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CAPÍTULO 3: BROTOS E JUVENTUDES Lugar e espaço na sociedade local

3.3. As celebrações cívico-militares

Entre os principais usos dos espaços públicos da cidade para fins cívicos, sobretudo as ruas, avenidas e praças, estavam as cerimônias da Independência do Brasil. Esses rituais, que tiveram início desde as primeiras décadas da República, fortaleceram o caráter civil e militarista depois da experiência da II Guerra Mundial, tornando-se o segundo principal evento de rua de Natal, perdendo apenas para festa mais popular do país: o Carnaval.

No auge do conflito mundial, o evento se consolidava nas ruas e avenidas de Tirol, Petrópolis e Cidade Alta. As festividades do 7 de Setembro duravam cerca de uma semana de comemoração. O momento mais aguardado pela população eram os desfiles de instituições militares e educacionais. Dois anos após o término da guerra, o evento não perdeu o prestígio e a aura inalcançável representadas pelos militares e pelos estudantes. As Forças Armadas e o Departamento de Educação eram responsáveis pelos

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desfiles. Cada um com sua função conseguia atrair milhares de pessoas que ocupavam as calçadas para verem o cortejo passar.

A programação ocupava as ruas com a Parada da Mocidade, representada por quase todas as instituições de ensino da capital, associações esportivas e os grupos de escoteiros. O desfile militar geralmente era representado pelos diversos Grupamentos e suas Bandas de Música, exibindo um significativo aparato de veículos e armas. Verdadeira multidão ia às ruas prestigiar as comemorações, consolidando o sucesso do evento que primava pela participação, conjunto, organização e beleza plástica do grupo.

A Parada Militar era um dos eventos públicos mais esperados da cidade. Chegava a reunir 30 mil pessoas que iam às ruas para assistir aos desfiles160. As unidades da Aeronáutica, do Exército, da Marinha de Guerra e da Polícia Militar se apresentaram pela manhã. Em 1952, 1.600 homens formaram os destacamentos da Marinha de Guerra, Exército e Aeronáutica, com os Grupamentos da Infantaria do Exército (16º R.I.), Infantaria da Polícia Militar do Estado e Artilharia do Exército161.

Naquele ano, à tarde, mais de 10 mil estudantes compuseram as unidades escolares que se apresentaram na Parada: os Grupos Escolares do “primário oficial”; “primário particular”, com os externatos, escola e ambulatório, orfanato, escola profissional, ginásio, a Escola Industrial, escolas particulares, mais os escoteiros e o grupamento secundário. Juntos, desfilaram pelas ruas do Tirol, com o percurso começando pela avenida Deodoro e finalizando na Praça Pedro Velho, em Petrópolis162. A heterogeneidade reunia estabelecimentos de ensino públicos, particulares, cursos e até instituições filantrópicas. Não causavam o impacto visual dos jeeps, dos grandes caminhões e do equipamento bélico apresentado pelas instituições militares, mas quebravam a rigidez masculina, inatingível e forte, contrastando em beleza, harmonia, nos uniformes limpíssimos, no orgulho de desfilar pela sua escola. O Departamento de Educação programava uma série de eventos durante a Semana da Pátria. No cronograma, incluíam-se palestras, sessões cívicas em escolas, cinema

160 Tribuna do Norte, 09.09.1951. 161 Tribuna do Norte, 05.09.1952. 162 Tribuna do Norte, 07.09.1952.

campal nos bairros, torneios esportivos entre os Grupos Escolares e, o mais aguardado de todos, o desfile de 7 de Setembro.

FOTO 26 – Alunas da Escola Doméstica de Natal perfiladas no 7 de Setembro de 1952. Nilda Cunha Lima é a primeira à esquerda. Tocou tambor e marchou durante os três anos que estudou neste estabelecimento de ensino. Foto cedida.

Quem morava no trajeto dos desfiles tinha o privilégio de poder assistir à movimentação sem praticamente sair de casa. Acompanhava das imediações desta, na rua. A apropriação deste espaço ia além da observação, permitindo que grupos aproveitassem a oportunidade para se relacionar socialmente com o sexo oposto.

(...) depois que terminava o desfile, colocava as cadeiras aqui na calçada debaixo dos pés de fícus na Floriano [Peixoto, avenida]. Ficava lá conversando até chegar a hora do almoço. Ia ver a Parada, aqueles homens lindos de morrer, aí depois sentava (...) rapazes, quando vinham voltando, ficavam por ali, na pracinha

Nilda Cunha Lima A juventude encontrava sua maneira de melhor participar e aproveitar a Semana da Pátria163. Por outro lado, sua contribuição ao momento cívico-político mais representativo do país e o que isto significava eram qualificadas com desconfiança pelo clero local.

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As especulações e reclamações inerentes ao Carnaval de rua de Natal muitas vezes obtinham espaço na imprensa local. Fatores como o comportamento dos foliões, as normas, a infra-estrutura das ruas e avenidas para o desfile do corso e das agremiações eram fartamente publicadas. Com o 7 de Setembro, tais problemas pareciam não existir. Talvez pelo próprio simbolismo respeitoso da data, não encontramos em nossa Pesquisa nenhum tipo de comportamento ou falta de organização que desabonasse a comemoração e o seu público.

À comunidade católica, a Igreja lembrava que, acima dos deveres patrióticos, estava o compromisso sagrado. A instituição não pregava abertamente que a preferência devesse ser para um ou outro, mas, ao invés de assumir a sua posição, escondia seus intentos dirigindo ao público fiel a mensagem de que ambos caminhavam juntos: que a fé poderia ser conciliada com o patriotismo.

Para A Ordem, não se dissociava a fé da civilidade. Embora publicasse a extensa programação das comemorações de 7 de Setembro, ele também abria espaço na publicação para deixar clara que a importância de Deus estava em primeiro lugar. O discurso tomava outro foco, se arrefecendo em conteúdos do tipo: “No Dia da Pátria, portanto, vibremos todos, com a mocidade e os homens de todas as idades, pelo Brasil cada vez maior, cada vez mais integrado em sua tradição cristã”. Era uma forma de assegurar a unidade espiritual do país e “proteger” os fiéis de ameaças como o comunismo, o espiritismo e outras “seitas heréticas” em ascensão. 164