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CAPÍTULO 3: BROTOS E JUVENTUDES Lugar e espaço na sociedade local

3.1.4. O profissionalismo dos blocos

O Carnaval se consolida como uma festa de confraternização que acontece tanto em lugares públicos quanto nos privados. Guardadas as devidas proporções, conhecidos e desconhecidos passavam a compartilhar da alegria que se instalava no espírito do folião enquanto durava a festa mais popular do país. Cada um brincava e pulava como queria, e justamente por se permitir – e ser permitida -, esta “mobilidade” ajudava a consolidar as diversas configurações que já faziam parte do cenário festivo de anos anteriores. Entretanto, estas representações surgiam e se consolidavam de acordo com a criatividade, as características e o “regimento” de cada agremiação, principalmente nos blocos, que tentavam se diferenciar uns dos outros de diversas maneiras.

Fundado em 1940, o Clube (de carnaval e futebol) Balança Porém Não Cai era um dos mais organizados. A agremiação tinha uma agenda repleta de eventos e cronogramas festivos, cujos foliões eram empresários, políticos e outras pessoas importantes na cidade, como o prefeito Creso Bezerra, animado histrião da agremiação

139 A Ordem, 15.02.1947.

em 1952. Sua diretoria não admitia penetras nem “balanceiros” retardatários durante os encontros, sempre precedidos de um juramento de fidelidade ao “Rei da Folia”.

Às vezes, os “compromissos” deste bloco começavam à meia-noite. As paradas estratégicas, chamadas de “inaugurações”, eram marca do Balança e aconteciam em sua grande maioria em locais previamente divulgados – como edifícios, escolas, hospitais etc. -, com direito a discursos dos balanceiros. Partidas de futebol, tênis, basquete, banhos à fantasia na piscina do Aero, bailes, etc. ampliavam o extenso leque de compromissos, alguns, mais curiosos, como a presença na instalação do aparelho de ar condicionado do Cine Rio Grande, com oferecimento de coquetel e sessão cinematográfica140.

O bloco tinha até mote, onde ser superlativo em alegria era um diferencial da agremiação. Tudo era muito: a bebida, a alegria, a comida. Não tinha igual, segundo o conteúdo da glosa.

Mote: É SEMPRE ASSIM O BALANÇA NAS FESTAS DE CARNAVAL

Glosa: Com feijoada na pança, Balanceiros em bagaço, Zerôncio, louco, no “passo” É SEMPRE ASSIM O BALANÇA Durante o frevo, não cansa, Come e bebe sem igual, Demonstrando que Natal Possui um Clube de estouro,

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Valendo mais do que ouro,

NAS FESTAS DO CARNAVAL141

Era cada vez mais forte a agregação de jovens na formação dos blocos carnavalescos. Os componentes destas agremiações nem sempre moravam no mesmo bairro, o que denota companheirismo e amor ao bloco, a ponto de o jovem se deslocar do bairro onde mora para cumprir extensa programação em outros locais.

Algumas agremiações eram conhecidas pela organização, outras, pelas exigências. Quando reuniam estas duas particularidades, como era o caso de “Os Deliciosos na Folia”, era sucesso na certa. Para participar desta agremiação, o cidadão tinha de ter algum dote musical e colocá-lo em prática nas andanças do bloco. Fantasias caprichadas também eram outro diferencial.

FOTO 20 – Componentes do Deliciosos da Folia em 1958. Acervo de Carlos Roberto de Miranda Gomes142, ex-integrante do bloco. Enviada por Paulo Sérgio Martins.

http://nataldeontem.blogspot.com/search?updated-max=2010-03-14T21%3A29%3A00-03%3A00&max- results=5 Acesso em 02.06.2011.

Surgido em 1949, o “Deliciosos na Folia” era uma agremiação que prezava pelo cuidado nas apresentações e no capricho das vestimentas dos integrantes. Seus componentes vestiam ricas fantasias, desfilavam em carro alegórico e eram acompanhados por batucada, que aliás, era item imprescindível para qualquer folião que

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Tribuna do Norte, 17.02.1952.

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Professor universitário aposentado, membro do IHGRN (Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte) e ex-Diretor da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil)-Secção RN, Carlos Roberto de Miranda Gomes, que cedeu a foto acima, foi folião dos Deliciosos (é o primeiro agachado da esquerda para a direita). Em visita informal à sua casa, dia 4.6.2011, revelou que ainda guarda a roupa e o chapéu que compuseram o visual. De acordo com ele, saía de casa a pé, no Barro Vermelho, para encontrar os companheiros. Tem parentesco com outro entrevistado da pesquisa, João Maurício Fernandes de Miranda.

nele quisesse participar: saber tocar algum instrumento. Tanto empenho resultava em taças e prêmios oferecidos pela Federação Carnavalesca.

Ficava patente que a festa conseguia reunir a juventude local com o mesmo interesse: brincar juntos, fazer parte de um grupo, se destacar dos outros blocos concorrentes e, de certa forma, chamar a atenção da sociedade, nem que fosse apenas naqueles quatro dias.

A organização dos blocos, que teve início da década de 1960, se firma não só pelo número dos seus participantes, na fidelidade, na produção das vestimentas, na evolução nas ruas. Alguns se destacavam na produção musical e tinham até calendário de eventos, incluindo visitas programadas durante o período momesco. Consolidam-se os eventos específicos promovidos pelas agremiações, cada uma procurando ser mais original do que a outra.

O chamariz era a própria magnificência da fama que haviam conquistado ano a ano perante a sociedade local, tal qual a festa que o Bloco do Shangay, comandado por 20 homens, promoveu no Aero. Para comemorar sua fundação, realizou em “avant- premiére” um baile, aproveitando a ocasião para “homenagear o mundo elegante da cidade”143. Na mesma noite, o bloco Os Peraltas escolheu o América para se esbaldar principalmente junto aos seus.

Parte do universo masculino folião nem sempre permitia que a diversão fosse acessível ao sexo feminino. Assim como a proposta de “Os Deliciosos na Folia” e dos “shangainos”, integrados pelo sexo varonil, havia bloco composto quase que exclusivamente por homens. Esta tendência se confirmava pela realização de festas cada vez mais exclusivas, tanto de público, quanto na organização e produção.

O Baile dos Pierrots, outro evento com participação restrita, fazia festas consideradas as mais “fechadas do ano”. Era promovido e produzido por 30 amigos que brincavam obrigatoriamente fantasiados do palhaço triste. As relações sociais entre eles se amalgamavam em torno da literatura, do jornalismo e do direito. A maioria integrada por rapazes solteiros; os casados só participariam com a permissão da mulher (havia poucas colombinas representadas no bloco) e outros integrantes sequer permitiam que seus nomes fossem divulgados para não comprometê-los.

143 Tribuna do Norte, 13.02.1960.

Na festa dos Pierrots, armavam-se orquestra e bar em algum clube afastado da cidade, sem divulgação prévia, para que se pudesse brincar exclusivamente ao som das marchinhas de outrora. Evitava-se, assim, a presença de penetras e de gente que não estivesse fantasiada. Os jovens artistas Dorian Gray e Newton Navarro ornamentaram festa dos Pierrots.