Nacional de Educação Escolar Indígena, assim como alicerçando o que viria com a Resolução CNE/CEB160 nº 03 de 10 de novembro de 1999. Lê-se em Brasil (1999, art. 2º, grifos meus) que constituirão elementos básicos para a organização, estrutura e funcionamento das nas aldeias:

I – sua localização em terras habitadas por comunidades indígenas, ainda que se estendam por territórios de diversos Estados e Municípios contíguos; II – exclusivo atendimento escolar a comunidades indígenas;

III – o ensino ministrado nas línguas maternas das comunidades atendidas, como uma das formas de preservação da realidade sócio-lingüística de cada povo;

IV – organização escolar própria

Parágrafo Único. A escola indígena será criada em atendimento à reivindicação ou por iniciativa de comunidade interessada, ou com a anuência da mesma, respeitadas suas formas de representação.

Os documentos aqui apresentados são marcados, em grande parte, pela retórica do “direito de escolha” dos “índios” (de decidirem sobre a introdução ou não da escola na aldeia). Analisar essa relação, que vem se constituindo desde o século XVI, apenas em termos de saber se os “índios” querem ou não a escola seria desconsiderar a histórica atuação do Estado brasileiro. Esse contexto tem influência na maneira como as sociedades indígenas atualmente representam os elementos que seriam da sociedade envolvente, assim como seu próprio universo. A problemática que se coloca refere-se à forma como estas populações passam a ser perceber. Mignolo (2003, p. 36), citando Ribeiro (1968, p. 63) coloca:

Do mesmo modo que a Europa levou várias técnicas e invenções aos povos presos em sua rede de dominação... ela também os familiarizou com seu equipamento de conceitos, preconceitos e idiossincrasias, referentes simultaneamente à própria Europa e aos povos coloniais.

Os colonizados, privados de sua riqueza e do fruto de seu trabalho sob a dominação colonial, sofreram, ademais, a degradação de assumir como sua a imagem que era um simples reflexo da cosmovisão européia, que considerava os povos coloniais racialmente inferiores porque eram negros, ameríndios ou “mestizos”. Mesmo as camadas mais inteligentes dos povos não-europeus acostumaram-se a enxergar-se e a suas comunidades como uma infra- humanidade, cujo destino era ocupar uma posição subalterna pelo simples fato de que a sua era inferior à da população européia.

Este trabalho procura perceber a imersão dos “índios” na educação escolar também como parte do processo de construção de uma subalternização, iniciada no século XVI e que teve a base voltada para a educação escolar. Porém, não é possível considerar esse contexto apenas como produto dessa subalternização, mas também como mecanismos próprios acionados pelos “índios”. Essas duas possibilidades de compreensão atuam simultaneamente no deslocamento de “índios” para estudar fora da aldeia. Nas linhas seguintes me deterei à análise de alguns dispositivos legais dessa situação.

Antes da Constituição de 1988, com o Estatuto do Índio (1973), a referência feita pelo discurso oficial era no sentido de não retirar os alunos índios de suas comunidade/famílias. Não havia nenhuma referência quanto ao tratamento a ser destinado àqueles que migravam. Sugere-se que estes só brincavam fora da aldeia. Nesse período, outro documento sobre esse assunto elaborado foi, como é colocado por Cunha (1990), a Portaria nº 788/N FUNAI, de 11/10/1982.

Na década de 1990 é sancionada a Portaria Interministerial nº 559/91 que explicita preocupações em oferecer a educação escolar aos “índios” sem que houvesse a necessidade destes se afastarem de suas aldeias. Define-se em seu artigo 8º:

Determinar que, no processo de reconhecimento das escolas destinadas às comunidades indígenas, sejam consideradas, na sua normatização, as características específicas da educação indígena no que se refere a:

d)funcionamento de escolas indígenas de ensino fundamental no interior das áreas indígenas, a fim de não afastar o aluno índio do convívio familiar e comunitário.

Para os casos de migração o principio a ser respeitado está no artigo 9º da Portaria Interministerial (BRASIL, 1991a):

Garantir aos alunos indígenas condições para a continuidade da escolarização nas demais escolas do sistema nacional de ensino quando não for oferecido o ensino de 2º grau no interior das aldeias.

O dispositivo refere-se àqueles que migram por não haver na aldeia determinado nível escolar, mas que tipo de atenção há em relação aos demais? Essa falta de consideração perpassa os documentos posteriores sobre a questão.

Além da Portaria Interministerial 559/91, o Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas – RCNEI (1998) e a Lei 10.172 de 09 de janeiro de 2001, que aprova a Plano Nacional de Educação, fazem referência aos “índios” que estudam fora das aldeias.

A situação dos alunos indígenas que terminam o Ensino Fundamental Menor (até a 4ª série) nas aldeias e a inserção destes em escolas das cidades é colocada pelo RCNEI como um problema, pois afirma não haver possibilidade de respeito à diferença no espaço urbano, problema que não é exclusivo das escolas na cidade, já que também está presente em escolas nas aldeias, já que nestas encontram-se também de forma significativa agentes não indígenas despreparados para lidar com o universo diferente e complexo da aldeia. Lê- se em Brasil (1998, p. 14) que:

Entendeu-se que oferecer subsídios apenas às fases que correspondem da 1ª a 4ª séries representaria um desestímulo para os alunos e professores indígenas. O ensino fundamental completo já é uma demanda de várias aldeias, como meio de evitar que alunos indígenas, ao terminarem a 4ª série, sejam obrigados a se transferirem para escolas mais próximas, na cidade, onde não são consideradas suas necessidades educacionais específicas.

Mesmo elaborada em um contexto que se afirma baseado no paradigma multicultural e de respeito à diferença, a Lei nº 10.172, de 09 de janeiro de 2001 (BRASIL, 2001, grifos meus), simplesmente fragilizou ideal assimilacionista, já que o ideal universalista ainda permanece.

2. Universalizar, imediatamente, a adoção das diretrizes párea a política nacional de educação escolar indígena e os parâmetros curriculares estabelecidos pelo Conselho Nacional de Educação e pelo Ministério da Educação

3. Universalizar, em dez anos, a oferta às comunidades indígenas de programas educacionais equivalentes às quatro séries do ensino fundamental, respeitando seus modos de vida, suas visões de mundo e as situações sócio-lingüísticas especificas por elas vivenciadas

11. Adaptar programas do Ministério da Educação de auxilio ao desenvolvimento da educação já existentes, como transporte escolar, livro didático, biblioteca escolar, merenda escolar, TV Escola, de forma a contemplar a especificidade da educação indígena, quer em termos do contingente escolar, quer quanto aos seus objetivos e necessidades, assegurando o fornecimento desses benefícios às escolas.

Os termos sublinhados sugerem que os princípios multiculturais de respeito à diferença e às especificidades das sociedadess indígenas são pouco considerados na elaboração das diretrizes, já que disputam com proposições de “universalização” da educação escolar. Constatam-se, ainda, ambigüidades no discurso oficial, que se coloca como respeitando os modos de vida dos “índios” e, ao mesmo tempo, busca implantar programas, materiais e instituições que poderiam ser percebidos como estranhas às realidades desses grupos, sendo colonizadoras. O Estado parece tratar essas sociedades como mais uma parcela da sociedade brasileira, desconsiderando assim a relevância de suas autonomias, as quais são legalmente reconhecidas.

Quanto aos “índios” que estudam fora das aldeias, a Lei nº 10.172 (BRASIL, 2001, grifo meu) expõe que é função do Estado favorecer a integração destes estudantes em escolas na cidade.

4. Ampliar, gradativamente, a oferta do ensino de 5ª a 8ª série à população indígena, quer na própria escola indígena, quer integrando os alunos em classes comuns nas escolas próximas, ao mesmo tempo que se lhe ofereça o atendimento adicional necessário para sua adaptação, a fim de garantir o acesso ao ensino fundamental pleno.

Percebe-se que os documentos citados apontam algumas modificações quanto à forma de atuação da política indigenista de educação escolar, mas que também demonstram um discurso imerso a contradições e ambigüidades.

A relação destas sociedades com o Estado brasileiro não os impede de conservar, na medida do possível, línguas e modos específicos de vida em suas comunidades, mesmo se a manutenção dessas especificidades esteja relacionada a elementos de resistência acionados na dinâmica da própria aldeia. Ainda que se coloque como protetor das manifestações culturais específicas indígenas, o Estado nacional vem sistematicamente investindo, desde os primeiros contatos, para disciplinar essas sociedades.

Percebo que a educação escolar para os “índios” vem sendo significada e atualmente utilizada, por eles, como “mecanismo” para, no campo político interétnico, dialogar e adquiri, na prática, os espaços e os direitos que exigem. Requer, portanto, reflexões sobre a forma como esse diálogo, entre sociedades diferentes, tem ocorrido. Enfatizando certamente os contextos diversos e os signos e lógicas que estão em jogo.

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