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PARTE III. Faces da eficácia da CDB

5. Cenários de referência para a eficácia da CDB no Brasil

5.2. O cenário do ótimo coletivo

Esta subseção cria o cenário do “ótimo coletivo”, no qual a CDB teria sido implementada de forma perfeita pelo Brasil. A fim de evitar a crítica conceitual de Young (2001), que alerta que o cenário do ótimo coletivo é problemático devido à própria conceituação do que seria este “ótimo”, ressalta-se que esse cenário baseia-se nas diretrizes da própria CDB, conforme acordado pelas partes signatárias. Ademais, ainda conforme o alerta de Young (2001), salienta-se que tal cenário não deve ser considerado como um retrato estático, mas sim dentro do contexto socioambiental atual. Primeiramente, ao se levar em conta o lado mais ambiental do problema e tomando como base os três objetivos da CDB (UN, 1992) e os Objetivos do Milênio (UN, 2010), teríamos que:

 Pelo menos 10% de cada bioma brasileiro estaria protegido, de fato, no âmbito do Sistema Nacional de Unidades de Conservação – SNUC;

 Todas as áreas prioritárias para a biodiversidade seriam devidamente conservadas;

 Todas as espécies anteriormente ameaçadas de extinção (ou a maioria delas) estariam com suas populações estabilizadas, com quantidade de indivíduos adequada;

 Haveria poucos ou nenhum organismo ameaçado de extinção pelo comércio internacional;

 Existiria pouca ou nenhuma destruição e/ou degradação de habitats naturais;

 Os caminhos de disseminação de espécies exóticas invasoras estariam conhecidos e controlados;

 Haveria planos de manejo bem estabelecidos para as principais espécies exóticas invasoras, que estariam sob controle;

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 Haveria projetos robustos para fortalecer a resiliência dos ecossistemas quanto ao impacto das mudanças climáticas;

 A poluição dos ecossistemas estaria controlada e reduzida ao mínimo;

 Os ecossistemas estariam saudáveis ao ponto de continuar provendo bens e serviços necessários ao ser humano, inclusive em termos de segurança alimentar e saúde;

 O ritmo das mudanças climáticas estaria diminuindo e haveria formas concretas sendo implementadas para lidar com seus efeitos.

Quanto às implicações político-institucionais deste cenário, também apresentamos dois grupos: as implicações de cunho internacional e as de cunho nacional. Internacionalmente, a CDB teria grande destaque na agenda internacional e, em conjunto com seus espaços de discussão (as COPs, o SBSTTA, etc.), seria um fórum de debates respeitado e bem aproveitado. Assim, as recomendações do SBSTTA e dos outros órgãos da convenção seriam seguidas da melhor forma possível, considerando os recursos financeiros do país. Ademais, as questões ligadas à conservação da biodiversidade seriam tratadas de forma integrada com outros temas, inclusive se trabalhando a sinergia com outras convenções. Países degradadores sofreriam forte pressão internacional para mudar seu comportamento.

No Brasil, a questão da biodiversidade permearia todos os espaços do governo e teria o mesmo destaque que políticas relativas à saúde, educação e economia do país: haveria o entendimento, por parte dos tomadores de decisão das diversas áreas, de que a conservação da biodiversidade influi e é influenciada por muitas outras questões de relevância no país.

Devido aos recursos repassados pelos mecanismos de financiamento da CDB, haveria diversas parcerias técnicas e acadêmicas, e a diversidade biológica no país seria extensivamente estudada e estaria bem conhecida, catalogada e serviria a sociedade sem ser degradada.

Consequentemente, o tema biodiversidade teria grande visibilidade doméstica, com a disseminação de projetos educacionais que fizesse com que a população compreendesse melhor a questão e suas ligações com sua vida diária. Assim,

151 considerando a escala de oito pontos proposta por Cass (2007)75, a visibilidade da conservação da biodiversidade como problemática política receberia pontuação entre 7 (norma proeminente) e 8 (completamente inserida na estrutura nacional).

Haveria conhecimento satisfatório sobre a diversidade genética de espécies com interesse para a agropecuária (e outras espécies de interesses para o ser humano) e ações para preservar tal diversidade, inclusive a diversidade de conhecimentos indígenas e/ou tradicionais sobre esse tema. Ademais, o lucro advindo do uso da biodiversidade (inclusive o conhecimento tradicional e tecnologias relacionadas) seria repartido com os detentores originais destes recursos naturais e intelectuais; ou seja, as populações tradicionais brasileiras com conhecimentos específicos sobre a biodiversidade receberiam sua parte nos benefícios gerados por tais conhecimentos. Além disso, toda e qualquer transferência de material genético estaria de acordo com a legislação internacional vigente.

Existiriam políticas para estimular o uso e consumo sustentável de produtos oriundos da biodiversidade, que viriam de fontes manejadas de forma adequada e cuja produção seguiria práticas consistentes com a conservação da diversidade biológica.

De forma geral, todo o processo relativo à conservação da biodiversidade seria feito com total transparência. Afinal, de acordo com Victor et al. (1993), os acordos que promovem a transparência das organizações que os põem em prática podem contribuir para a eficácia do próprio regime. Baseando-se nos estudos de eficácia institucional relacionada à questões ambientais internacionais compilados por Haas et al. (1993), instituições eficazes operam aumentando a preocupação com os temas, otimizando a capacidade das instituições e facilitando consensos, papéis que poderiam ser facilmente atribuídos à instituições governamentais transparentes.

No âmbito da biodiversidade marinha, as zonas econômicas exclusivas (ZEEs) seriam todas de uso protegido e o uso dos seus estoques pesqueiros e outros recursos de interesse econômico seria manejado de forma sustentável. Similarmente, pelo menos 10% da zona costeira estariam protegidos em unidades de conservação.

As práticas integradas de gestão marinha e costeira (IMCAM – Integrated

Marine and Coastal Area Management) seriam implementadas integralmente, conforme

recomendação da Decisão II/10 da CDB de 1995, o Mandado de Jacarta. Segundo o

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152 documento técnico que delineia a metodologia do IMCAM (AIDEnvironment et al., 2004), o mesmo se constitui num processo participativo que inclui todos os atores relevantes na tomada de decisões relativas aos impactos antrópicos nos ecossistemas marinhos e costeiros. Nesse contexto, a Decisão II/10 aponta algumas áreas que precisam de atenção especial no âmbito do IMCAM, entre eles atividades setoriais tais como: aquicultura, construção em áreas costeiras, turismo e lazer, práticas pesqueiras e manejo dos recursos hídricos. Assim, a referida decisão considera o IMCAM o método mais adequado para tratar dos impactos antrópicos nos ecossistemas costeiros e marinhos e promover sua conservação e uso sustentado, e recomenda que as partes:

“...estabeleçam e/ou fortaleçam, onde apropriado, arranjos institucionais, administrativos e legislativos para o desenvolvimento integrado do manejo e ecossistemas marinhos e costeiros, planos e estratégias para áreas costeiras e marinhas, e sua integração com os planos de desenvolvimento nacionais” (CBD COP, 1995).

Nesse contexto, as espécies marinhas anteriormente ameaçadas de extinção estariam com suas populações estabilizadas, com quantidade de indivíduos adequada, e aquelas que estivessem ameaçadas integrariam as respectivas listas, na sendo consideradas como meros “recursos pesqueiros”.

Todas as áreas de manguezal e recife de coral estariam sob proteção absoluta, sem exceções para projetos de utilidade pública, pois a própria biodiversidade desses locais e os serviços fornecidos por eles seriam vistos como de utilidade pública e interesse social (ver Mostaert & Steiner, 2010), incluindo aspectos relacionados ao turismo.

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